Uma reforma fiscal do ambiente - Em busca do triplo dividendo

Há uns anos, era quase impossível abrir um jornal ou ouvir um telejornal sem que o tema fosse uma qualquer preocupação com o ambiente. Hoje em dia, contudo, não é assim. E não é só em Portugal, mas também noutros países da União Europeia e nos EUA. O que aconteceu? Claramente há ainda muitos problemas ambientais por resolver. A resposta é muito simples. A crise económica e financeira chegou e, com ela, o problema do ambiente foi relegado para segundo plano.

Na agenda da política económica o binómio austeridade e crescimento económico ocupa hoje a posição cimeira. Ao que parece, há agora um consenso político implícito de que em tempo de crise não se faz uma reforma fiscal do ambiente.

Mas será essa uma ideia sensata? Soubemos recentemente que, muito por causa da crise e da desaceleração da actividade económica, Portugal já cumpriu os objectivos de Quioto. Este aparente sucesso é contudo temporário, uma vez que, logo que a economia recupere, se entretanto não mudarmos os nossos comportamentos poluidores, as emissões de carbono vão voltar a subir. O outro lado desta moeda é a ideia generalizada de que se tivermos de reduzir o nível de poluição, então a actividade económica ficará mais fraca e o desemprego aumentará. Existiria então um conflito entre os objectivos de promover o crescimento económico e a protecção do ambiente. Esta ideia é contudo falaciosa como aqui se argumenta. Mas vamos por partes.

Quando se faz uma reforma fiscal do ambiente, o principal objectivo é conseguir reduzir os níveis de poluição. A ideia é a de tributar as emissões de carbono ou a de reduzir os subsídios que prejudicam o ambiente, e assim induzir os agentes económicos - as famílias, as empresas e o próprio Estado - a adoptar comportamentos menos poluidores. De facto, sempre que o preço da energia reflecte o dano sobre o ambiente, os agentes económicos tendem a reduzir o desperdício de energia e a investir em tecnologia mais limpa. A este efeito, que beneficia o ambiente, os economistas chamam o “primeiro dividendo” de uma reforma fiscal ambiental.

Para além de induzir comportamentos mais amigos do ambiente, introduzir impostos verdes e eliminar subsídios perversos gera um aumento da receita fiscal para os cofres públicos. De imediato coloca-se a questão sobre o que fazer com esta receita adicional. Os mais ecologistas defendem que esta verba deve ser usada exclusivamente para fins ambientais. No extremo oposto encontram-se os políticos, que tipicamente preferem que se deixe em aberto o que fazer com este dinheiro.

Contudo, a maioria dos economistas, entre os quais me encontro, tendem a defender que esta receita fiscal seja usada com vista a obter os “segundo dividendo” e “terceiro dividendo” de uma reforma fiscal amiga do ambiente. Mas o que são e porque são fundamentais? A resposta tem a ver com os efeitos económicos e orçamentais tipicamente associados a uma reforma fiscal ambiental que o não faça.

Se não forem tomadas outras medidas atenuadoras, é verdade que a introdução de impostos verdes tem um impacto negativo sobre o PIB e sobre o emprego, simplesmente porque diminui o poder de compra das famílias e aumenta os custos das empresas, que agora têm ambos que pagar preços mais elevados pela energia mais poluente e ou desviar recursos para o investimento em tecnologia mais limpa.

Outro efeito secundário de uma actividade económica mais fraca é um ligeiro agravamento do défice orçamental por conta do aumento da despesa com subsídios de desemprego e de uma menor receita fiscal e contributiva. Pondo as coisas só nestes termos uma reforma fiscal ambiental nas condições económicas actuais estaria totalmente de facto fora de questão. E é aqui que se entrosa a questão do que os economistas chamam a “reciclagem” das receitas fiscais ambientais e dos potenciais “segundo e terceiro dividendos” de uma reforma fiscal ambiental.

O “segundo dividendo” tem a ver com a possibilidade de através do uso criterioso das receitas fiscais ambientais reduzir as distorções do sistema fiscal e incentivar a economia de modo a neutralizar ou mesmo inverter os impactos económicos negativos da reforma ambiental. Na literatura económica está bem presente a ideia de que o uso destas receitas para financiar por exemplo incentivos ao investimento em áreas ambientais e outras, ou na redução das contribuições sociais pode fazer isso mesmo. Financiamento de reduções no IVA e no IRS podem ter a mesma virtude ainda que com menor intensidade.

Por seu lado a ideia de um “terceiro dividendo” tem a ver com a possibilidade de se poderem neutralizar ou mesmo inverter os efeitos orçamentais negativos da reforma. O ponto é que mesmo quando uma reforma fiscal ambiental é concebida com neutralidade de receitas, um imposto ambiental que diminua o produto e o emprego também tenderá a diminuir as receitas fiscais e no cômputo geral as receitas fiscais podem vir a ser reduzidas pela reforma.

Contudo, ao se libertarem e activarem as forças económicas com o segundo dividendo, tais efeitos negativos secundários podem desaparecer e podem mesmo ser gerados efeitos secundários positivos já que as bases fiscais estariam a aumentar e não a diminuir.

Compreende-se, claro está, que nem todas as receitas fiscais ambientais serão “recicladas” por forma a mitigar os efeitos económicos e orçamentais da reforma. Sendo esta uma decisão política, na prática, parte das receitas adicionais provenientes dos impostos verdes serão aplicadas no ambiente, outra parte para mitigar os efeitos negativos sobre a população menos favorecida, e outra parte ainda em nome da “competitividade” da economia.

Dever-se-á contudo ter bem presente que quanto mais for aplicado a estes fins, menos provável se tornará obter um triplo dividendo - menos provável é evitar os efeitos potencialmente negativos da reforma sobre economia e sobre o orçamento. E quanto menos provável tal for, menos provável será a adopção neste momento económico de uma reforma fiscal ambiental significativa.

Tal como os três mosqueteiros, os três dividendos de uma reforma fiscal amiga do ambiente podem até ser quatro. Implementar uma reforma fiscal nos termos aqui apresentados pode vir a ser uma ponte entre as forças sociais, a oposição, e o governo, e assim trazer a tão desejada frescura ao debate sobre as opções de política económica em Portugal. Quem não deseja um melhor ambiente para as gerações vindouras? Quem não quer uma economia a crescer sustentadamente e de forma mais robusta, com significativos ganhos para o emprego? Quem não se preocupa com a sustentabilidade das finanças públicas?

Uma reforma fiscal ambiental tem o potencial para trazer novas opções nestas três áreas cruciais. Assim, parece-me que não há melhor altura que o presente para fazer uma reforma fiscal ambiental. O ambiente assim o exige, e o clima económico e político assim o recomendam.

Thomas Vaughn Professor of Economics, The College of William and Mary, Williamsburg, Virginia, EUA
ampere@wm.edu

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