Tribunal da Relação obriga ex-gestores e banco Finantia a pagar 2,4 milhões

Sentença confirma decisão do Banco de Portugal por esconder informações e contas.

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Estão em causa investimentos financeiros realizados entre 2006 e 2009 REUTERS/Dado Ruvic

O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou as condenações do Banco de Portugal ao Banco Finantia e a cinco ex-gestores, entre eles o ex-presidente António Guerreiro, e que, no conjunto, terão de pagar multas de 2,4 milhões euros. O Banco Finantia ainda não decidiu se vai recorrer da decisão mas tem 10 dias para o fazer.

A sentença do Tribunal da Relação de Lisboa foi emitida a 7 de Junho e veio, no essencial, confirmar uma anterior deliberação de Maio de 2015 do tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que, num parecer anterior, já tinha dado razão ao Banco de Portugal (BdP). Isto, depois dos vários arguidos terem impugnado a resolução da entidade liderada por Carlos Costa que, em Maio de 2014, os condenou pela prática de infracções de natureza contabilística (falsificação de contabilidade e inobservância de regras contabilísticas) e prestação de falsas informações.

Na altura, o Banco de Portugal aplicou coimas aos vários arguidos da ordem global de três milhões, mas que foram entretanto revistas pelos tribunais para dois milhões e 385 mil euros.  À multa de 315 mil euros aplicada ao fundador e ex-presidente António Guerreiro, somam-se os “castigos” a Pedro Santos (190 mil), a Luísa Antas (150 mil), a Eduardo Costa (100 mil) e a Rui Guerra (50 mil). As penas mais pesadas foram aplicadas ao banco Finantia (790 mil euros) e ao seu principal accionista, a Finantipar (790 mil), também fiscalizada pelo BdP por ser uma holding financeira.

O BdP não pediu, para nenhum dos antigos gestores, a inibição de exercício de cargos no sector financeiro. Ainda assim, e na sequência do desfecho das investigações do BdP, todos eles deixaram de ter cargos executivos no banco, que é hoje presidido por Pedro Perestrelo dos Reis. Mas António Guerreiro, que pertence à administração da Finantipar, contínua no conselho estratégico (não executivo) do Finantia, que tem como secretária-geral Luísa Antas.

Nos órgãos sociais das duas sociedades (como não executivos), para além da habitual presença de advogados (neste caso João Vieira de Almeida, José Miguel Júdice e José António Pinto Ribeiro), pontuam outras figuras conhecidas, como  Eduardo Catroga, Manuel Pinho, Rui Martinho ou Manuel Sebastião.

Com 57% do banco, a Finantipar é detida pelos gestores. Os restantes investidores do Finantia  são os russos do VTB, com 11%,o  banco de investimento francês Natixis, com 9,9%, e os alemães Portigon, com 8,2%. 

Os factos de que são acusados os cinco ex-gestores, o banco Finantia e a Finantipar remontam à segunda metade da década passada, quando, no entender do BdP, por iniciativa de António Guerreiro, ainda a presidir, foi criada uma sociedade com sede nas Ilhas Cayman, a WWI, “destinada a retirar do balanço do banco um conjunto de investimentos financeiros” e “cujo valor se tinha depreciado significativamente e cujo reconhecimento nas contas implicaria o reconhecimento de avultadas perdas” pelo Finantia e pelo seu principal accionista.

Em causa estão investimentos financeiros realizados entre 2006 e 2009, envolvendo seis produtos derivados, os Credit Default Swaps (CDS, custo do seguro contra incumprimento) e Total Return Swaps (TRS). Na prática o BdP acusa os arguidos de terem constituído um veículo numa região offshore para parquear operações ruinosas e apresentar as contas limpas.

A WWI contava no capital com a Oleocom (10 milhões de euros, emprestados pelo Finantia), a Finantipar Finance (9,9 milhões de euros, detida pela Finantipar, com sede em Caimão até 2008 e depois em Malta), Ramiro Raimundo (450 mil euros) e o filho (650 mil euros).

O Finantia foi notificado esta terça-feira, 14 de Junho, da sentença do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que os seus advogados se encontram, neste momento, a avaliar a decisão que se estende por mais de 400 páginas. E só depois decidirão se interpõem novamente recurso, o que terão de fazer no prazo de dez dias.

Em sua defesa, o banco Finantia lembra que os factos dizem respeito “à não consolidação de uma sociedade participada do grupo” e “que o Banco de Portugal defendeu que deveria ter sido consolidada nas contas de 2007 do Banco Finantia e da Finantipar”. Adianta ainda que “os relatórios e contas das duas sociedades foram devidamente aprovadas e auditadas sem reservas pelos auditores”, que na altura era a PriceWaterhouseCoopers (PwC).  Hoje, quer o Finantia, quer a Finantipar são auditados pela Ernst & Young Audit & Associados

“O tribunal de primeira instância, em 2015, reconheceu não terem existido nem danos económicos nem prejuízos que tenham sido ocultados das contas” do banco, “ao contrário do que defendeu” o supervisor, o que levou à redução “dos montantes das multas decididas em 2014” pelo BdP, observa o banco. E concluiu: o Tribunal da Relação “confirmou a sentença do tribunal de primeira instância, com algumas reduções de multas e indeferiu o recurso do Ministério Público”.

Antes do pico do colapso financeiro internacional, no Verão de 2008, as carteiras de muitos bancos internacionais estavam inundadas de CDS e de TRS. Mas como os gestores não anteciparam a dimensão e a gravidade dos acontecimentos que se desencadearam em 2007, não puseram de lado capitais suficientes para cobrir as perdas potenciais. Então, para não terem de reconhecer os prejuízos resultantes das suas aplicações em obrigações e operações estruturadas com recurso a derivados (produtos transaccionados no mercado de obrigações para especular caso uma empresa entrasse em incumprimento), e, deste modo, protegerem os balanços, alguns bancos criaram estruturas paralelas. E escapavam ainda, entre outras coisas, a ter de fazer reforços de capital adicionais, num contexto de ausência de liquidez e em que os mercados estavam fechados.

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