Um desemprego que exclui

Necessitamos de uma economia inclusiva, que permita que os benefícios de um eventual crescimento económico sejam partilhados por todos.

No Employment Outlook 2014, a OCDE sugeria que Portugal, a seguir à Espanha e à Grécia, tem sido o país onde o desemprego estrutural mais tem aumentado desde o início da crise financeira, sendo que a questão central para os países onde as taxas de desemprego ainda não regressaram aos níveis pré-crise é a de saber que parte do incremento se deve a um aumento cíclico e que parte representa um aumento que pode levar vários anos a desaparecer.

Se, de acordo com os dados do Inquérito ao Emprego (relatórios trimestrais) em Portugal, no início deste século, o Desemprego de Longa Duração (pessoas desempregadas há um ano ou mais) representava cerca de 40% do total dos desempregados, ao longo da década de 2000 a proporção de Desemprego de Longa Duração (DLD) amplificou em Portugal, muito especialmente nos últimos três anos, ou seja, em 2012, 2013 e 2014. Segundo dados do INE em 2013, a par de um forte incremento dos chamados “despedimentos económicos”, registou-se um aumento de 16,7% relativamente a 2012 e, em 2014, embora o número de desempregados tenha reduzido, a proporção de desempregados à procura de emprego há 12 e mais meses, no total da população desempregada, foi estimada, no 2.º trimestre, em 67,4%, no 3.º trimestre em 66,9% e no 4.º trimestre em 64,5%, ou seja, proporções verdadeiramente recorde. E a maioria desta população encontra-se, justamente, na faixa etária dos 45 aos 65 anos.

Com efeito, em reação à crise económica (que seguiu a crise financeira internacional) os Governos dos países europeus dividiram-se entre a adoção de medidas viradas para a salvaguarda da estabilidade no emprego (acautelando destruição de emprego e exclusão social) ou a adoção de medidas com vista a flexibilizar a cessação dos contrato de trabalho e a reduzir custos de trabalho. Em Portugal, enveredou-se por esta via. Desde 2011, destruiu-se, na sua grande maioria, emprego permanente. Antes de esta crise iniciar, Portugal já era um dos países da União Europeia com uma das taxas mais elevadas de contratos de trabalho não permanentes/precários (a seguir à Espanha e à Polónia), assim como de uma elevada proporção de Desemprego de Longa Duração no conjunto do desemprego. Mas estes problemas agravaram-se significativamente nos últimos três anos.

E a verdade é que não parece possível ignorar que as recentes alterações ao Código do Trabalho sejam alheias a esta situação. Desde a entrada em vigor da Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro (a que se seguiram a Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, a Lei n.º 47/2012, de 29 de agosto, a Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto e a Lei n.º 27/2014, de 8 de maio) que o Código do Trabalho foi alterado especificamente no sentido de reduzir o valor das compensações por cessação de contrato de trabalho e de flexibilizar o regime dos despedimentos, facilitando-os. Ora, em 2012 e 2013, de acordo com os dados do INE, a destruição de emprego permanente aumentou e a fraca criação de emprego explicou-se principalmente pelo acréscimo de pessoas com emprego não permanente ou a tempo parcial e, ainda, pelo aumento do subemprego a tempo parcial, tendo a proporção de Desemprego de Longa Duração dilatado expressivamente. E esta situação não pode deixar de inquietar tanto mais que o Desemprego de Longa Duração é, frequentemente, apresentado como o sinónimo de uma exclusão quase definitiva do mundo do trabalho, abrindo assim a via à exclusão social. Muitas das pessoas de meia-idade atingidas pelo desemprego, distantes da idade mínima de reforma por velhice, se outrora estavam confiantes num regresso ao trabalho agora, com o prolongar da situação de permanência no desemprego, acabam por perceber que estão “inativas à força”. E, para lá da perda deste relevante capital humano para o desenvolvimento do país, esta é uma enorme injustiça humana e social.

A redução das compensações por cessação do contrato de trabalho veio intensificar a destruição de emprego permanente, possibilitando às empresas enveredar por uma gestão que prioriza a redução de custos salariais, fazendo cessar contratos de trabalho com os trabalhadores mais antigos e substituindo emprego permanente por emprego não permanente e a tempo parcial, remunerado com salários muito mais baixos. E, o que é mais grave, gerando aumento do Desemprego de Longa Duração junto da população com 45 anos ou mais anos. Deste modo, sabendo-se que a regulação das relações de trabalho (no âmbito do Direito do Trabalho) não é uma área de intervenção estanque – bem pelo contrário, condiciona outras – qualquer alteração legislativa não pode deixar de ser sempre pensada numa lógica de políticas públicas integrada. Desde logo, porque toda esta reconfiguração do mercado de trabalho é duplamente preocupante: as desigualdades no trabalho e a segmentação do mercado de trabalho ameaçam não só a coesão social como também a sustentabilidade do sistema público de Segurança Social.

Necessitamos de uma economia inclusiva, que permita que os benefícios de um eventual crescimento económico sejam partilhados por todos, e de uma regulação laboral que promova a justiça social e que defenda o emprego, em particular travando a destruição de emprego, o aumento do Desemprego de Longa Duração e da pobreza, afinal as grandes causas das desigualdades sociais e de exclusão social.

Professora universitária e investigadora

 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários