Tribunal aceita julgar acção que pede suspensão da venda da TAP

Associação ligada ao movimento Não TAP os Olhos moveu um processo contra o Estado por considerar que o caderno de encargos é ilegal. E espera uma decisão antes que a companhia seja vendida.

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Associação organizou conferência sobre as privatizações para 15 de Maio, dia da entrega de propostas pela TAP Enric Vives-Rubio

O Supremo Tribunal Administrativo prepara-se para julgar uma acção e uma providência cautelar interpostas pela Associação Peço a Palavra, ligada ao movimento Não TAP os Olhos, em que se pede que a privatização da transportadora aérea seja suspensa. O processo, que o juiz já aceitou analisar, visa a impugnação do caderno de encargos aprovado pelo Governo, por se considerar que este está “enfermado de ilegalidades”, explicou ao PÚBLICO o mentor do movimento, António-Pedro Vasconcelos.

“Na sexta-feira o tribunal reconheceu o mérito dos argumentos expostos e aceitou julgar a acção principal e a providência cautelar”, adiantou o cineasta, explicando que os dois processos pedem a “impugnação do acto administrativo” que resultou na aprovação do caderno de encargos. Ou seja, a resolução que o executivo validou em Conselho de Ministros, a 15 de Janeiro deste ano, depois de em Novembro ter relançado a venda da TAP – uma segunda tentativa após a rejeição, em 2012, da oferta do único candidato, Gérman Efromovich. A decisão dos juízes ocorreu precisamente a uma semana do prazo para a apresentação de ofertas de compra, que termina na próxima sexta-feira.

Para a associação, da qual António-Pedro Vasconcelos é presidente, o caderno de encargos que serve de base à venda da transportadora aérea está “enfermado de ilegalidades e de cláusulas abusivas que serão impossíveis de cumprir pelo comprador”, o que coloca em risco a sua salvaguarda, referiu. Decidiu-se avançar, em conjunto, com a acção principal e com a providência cautelar porque esta última terá, necessariamente, uma decisão mais célere e, se for o caso, chegará a tempo de travar a resolução do Governo.

 De entre as cláusulas consideradas ilegais está o requisito, imposto ao investidor privado no caderno de encargos, de manutenção da sede da TAP em Portugal. Na acção que está a correr no Supremo Tribunal Administrativo, a Associação Peço a Palavra argumenta que esta obrigação “atenta contra o direito de livre estabelecimento”, previsto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, em que se estipula que “são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-membro no território de outro Estado-membro”.

“Não falta jurisprudência nesse sentido”, frisou o cineasta, fazendo, aliás, referência a um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia em que estas limitações foram condenadas. “O curioso desse acórdão é que o advogado-geral do processo era o actual ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional [Miguel Poiares Maduro]”, que, de acordo com António-Pedro Vasconcelos, “pugnou pela ilegalidade da restrição à deslocação da sede de uma empresa”.

Novas acções planeadas
No mesmo sentido, a associação considera que outro dos requisitos previstos no caderno de encargos, que obriga à manutenção da direcção da TAP em Portugal, “além de ilegal é impossível de controlar”. Esta tese é sustentada na Convenção Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que Portugal ratificou e na qual se estabelece que “o lugar de direcção efectiva é o lugar onde a gestão e as decisões são tomadas”. “Se cada membro da administração estiver num país diferente, onde é que as decisões são tomadas, onde é que está situada a direcção da empresa?”, questiona o promotor do movimento Não TAP os Olhos, criado para combater a privatização da transportadora aérea.

Outra cláusula contestada nesta acção é a que diz respeito à capacidade para assegurar as obrigações de serviço público da companhia de aviação. Algo que a associação considera que atenta contra “o princípio da livre prestação de serviços”, igualmente previsto no Tratado da União Europeia, bem contra o direito a “decidir e definir qual a estratégia empresarial”.

Este argumento está directamente ligado ao que põe em causa outro requisito do caderno de encargos: a manutenção e desenvolvimento do actual hub (placa giratória) de Lisboa. “É ilegal e impossível”, já que “se a desistência de rotas depende apenas da estratégia da empresa, a manutenção de rotas, que garantam o hub, não depende exclusivamente da empresa”, considera-se na acção.

António-Pedro Vasconcelos explicou que o facto de estarem a contestar o caderno de encargos não significa que o movimento Não TAP os Olhos seja agora a favor da privatização da transportadora aérea. Mas antes que, não sendo possível legalmente impedir a decisão do Governo, sentiram a necessidade de “impugnar um processo cheio de vícios e ilegalidades que só prejudicará Portugal, os cidadãos e o erário público”.

O facto de o tribunal aceitar a acção e a providência cautelar não determina a suspensão do acto que aprovou o caderno de encargos, já que só haverá lugar a decisão quando os processos forem efectivamente julgados. Algo que o cineasta tem a expectativa que aconteça bem antes da venda da TAP, já que mesmo que o Governo escolha o vencedor até Junho, como pretende, o contrato de transferência das acções só será firmado nos meses seguintes, já depois de obter o aval dos reguladores.

Não está “posta de parte a possibilidade de se interpor outras acções” para travar a venda da companhia, sublinhou António-Pedro Vasconcelos, sem entrar em mais detalhes. Para já, a Associação Peço a Palavra, que é no fundo o braço jurídico do movimento Não TAP os Olhos, tem uma conferência agendada para 15 de Maio, dia de apresentação das ofertas de compra, na Fundação Calouste Gulbenkian, sob o tema Quem Ganhou com as Privatizações?. Além do cineasta, integram os órgãos da associação os candidatos presidenciais António Sampaio da Nóvoa e Paulo Morais, entre outros.

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