Trabalhadores do fisco rejeitam mais restrições no acesso a dados dos contribuintes

Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos acusa Governo de lançar plano para encobrir “crime” da lista VIP.

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O Governo quer um sistema de controlo interno próximo ao do E-Factura Nuno Ferreira Santos

O plano de acção desenhado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para reforçar a segurança informática e controlar o acesso aos dados fiscais dos contribuintes está a ser recebido com reticências junto dos representantes dos trabalhadores da administração fiscal, que ainda não foram ouvidos sobre as medidas apresentadas pela directora-geral da AT, Helena Borges, ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio.

O Ministério das Finanças ainda não divulgou as linhas gerais do plano, embora algumas informações parciais tenham já surgido na imprensa, para surpresa das associações sindicais, que se dizem à margem das discussões. A partir de Julho, prevê-se que haja um acesso mais restrito no acesso aos dados dos contribuintes, obrigando os funcionários a justificar a consulta das informações fiscais antes de acederem a esse cadastro.

Tanto o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) como a Associação dos Profissionais da Inspecção Tributária (APIT) discordam de medidas que restrinjam o acesso aos dados e admitem que venham a dificultar a eficácia da resposta da AT junto dos contribuintes.

O presidente do STI, Paulo Ralha, contesta quaisquer “medidas que visem condicionar o acesso à base de dados mais do que existe hoje”. Segundo o dirigente sindical, “o acesso já é, de certa forma, condicionado”, o que torna as novas medidas “desnecessárias” porque “os patamares de informação já estão agregados de acordo com a função que cada trabalhador exerce e de acordo com o grau de responsabilidade” no interior da AT. “O acesso aos dados das relações inter-contribuintes por parte de um inspector é diferente do acesso de outro trabalhador que não tenha tanta necessidade de ver essas informações. Quem está a chefiar um serviço precisa de ter acesso a um conjunto de informações que os funcionários não têm”, justifica Paulo Ralha.

No plano de acção pedido à AT, uma das prioridades definidas pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais passava por criar mecanismos informáticos para que os acessos sejam “devidamente justificados e fundamentados, tendo designadamente como referência o procedimento já adoptado no desenho e concretização do sistema e-factura”, em que a consulta é restrita a um grupo mais pequeno de funcionários da AT.

O dirigente sindical teme que as medidas impliquem mais “burocracia” e gerem perdas de tempo nos serviços, dificultando “seriamente a vida dos próprios contribuintes”. “Informação que os contribuintes solicitam via telefone ou via digital não lhes vai ser facultada”, antecipa Paulo Ralha.

O presidente da Associação dos Profissionais da Inspecção Tributária (APIT), Nuno Barroso, vê “com bons olhos os perfis de acesso”, mas rejeita que sejam impostas mais restrições. “Qualquer tipo de medida que possa limitar acessos não será aceite por nós”, garante, admitindo que se o registo prévio para um funcionário aceder aos dados fiscais “tiver implicações graves no tempo disposto para os procedimentos, isso terá reflexo no serviço prestado aos contribuintes”.

Outra das medidas estudadas passa por rever as permissões de acesso atribuídas aos chamados utilizadores externos (sejam empresas, consultoras privadas ou mesmo estagiários da AT). A recomendação já tinha sido feita pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que identificou mais de 2300 utilizadores externos e chamou a atenção para falhas no controlo destes acessos.

Neste ponto, o presidente do STI concorda que sejam feitas alterações. “Estamos a falar sobretudo de quem está a exercer funções e não pertence à casa – estagiários, pessoas que vêm trabalhar num determinado projecto muito pontual –, a quem são atribuídas senhas que depois não são desactivadas. Aí sim, deve haver um controlo muito mais apertado”, considera Paulo Ralha.

O STI contesta ainda a ideia de que há um elevado acesso injustificado por parte dos funcionários da AT. “Nunca houve, nesta casa, problemas relacionados com a quebra do sigilo fiscal”, garante, insistindo que, por dia, são realizadas entre 200 mil a 300 mil consultas à base de dados e que se neste universo existissem, “numa hipótese exagerada”, 500 consultas por ano feitas por curiosidade, isso representa 0,0007% do total. “Actualmente, quem vai ver um processo fá-lo com uma determinada justificação, não vão ver processos por auto-recriação. O número de pessoas que tem curiosidade é muito reduzido”.

Para o presidente do sindicato, as medidas de reforço do controlo dos acessos internos “só se podem entender à luz de tentar encobrir o crime da constituição da lista VIP e a tentar esconder a incompetência do secretário de Estado Paulo Núncio nesta matéria”.

 

 

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