Pensões

O sistema de pensões sueco é tido como um dos financeiramente mais sustentáveis no Mundo. Em Portugal, o envelhecimento da população e a crise económica colocam em risco o financiamento das futuras pensões. As previsões não são animadoras: em 2025, a pensão corresponderá a menos de 45% do salário. Em 2060 a pouco mais de 30%.

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Pensionistas de velhice da Segurança Social por escalões de pensão em 2013

Fonte: Pordata

Pensionistas de velhice da Segurança Social

Fonte: Pordata

Reportagem

Um piloto automático que não evita corte nas pensões

É dentro de uma caixa, escondida numa arrecadação, que Kjell Wallstedt guarda todos os envelopes cor-de-laranja que recebe da Agência de Pensões. “A maior parte das vezes nem os chego a abrir, vão logo directos para a caixa, não gosto muito de me preocupar com o futuro”, diz o informático de 54 anos, no palacete nos arredores de Estocolmo onde trabalha para uma empresa norte-americana de análise de dados.

E realmente, se não quer mesmo pensar no futuro, Wallstedt faz bem em não olhar para aquilo que está dentro dos envelopes.

Todos os suecos que contribuem para o sistema de pensões do país recebem, entre Fevereiro e Março, uma carta com toda a informação de que precisam para perceber quanto é que poderão vir a receber quando se aposentarem. Os envelopes cor-de-laranja, como são conhecidos, são uma peça central de um sistema de pensões inovador, adoptado em 1999 pela Suécia, para o qual muitos países olham quando se defrontam com problemas de sustentabilidade nos seus próprios sistemas.

Na carta enviada pela Agência de Pensões, cada contribuinte é informado sobre os montantes que entregou ao sistema até à data, como é que esse valor cresceu (ou diminuiu) quando lhe foi aplicada a taxa de juro de valorização prevista no sistema e, finalmente, qual a pensão mensal que cada um pode esperar receber quando decidir reformar-se, se continuar a ter o mesmo tipo de rendimentos.

Para os suecos que se preocupam com o futuro, o dia em que recebem esta informação é também o dia em que começam a tomar decisões importantes. A seguir ao envio dos envelopes – cerca de seis milhões –, o número de telefonemas para a Agência de Pensões sueca aumenta muito consideravelmente, explica Paul Larsson, o homem responsável pela coordenação do departamento de atendimento ao cliente nesta entidade: “As pessoas querem saber quanto é que recebem mais se adiarem a reforma mais um ano e querem confirmar muitas vezes se o valor da pensão que aparece na carta é mesmo o verdadeiro”.

Esta prestação anual de informação através da carta da Agência de Pensões e a informação permanente que está disponível online tornou-se essencial com a entrada em vigor do novo sistema de pensões sueco, há 15 anos. No sistema antigo, saber qual era a pensão que se ia receber não era questão que se colocasse. Uma pessoa recebia um valor que era sempre 60% da média dos 15 melhores salários dos últimos 30 anos. Agora, o valor da pensão depende de todas as contribuições feitas ao longo da carreira profissional e da forma como evoluiu a economia e a demografia do país.

Qualquer sueco deixou de ter a certeza de que irá receber um valor próximo daquele que recebia nos últimos anos da sua vida profissional e, por isso, a informação que consta do envelope cor-de-laranja pode ser uma derradeira oportunidade para preparar, a tempo, alternativas para uma reforma mais tranquila.

Ainda assim, explica Paul Larsson, “convencer as pessoas com 30 ou 40 anos a preocuparem-se muito com as pensões não é fácil, apenas a seguir aos 55 anos é que começam a estar muito mais atentas”.

O sistema
Foi nos anos 1990 que a Suécia decidiu alterar por completo o seu sistema de pensões. E fê-lo de uma forma que não se tinha ainda visto em nenhum país.

Entre um sistema de repartição com benefício definido que era o que estava em vigor e um sistema tradicional de capitalização com contribuição definida, os políticos suecos conseguiram encontrar uma alternativa. Para a percebermos melhor, convém recordar como funcionam os dois sistemas mais usados e que antes eram vistos como as duas únicas alternativas.

