Um sobrevivente do guião da reforma

Reforma fiscal é apenas “baralhar” e voltar a dar, ou o Governo tem mesmo margem para baixar o IRS?

A comissão de reforma do IRS é uma sobrevivente do famigerado guião da reforma do Estado, esquecido algures numa gaveta de algum membro do Governo. Quando no ano passado Paulo Portas sugeriu que se constituísse uma comissão para estudar o IRS, pensava-se na altura que a seguir à troika poderia haver margem para descer os impostos sobre as famílias. E chegar a 2015, ano de eleições, com alguma boa notícia para dar aos portugueses.

É verdade que a economia até está a dar sinais de recuperação, mas como alertavam os técnicos da UTAO no início desta semana, o Governo está a usar o aumento da receita fiscal para suportar despesas públicas que não estavam previstas, e não para baixar o défice e a dívida. Como tal, a margem para baixar impostos na actual conjuntura é reduzida.

E é neste contexto que, quer a comissão para a reforma do IRS, quer a comissão que está a estudar a fiscalidade verde estão a tentar fazer uma espécie de quadratura do círculo fiscal. Ou seja, reformar os impostos sem aumentar a receita fiscal (o que seria um disparate depois do “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar), mas também sem baixá-la (coisa que o Governo não se pode dar ao luxo de fazer caso pretenda cumprir a meta do défice).

Por exemplo, a comissão de reforma do IRS até propõe a introdução de um quociente familiar que aliviaria a carga fiscal das famílias com filhos, mas para evitar a perda de receitas contrapõe com travão do lado das deduções fiscais, o que na prática iria agravar os impostos de quem não tem dependentes. O mesmo se passa com a comissão da fiscalidade verde, que propõe uma espécie de reciclagem fiscal (agravar impostos verdes e baixar, por exemplo, o IRS). Resta saber se a intenção do Governo é apenas “baralhar” e voltar a dar os impostos ou se realmente terá margem (e vontade) para fazer um desagravamento fiscal que permita aos portugueses recuperar pelo menos parte do poder de compra que perderam nos últimos três anos.

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