Um equilíbrio difícil entre receita e despesa

Em quatro anos, o IRS rendeu aos cofres do Estado 44 mil milhões.

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Para este ano, o Governo prevê um défice de 2,7%, mas Bruxelas e o FMI duvidam que seja cumprido Daniel Rocha

Naquela tarde distante de 14 de Julho de 2011, Vítor Gaspar sentou-se à mesa do Salão Nobre do Ministério das Finanças acompanhado pelos seus quatro secretários de Estado. Maria Luís Albuquerque ficou à esquerda. O país já sabia que vinha aí uma sobretaxa extraordinária de IRS equivalente a metade do subsídio de Natal. O tema quente do dia era o “desvio colossal” de que tanto se falava. E então Gaspar explicou o seu significado: havia um “desvio” nas contas públicas e um esforço “colossal” pela frente para o corrigir.

Estava traçada a mensagem política por detrás do “ajustamento” orçamental. O guião era o memorando da troika e, aí, a regra fixava uma redução do défice em dois terços pelo lado da despesa e um terço pelo lado da receita.

Quatro anos depois, os números mostram que, de 2010 a 2014, o défice orçamental ajustado encolheu 9700 milhões de euros, com a despesa a reduzir-se em cerca de 5200 milhões e a receita a disparar em 4500 milhões. Na hora de balanços, a leitura do Fundo Monetário Internacional (FMI) é, no entanto, a de que o esforço do Governo de Pedro Passos Coelho se concentrou mais na receita do que na despesa.

A sobretaxa de IRS introduzida em 2011 (e que voltaria redesenhada em 2013, aplicando-se em 3,5% sobre o rendimento colectável de IRS acima do salário mínimo anual) foi a primeira face visível do peso determinante que a política fiscal assumiu na estratégia de redução do défice.

Na avaliação feita em Abril à economia portuguesa, ao abrigo do chamado Artigo IV, o FMI insistia que as “autoridades” portuguesas devem concentrar-se “na racionalização da despesa através de uma reforma abrangente nos salários do sector público e nas pensões”. Isto porque, segundo o fundo, “o ajustamento orçamental foi fortemente baseado na receita, com um aumento em 4% entre 2010 e 2014”.

Cálculos recentes do Conselho das Finanças Públicas (CFP) aos valores da receita e despesa, ajustados de medidas temporárias, mostram que os gastos representavam 49,1% do PIB em 2010, passando para 48,1% em 2014. Do lado das receitas, aconteceu o contrário. À boleia do agravamento do IRS e das alterações na lista de produtos do IVA, o valor das receitas totais (não apenas os impostos) passou a representar 44,5% do PIB, quando esse valor em 2010 estava nos 40,6%.

Mais ao detalhe, os valores da execução orçamental mostram como o forte aumento do IRS (com a redução dos escalões e o agravamento das taxas) foi o trampolim para o aumento exponencial na cobrança tributária entre 2012 e 2013. De um ano para o outro, as receitas fiscais cresceram 13,2%, aumentando 4200 milhões de euros (passaram de 32.000 milhões para 36.200 milhões).

Nesse período, só o IRS disparou 35,5%. A arrecadação das receitas deste imposto passou de 9085 milhões em 2012 para 12.311 milhões em 2013, aproximando-se dos valores conseguidos com o IVA (13.250 milhões). O perdão fiscal lançado pelo Governo de Passos Coelho no final do ano ajudou ao resultado. E, no ano seguinte, mesmo sem uma medida extraordinária como esta, o valor arrecadado com o IRS continuou a crescer, superando os 12.800 milhões de euros.

As alterações nos escalões e nas taxas explicam este aumento, mas a isso junta-se o impacto da redução dos benefícios fiscais em vigor desde 2012, a aplicação da sobretaxa de IRS e ainda da taxa adicional de solidariedade progressiva sobre os rendimentos mais altos (aplicada desde 2010 e agravada em 2013).

No ano passado, o Estado já arrecadava mais 3018 milhões com o IRS do que acontecia três anos antes. Feitas as contas, de 2011 a 2014, o IRS rendeu aos cofres públicos 44 mil milhões de euros. O montante corresponde a perto de um terço de todo o valor dos impostos conseguidos nestes quatro anos (137.465 milhões de euros).

Já este ano, o Governo inscreveu uma norma no Orçamento do Estado para devolver em 2016 a sobretaxa de 3,5% caso as receitas de IRS e IVA superem as estimativas. Até Maio, as receitas do IRS estão aquém do esperado, mas as do IVA sobem de forma expressiva. Somadas, as duas crescem a um ritmo de 4,6%, acima do valor projectado para o conjunto do ano.

Do lado da despesa, a política da remuneração ao longo dos últimos quatro anos foi outro dos vértices eleitos pelo Governo para baixar o défice. Os funcionários públicos não ficaram imunes aos cortes. Prova disso é a redução do peso das despesas com pessoal no PIB, que passou de 12,8% em 2011 (ano em que os salários foram sujeitos ao primeiro corte) para 11,8% em 2014. Este recuo é também resultado da redução do número de trabalhadores na administração pública. Entre final de 2011 e 2015, o Estado central e as administrações regionais e locais perderam mais de 70 mil pessoas, uma redução de 9,6%. A meta imposta pelos credores internacionais era de 2% ao ano.

À medida que o programa da troika foi avançado, Governo, Comissão Europeia e FMI acabaram por rever várias vezes as metas do défice, permitindo que os objectivos anuais fossem sendo cumpridos de ano para ano. Em 2011, o défice baixou para 7,4%, recuando para 5,6% no segundo ano da legislatura, para 4,8% em 2013 e para 4,5% no ano passado (embora o valor final esteja dependente do impacto da intervenção pública no BES). Para este ano, o Governo prevê um défice de 2,7%, mas tanto Bruxelas como o FMI duvidam que seja cumprido. Com Raquel Martins

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