O sistema de repartição com benefício definido é aquele que, ao longo dos anos, tem sido aplicado em Portugal. É com as contribuições das gerações actualmente activas que são pagas as pensões das gerações já reformadas. O valor das pensões é o resultado de uma fórmula indexada ao valor dos salários recebidos ao longo dos anos.

Para que o sistema continue a funcionar, os actuais contribuintes têm de esperar que as próximas gerações lhes consigam financiar as suas pensões no futuro. Este sistema é, por isso, bastante vulnerável a riscos como o do envelhecimento da população ou de taxas de crescimento económico muito baixas, porque isso significaria que as futuras gerações teriam muitas dificuldades em, com a mesma taxa contributiva, garantir o pagamento do mesmo nível de pensões à população reformada. Em Portugal, de acordo com um estudo publicado recentemente pelo Governo, para o sistema ficar equilibrado, a taxa contributiva tinha de passar dos actuais 34,7% para 36,5% em 2020, 40% em 2030 e 46% em 2060, devido ao impacto de décadas que se prevêem de envelhecimento da população e crescimento muito moderado da economia.

Um sistema tradicional de capitalização com contribuição definida não teria este tipo de problemas, mas teria certamente outros. Neste caso, o que acontece é que cada pessoa assume individualmente a responsabilidade e os riscos da sua reforma. As suas contribuições vão alimentando um fundo que vai sendo investido nos mercados para gerar rendimentos adicionais. O valor final do fundo, no momento da reforma, determinará a pensão do aposentado. Não há o risco de o sistema entrar em desequilíbrio, já que o dinheiro que entra para o sistema é exactamente o que sai, mas há o risco de um simples crash nos mercados poder afundar o valor de uma pensão construída ao longo da vida.

Além disso, passar de forma imediata de um sistema de repartição para um sistema de capitalização tem um problema quase insolúvel: se a população activa deixasse de contribuir para a pensão da geração mais velha e passasse a contribuir para os seus próprios fundos, de onde viria o dinheiro para evitar o colapso imediato do sistema?

Na Suécia, durante vários anos, as vantagens e desvantagens dos diversos sistemas foram ponderadas e chegou-se a uma versão alternativa, que passou mesmo a ser conhecida internacionalmente como o "sistema de pensões sueco".

O sistema continua a ser fundamentalmente de repartição, com o dinheiro das contribuições (16 pontos dos 18,5% de contribuições) a servir para pagar as pensões no presente, mas ao mesmo tempo foi criada uma capitalização fictícia (ou nocional) que faz com que as pessoas acabem por receber exactamente aquilo com que contribuíram, de uma forma que mantém o sistema sempre em equilíbrio, independentemente da evolução económica e demográfica.

Um sueco, quando contribui para o sistema, continua na prática a financiá-lo para que este possa continuar a pagar as pensões da geração mais velha. No entanto, ao mesmo tempo, vê a sua conta individual fictícia crescer progressivamente. Esse dinheiro não é, na sua maioria, aplicado nos mercados, mas também lhe é aplicada uma taxa de juro que leva em conta a evolução da economia. O indicador usado é a taxa de crescimento do salário médio no país.

Depois, quando decide reformar-se (e no sistema sueco cada pessoa é livre de decidir a sua idade de reforma), o valor da sua pensão em termos anuais corresponde ao dinheiro acumulado e capitalizado (de forma fictícia) na conta individual, a dividir pelos anos de esperança de vida estimados nesse momento.

Assim, se um sueco tiver acumulado até aos 65 anos na sua conta individual dois milhões de coroas e a esperança de vida nessa altura for de 85 anos, se se decidir reformar, a sua pensão anual será de dois milhões a dividir pelos 20 anos que lhe restam de vida – o que dá 100 mil coroas, cerca de 8333 coroas por mês (à volta de 880 euros).

A fórmula foi criada de forma a garantir que o sistema esteja sempre em equilíbrio. Isto é, que as contribuições de 18,5% do salário que são feitas pelo trabalhador e pela empresa vão chegar sempre para pagar as pensões que têm de ser pagas no imediato. Isto acontece porque, se a economia fraquejar e a esperança de vida aumentar, diminuindo o valor das contribuições e aumentando o peso relativo dos pensionistas na sociedade, o valor das pensões adapta-se, ficando mais reduzido. E se, ainda assim, a fórmula criada não conseguir, em determinado momento, evitar a criação de défices no sistema, existe um mecanismo, conhecido como “travão”, que baixa automaticamente as pensões para retomar de forma rápida o equilíbrio.

Como garante Mats Persson, um economista da Universidade de Estocolmo que é um defensor do modelo sueco de pensões, “o sistema está em piloto automático dispensando qualquer futura intervenção política para manter o seu equilíbrio”.

Consenso a cinco
Chegar a uma solução inovadora que dispensa qualquer papel dos políticos no futuro não foi fácil. Foram precisos anos de negociações. Mas no final os partidos conseguiram chegar a um consenso. Esta capacidade de entendimento foi, para muitos observadores estrangeiros, ainda mais surpreendente do que as próprias inovações incluídas no sistema de pensões.

Partidos com ideologias diferentes e um historial de discussões em diversos temas, incluindo o das pensões, chegaram a acordo para uma mudança bastante radical de um sistema que existia desde os anos 1950 e a que os suecos estavam habituados.

Bo Könberg, agora presidente da Agência de Pensões e que, no início dos anos 1990, foi o ministro da Segurança Social que criou o grupo de trabalho para estudar a reforma, diz que as probabilidades de se chegar a um consenso eram muito baixas. “Quando convidei os partidos para participarem no grupo estava pouco convencido de que iríamos ter sucesso. E eu era dos mais optimistas. A questão das pensões tinha sido a questão mais polémica enfrentada pela democracia sueca ao longo dos anos. Tivemos mesmo um referendo nos anos 1950 sobre este tema para aprovar o antigo sistema. Acho que, na Suécia, ninguém acreditava que um acordo político para uma nova reforma fosse possível”.

A primeira vez que na Suécia se começou a estudar uma alteração no antigo sistema de pensões foi em 1984. Nessa altura foi criado um comité de estudo que incluía partidos políticos, organismos governamentais, sindicatos, associações de pensionistas e organizações empresariais. Ao fim de seis anos de trabalhos, não se chegou a qualquer acordo, com os partidos mais à direita a defenderem um sistema mais baseado na capitalização de fundos nos mercados e o Partido Social-Democrata, de centro-esquerda, a não aceitar alterações ao sistema em vigor, que tinha sido de sua autoria.

Em 1991, com o país a sofrer uma crise económica grave, os sociais-democratas perderam as eleições, e o novo Governo de centro-direita decidiu criar um novo grupo de trabalho para preparar uma reforma do sistema de pensões. Desta vez, apenas foram chamados a participar os partidos com assento parlamentar. E no espaço de dois anos e meio chegaram a um acordo.

Como é que dessa vez foi possível um acordo? Bo Könberg, que presidiu ao então criado Grupo das Pensões – que ainda existe –, explica.

Tudo começou na conjuntura económica. A grave crise que se vivia nos países escandinavos criou a ideia na sociedade sueca de que o sistema de pensões em vigor poderia não ser sustentável. Isso deu a todos os membros do grupo um mandato forte para avançar para uma reforma. “O Partido Social-Democrata estava muito orgulhoso do sistema que tinha criado nos anos 1950. Mas na Suécia, a partir dos anos 1980, muitas pessoas, incluindo sociais-democratas de relevo, começaram a ficar ansiosas e a duvidar que se pudesse manter o sistema. As pessoas começaram a sentir que tinham de fazer alguma coisa para os filhos e os netos. Acho que, para haver um acordo, primeiro é preciso que as pessoas sintam que o sistema antigo não vai funcionar”, diz o ex-ministro.

Também pesou a própria formação inicial do grupo, que apenas incluiu quem estivesse predisposto a chegar a um consenso. Não só não foram incluídos sindicatos, organizações patronais ou associações de pensionistas, como dois partidos completamente contrários a mudanças – o partido mais à esquerda e o mais à direita no parlamento acabaram por ficar fora do grupo. Restaram cinco partidos, que representavam cerca de 85% dos votos. “Tinha sido membro do anterior comité para as pensões que foi criado em 1984 e que não conseguiu chegar a um acordo. Nessas reuniões estavam 30 pessoas numa sala, com partidos, sindicatos, representantes patronais... Nessa altura aprendi que, se queremos negociar de uma forma eficaz, temos de ter um grupo mais pequeno. No final éramos sete e o resultado confirmou a minha ideia de que tínhamos de ter menos pessoas e que tivessem um forte mandato para negociar”, conta Bo Könberg.

