Um keynesiano que não gostava da política, mas que foi chamado a resolver crises

Jacinto Nunes, um dos economistas mais marcantes em Portugal durante a segunda metade do século XX morreu esta segunda-feira em Lisboa.

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Antes do 25 de Abril, no período logo após a revolução e durante as duas primeiras presenças do FMI em Portugal, Jacinto Nunes ocupou cargos decisivos para a condução da política económica do país. No entanto, o seu percurso foi o de um homem relutante em assumir responsabilidades políticas e orgulhoso sobretudo da sua carreira académica. Morreu esta segunda-feira em Lisboa, com 88 anos de idade.

Jacinto Nunes foi um dos principais divulgadores da obra de Keynes em Portugal e um académico que chegou ao topo da carreira desde de muito cedo. Coisa rara no seu tempo, concluiu o doutoramento em economia com 19 valores quando tinha 31 anos, tornando-se professor catedrático seis anos mais tarde. Jubila-se no ISEG em 1996 e recebe o doutoramento Honoris Causa em Coimbra, em 2002.

Era destes feitos académicos que mais se orgulhava, mas foi pelos cargos que ocupou na condução económica do país, tanto no Banco de Portugal como no Ministério das Finanças, que Jacinto Nunes se tornou, aos olhos do público, num dos economistas com maior notoriedade em Portugal durante a segunda metade do século XX. A lista de cargos e missões relevantes para a economia portuguesa desempenhados por Jacinto Nunes estende-se por quatro décadas. Logo após a sua licenciatura fez parte, nos anos 40, da equipa que representou Portugal nas negociações do Plano Marshall.

Em 1960, abandona o Executivo liderado por António Oliveira Salazar, onde ocupava o cargo de sub-secretário do Tesouro desde 1955, para se tornar, aos 34 anos, no mais jovem membro do conselho de Administração do Banco de Portugal. Ocupa o cargo de vice-governador até 1974, assumindo de forma interina a liderança da autoridade monetária entre 1963 e 1966.

Com o 25 de Abril, toda a administração do Banco de Portugal é expulsa. Mas logo de imediato, com as reservas do país em risco, o primeiro-ministro Adelino da Palma Carlos convida Jacinto Nunes a assumir a liderança da autoridade monetária. Ficará como governador até 1975, gerindo a par de Vasco Vieira de Almeida nas Finanças a complexa situação financeira e económica de um país em plena revolução.

Em 1978, ano da primeira intervenção do Fundo Monetário Internacional, Jacinto Nunes é convidado por Ramalho Eanes a ocupar o cargo de vice-primeiro ministro, acumulando a pasta das Finanças num Governo de iniciativa presidencial liderado por Mota Pinto.

Em 1983, quando o FMI regressa a Portugal, Jacinto Nunes já era novamente governador do Banco de Portugal, cargo que ocupou entre 1980 e 1985.

Em entrevistas recentes, Jacinto Nunes garantiu que esta sucessão de cargos ocorreu apesar de sempre ter evitado assumir responsabilidades de ordem política. Tanto antes do 25 de Abril como depois, diz, procurou sempre manter uma posição independente e neutra. “E isso era possível mesmo em tempo de revolução?” perguntaram-lhe numa entrevista ao Jornal de Negócios. “Era. Nunca tomei posição. Resolvia os assuntos de acordo com o que tecnicamente achava que eram as soluções correctas”, respondeu.

E em relação à aversão à política, era esta a sua explicação: “Detesto as pessoas irresponsáveis. Nunca me meti verdadeiramente na política porque às vezes as pessoas têm que fazer coisas que desrespeitam a respeitabilidade”. 

Afastado dos grandes palcos da decisão política durante as últimas décadas, nunca deixou de dar a sua opinião sobre a situação económica do país. Assumindo-se sempre como keynesiano, defendia, em entrevista ao Público realizada em 2010, quando em Portugal se discutia como enfrentar a crise financeira internacional, a realização de investimento público, mas deixava vários alertas.  “Sou um partidário de investimento público, mas sou completamente contra as grandes obras que não são reprodutivas”, afirmava, acrescentando ainda que “se o Estado fizer uma politica keynesiana pura de aumento maciço de despesa, isso traduz-se num aumento da dívida externa, porque não existe oferta nacional para satisfazer esse aumento da procura”.

O presidente da República homenageou Jacinto Nunes esta segunda-feira através da publicação de uma mensagem. “Serviu Portugal com discrição e lucidez, com o olhar sereno de quem observa a realidade a partir de um ponto de vista mais elevado, porque mais sabedor e mais independente", afirmou Cavaco Silva.
 

   


 

   


 

   

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