Justiça responsabiliza ex-BPN por pagamento de papel comercial de empresa do grupo

Decisão do Tribunal da Relação reforça reivindicações dos lesados do papel comercial GES/BES, mas há diferenças substanciais entre os dois casos.

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BPN foi nacionalizado em 2008 e reprivatizado seis anos mais tarde. Rui Gaudêncio

O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou uma decisão da primeira instância que responsabiliza o ex- Banco Português de Negócios (BPN) pela forma como vendeu o papel comercial de uma empresas do grupo, a CNE – Distribuição de Cimentos Nacionais e Estrangeiros, condenando-o a reembolsar o valor, solidariamente com a entidade emissora.

O acórdão da Relação nega provimento aos recursos apresentados pelo BPN, comprado pelo  Banco BIC, em 2012, e pela BPN SGPS, dona da cimenteira,  declarada insolvente. A holding BPN SGPS era controlada pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), agora denominada Galilei.

Comercializado pelo BPN, o papel comercial foi emitido pela CNE em 2008, poucos meses antes da nacionalização do banco, e deveria ter sido reembolsado no ano seguinte, o que não aconteceu.

A decisão, que pode ser importante para dezenas de outros processos em tribunal e ainda para os lesados do papel comercial do GES/BES, considera, de acordo com o sumário da juíza relatora, que “no âmbito da comercialização de produtos financeiros, se o mediador [instituição colocadora] prestar a informação de que o capital está garantido, a responsabilidade da entidade emitente do produto estende-se ao intermediário financeiro (…) implicando, por isso, responsabilidade contratual e extracontratual”.

Ainda de acordo com o mesmo sumário, “sempre que o banco tenha assumido perante os clientes, e sem discriminação de qualquer deles, que as aplicações não teriam qualquer risco de retorno e que os valores aplicados estavam garantidos pelo grupo, naturalmente que se torna responsável pela correspondência da informação assim veiculada para persuadir os clientes com a realidade”.

No caso em apreço, os réus, o BPN e a CNE, são condenados solidariamente a pagar os montantes aplicados por vários clientes, num total de 650 mil de euros, bem como a juros da emissão e juros de mora à taxa legal.

No processo, os clientes, que reclamam a categoria de investidores não qualificados (com menos informação sobre investimentos de risco), acusam o banco de lhes ter aconselhado a aplicação no produto, garantido que o mesmo “não tinha qualquer risco de retorno” e que “estava garantido pelo próprio banco”. O tribunal considerou provadas estas duas alegações.

O sentido desta decisão vem ao encontro das reivindicações dos lesados do papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES), comercializado pelo BES como sendo um produto sem risco, garantido pelo banco. Os lesados reclamam ainda que seja o Novo Banco a assumir a responsabilidade de pagamento daquela aplicação.

Apesar das semelhanças, Costa Amorim, o advogado dos ex-clientes do BPN, alerta para as diferenças substanciais entre os dois casos. É que o BPN foi nacionalizado e depois reprivatizado. No caso do BES, houve uma divisão entre banco mau, o BES, e banco bom, o Novo Banco. Este último só assumiu determinados activos e passivos.

Poucos dias depois da intervenção, a 3 de Agosto de 2014, através do Fundo de Resolução, o Banco de Portugal (BdP) introduziu alterações às responsabilidades do Novo Banco. “Clarifica-se que qualquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida por entidades que integram o Grupo Espírito Santo permanecem no Banco Espírito Santo (…)”, afirmou o BdP em Agosto do ano passado.

Com base nesta alteração, o BdP e a instituição liderada por Stock da Cunha têm rejeitado a pretensão dos lesados, remetendo-os para as empresas emissoras do papel comercial, que se encontram insolventes.

Na prática, os lesados do BES têm pela frente uma batalha jurídica complexa, uma vez que para além da prova de que o banco não cumpriu os deveres de informação, o que não será difícil, uma vez que a própria Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) já reconheceu essas falhas, terão também de pedir a anulação da intervenção no BES, ou, pelo menos, a anulação das alterações introduzidas posteriormente às responsabilidades do Novo Banco.

O PÚBLICO contactou o banco BIC Portugal e a Galilei, as entidades que agora são visadas no processo, para saber se vão recorrer da decisão, mas não obteve resposta em tempo útil.

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