Depois, o grupo decidiu funcionar de acordo com a seguinte lógica: os representantes dos partidos – pessoas com uma excelente relação entre si – discutiam uns com os outros até chegarem a uma posição de convergência sobre um determinado acordo. Só depois é que poderiam apresentar aos órgãos dos seus próprios partidos a solução proposta. Desta forma, o conteúdo das negociações foi sendo, na sua maioria, escondido da opinião pública, até ao momento de se apresentar a proposta final.

Os parceiros sociais, em particular os sindicatos, acabaram por não constituir uma oposição forte ao acordo. Para este facto contribuiu uma das características da reforma. Por passar de uma regra em que a pensão é calculada com base nos 15 melhores anos dos últimos 30 para uma regra em que toda a carreira contributiva conta, beneficiou mais as pessoas com baixos rendimentos, que geralmente têm uma carreira sem grandes alterações nos salários, e prejudicou mais aqueles que tinham uma carreira em que os últimos anos eram claramente de rendimentos mais elevados, como os professores universitários e os profissionais liberais. Isso teve um impacto importante na forma como os sindicatos se posicionaram perante a proposta de reforma em cima da mesa.

Quem contestou mais as mudanças foi o LTO, o sindicato que acolhe as profissões mais qualificadas, que acabou por ceder quando se viu praticamente isolado e lhe foram oferecidas algumas concessões, no processo de transição. Por outro lado, o poderoso LO, dos trabalhadores menos qualificados e com uma forte e histórica ligação aos sociais-democratas, acabou, embora sem grande entusiasmo, por aceitar as mudanças propostas. “Para os trabalhadores pouco qualificados não foi muito difícil aceitar o acordo, porque o sistema os beneficiava. Se o LO se tivesse oposto ao sistema, não teria sido possível aos sociais-democratas votar favoravelmente”, diz o presidente da Agência de Pensões.

Durante o debate, depois de as várias partes terem aceitado o conceito básico do novo sistema, a discussão centrou-se em qual é que seria a percentagem das contribuições que iria para uma capitalização fictícia e qual é que iria para uma capitalização real. Os partidos à direita queriam que a componente premium, que é aquela que é colocada em fundos públicos ou privados de capitalização, fosse bastante elevada, talvez mesmo maioritária. Os sociais-democratas não queriam sequer que esses fundos existissem. A diferença de opiniões parecia inconciliável, mas o compromisso foi encontrado, já no final e quando a esperança em relação a um acordo era já baixa, numa divisão de 16% para a capitalização fictícia e 2,5% para a capitalização real.

Zolveig Zander, deputada do Partido do Centro e que é hoje o membro do Grupo das Pensões há mais tempo nessas funções, diz que “foram discussões muito difíceis”. “No Partido do Centro defendíamos – e defendemos – que a componente premium das pensões deveria ser maior, mas os 2,5% foram o compromisso possível”, disse, garantindo que essa continua a ser uma questão em que a esquerda e a direita têm opiniões muito diferentes.

Jan Andersson, actualmente membro do conselho de uma das maiores associações de reformados da Suécia, mas que em 1994 era deputado pelos sociais-democratas, confirma que, para o seu partido, não foi fácil chegar a um acordo. “Tivemos uma grande discussão dentro do partido. Eu estava no grupo que não queria a reforma. Houve grandes compromissos e a parte de que nós não gostámos mesmo foi a parte premium das pensões. Mas foi uma questão de receber de um lado e dar do outro”, explica.

No final, aquilo que acabou por prevalecer foi o que ambas as partes consideravam absolutamente indispensável. Os sociais-democratas ficaram com a garantia de que o sistema continuava a ser fundamentalmente de repartição, que era universal e que a sua gestão se mantinha pública. À direita, a ideia de que o sistema se tornava actuarialmente (em função da esperança de vida) justo, sem transferências entre gerações, foi considerada uma vitória importante. E de ambos os lados, a ideia de fazer desaparecer as pensões do combate político foi recebida com entusiasmo. 

O grande problema
Destas discussões, a Suécia implementou, a partir de 1999, um sistema de pensões que, de acordo com a generalidade dos indicadores, é um dos financeiramente mais sustentáveis no mundo. Isto quer dizer que, da forma como está construído, garante que haverá sempre dinheiro suficiente para pagar as pensões, independentemente da evolução futura da economia e da demografia.

O problema que subsiste é, no entanto, outro, e os últimos 15 anos já o comprovaram: será que esta sustentabilidade financeira é garantida à custa de pensões que acabam por ser demasiado baixas?

Esta dúvida transformou-se mesmo em angústia para muitos suecos, quando o país, a partir de 2008, teve de enfrentar outra crise económica grave, desta vez associada à crise financeira internacional. A economia caiu, o mercado de trabalho vacilou e as regras do sistema de pensões entraram em acção: as pensões primeiro deixaram de subir, seguindo a evolução do salário médio na economia, e depois foram cortadas. Em três anos – 2010, 2011 e 2014 – a regra do "travão" teve de ser accionada para evitar que o sistema caminhasse para um défice.

Os pensionistas tiveram um choque quando viram o seu rendimento cair, apercebendo-se verdadeiramente, pela primeira vez, das consequências de um sistema em que a pensão resulta não só das contribuições feitas ao longo da vida, mas também da situação da economia.

“A diferença entre os salários e as pensões está a crescer muito. Quando se fez a reforma do sistema, foi dito que o valor das pensões devia seguir o valor dos salários, era uma das promessas da reforma, mas isso não foi cumprido. E se não fizermos nada em relação a isso, a diferença entre os salários e as pensões vai ser cada vez maior”, afirma Jan Andersson, membro do conselho de uma das maiores associações de reformados da Suécia, a PRO.

Este ex-parlamentar e deputado europeu pelo Partido Social-Democrata diz que, ao protestar contra a redução das pensões, o que as associações de pensionistas estão a fazer é a lutar pelos interesses das gerações mais novas, que correm o risco de ficar com pensões ainda mais pequenas. “Eu preocupo-me mais com a situação dos meus filhos do que com a minha, já que eles se arriscam mesmo a ficar com uma pensão muito baixa”, diz.

Para já, conseguiram uma vitória. O Grupo das Pensões chegou a acordo para uma modificação nas regras do travão, tornando os cortes menos bruscos mas também mais prolongados. No entanto, os pensionistas querem mais. “No longo prazo, o sistema está subfinanciado”, afirma, assinalando que o número de pessoas que estão abaixo da linha de pobreza (definida como rendimento abaixo de 60% da média) está a crescer na Suécia, e isso acontece principalmente entre os pensionistas.

O problema da pobreza num dos países mais ricos da Europa como a Suécia é um tema que tem vindo a ganhar espaço, desde 2008, muitas vezes aparecendo associado ao sistema de pensões. Particularmente vulneráveis estão os imigrantes que chegam agora à velhice e que não fizeram (por terem chegado ao país numa idade já avançada) descontos suficientes para terem uma boa pensão.

É certo que o sistema sueco prevê uma pensão mínima garantida a todos os residentes na Suécia, financiada pelo Orçamento, mas Jan Andersson diz que há muitos casos de quem tenha trabalhado uma vida, em particular mulheres e imigrantes, e que acaba por ficar com uma pensão muito pouco acima da garantida, e portanto abaixo do limiar de pobreza na Suécia.

“Nós não queremos um novo sistema, nós queremos uma revisão. Uma revisão que leve em conta que alguns dos objectivos da reforma não foram cumpridos”, diz este pensionista de 68 anos, pedindo novas fontes de financiamento para o sistema, defendendo o fim da componente de capitalização e não colocando de lado a possibilidade de no futuro se ter de aumentar a taxa de contribuição global.

Na Suécia, com uma contribuição de 18,5% do rendimento – que se divide em 16% para o sistema de repartição e 2,5% para fundos de capitalização –, o sistema público consegue actualmente oferecer, de acordo com os números da Comissão Europeia, uma pensão que é em média equivalente a 35,6% do último salário da pessoa que se reforma. Estes números comparam com uma contribuição total de 34,75% em Portugal e uma pensão equivalente a 57,5% do último salário. Para 2060, a Comissão estima que, com as actuais regras, a Suécia tenha uma pensão que vale 29% do último salário e Portugal 30,7%.

No entanto, há uma outra característica do sistema sueco que é preciso levar em conta. Quase todos os suecos que trabalham por conta de outrem (quer no sector público quer no privado) estão sindicalizados e recebem um complemento de reforma que decorre de acordos entre os sindicatos e as entidades patronais. Esse complemento representa em média cerca de 10% do valor da pensão, sendo em alguns casos substancialmente mais elevado. Isso faz subir a taxa de substituição da pensão sueca para 40,9% em 2013 e 35,2% em 2060, já acima das de Portugal.

Para muitos suecos, no entanto, a sensação é mesmo a de um valor cada vez mais baixo das suas pensões. Esse é o caso de Margarita, de 67 anos, que foi com o seu filho a uma loja do cidadão no centro de Estocolmo tratar da sua declaração fiscal. O seu estado de espírito em relação à pensão que recebe é muito negativo. “Tem vindo a descer e acho que vai continuar, não acho que isto esteja correcto”, diz.

Ao seu lado o filho, Phillipe, com 30 anos, tem as expectativas igualmente baixas em relação àquilo que o sistema lhe pode oferecer. “Na minha geração não estamos a contar com uma pensão para viver, acho que vai ser apenas um valor simbólico”, afirma, dizendo que os seus planos passam por poupar ele próprio dinheiro para quando for mais velho.

Kjell Wallstedt, o informático de 54 anos que não gosta de pensar no futuro, já tem bastante menos tempo para fazer poupanças. Mas não é por olhar finalmente para o conteúdo do envelope cor-de-laranja e verificar que o valor da sua pensão “não é nem metade” daquilo que ganha actualmente, que entra em pânico. “A minha grande poupança é a minha casa”, diz.

Consenso ameaçado?
Este clima de desconfiança em relação ao nível de pensões com que os suecos podem contar e que se reforçou depois de três anos em que o "travão" foi aplicado coloca uma questão no ar: se financeiramente o sistema é sustentável, será que politicamente também o será? Com pensões sucessivamente mais baixas e os pensionistas a ganharem cada vez maior peso na sociedade, as pressões não serão cada vez maiores para alterar o sistema?

Para já, as diversas partes parecem concordar que o consenso em torno da forma como o sistema de pensões sueco foi desenhado está para durar. Mesmo na associação de pensionistas PRO não se vislumbra uma alteração significativa a caminho. “Não, não me parece. Os partidos que estão dentro deste acordo querem mantê-lo. Agora, ao fim de 15 anos, é normal que se olhe para o sistema, se veja quais eram os objectivos e se tente perceber quais foram atingidos e quais não foram. É tempo de fazer essa avaliação, sem mudar de sistema”, diz Jan Andersson.

Do Grupo das Pensões, a entidade por onde tem de passar qualquer alteração no sistema, não saem também sinais de fragilidade no consenso. “Sentimos muita pressão, vinda principalmente dos media, por causa da aplicação do travão, mas dentro do grupo houve a noção de que tínhamos de manter essa regra. Nunca houve desacordo, é algo que é fundamental no sistema”, afirma Zolveig Zander.

E se, para manter o consenso, for preciso excluir novos participantes que o ponham em causa, os principais partidos suecos parecem dispostos a não hesitar. “Somos cinco partidos, se deixamos outros partidos entrar, torna-se mais difícil chegar a um consenso,” diz a representante do Partido do Centro, quando questionada sobre o motivo por que o Partido Verde, que até faz actualmente parte do Governo em coligação com os sociais-democratas, apenas assiste às reuniões do Grupo das Pensões, sem direito de voto. “O Partido Verde tem como uma das suas medidas pôr as pessoas a trabalhar menos, e essa é uma proposta que torna impossível qualquer tipo de consenso em torno do sistema de pensões”, explica Zander.

Bo Könberg, por seu lado, mantém inabalável a sua confiança na força do sistema que ajudou a criar. “O apoio dos cinco partidos manteve-se, mesmo depois da crise de 2008 e mesmo nos anos em que as pensões foram cortadas e várias organizações protestaram contra o sistema. Por isso, eu diria que o sistema passou não só o teste económico trazido pela crise, como também o teste político. Se perguntar aos partidos se querem grandes mudanças no sistema, ninguém vai dizer que sim”.