Syriza e Europa suavizam posições para a negociação pós-eleitoral

Risco de elevadas perdas potenciais têm vindo a aproximar as partes. Abandono da moeda única pela Grécia poderia custar mais de 250 mil milhões de euros aos outros Estados da zona euro.

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A Grécia e os restantes países da zona euro arriscam muito e têm muito a perder, em caso de desacordo AFP/LOUISA GOULIAMAKI

Quando este domingo forem conhecidos os resultados eleitorais, começa um novo período de tensão que, além do novo Governo grego, terá como actores principais a troika, os mercados e os líderes das maiores economias da zona euro.

A primeira dúvida que poderá surgir é se, das eleições, sai realmente um novo Governo. O partido com mais votos terá três dias para formar uma maioria parlamentar que lhe dê um mínimo de estabilidade. Se não conseguir, serão dados os mesmos três dias ao segundo partido para tentar fazer o mesmo.

Se, no final, não houver capacidade entre as forças parlamentares gregas para chegar a acordo para um Governo, as autoridades europeias ficarão sob pressão para prolongar o actual programa de ajustamento, que tem o seu fecho marcado para o último dia de Fevereiro. O anterior Governo, de Antonis Samaras, deixou a última avaliaçãoo dos técnicos da Comissão Europeia por concluir e ainda não foi aprovada a última tranche do empréstimo.

Se não houver Governo, é preciso marcar novas eleições e a Grécia não pode ficar sem um programa vigor, uma vez que isso significaria que o BCE deixaria de emprestar dinheiro aos bancos gregos.

Se um Governo acabar por ser formado, entra-se então noutra fase, também ela cheia de incertezas. O novo executivo vai ter de negociar com as autoridades europeias não só a conclusão do actual programa como a concretização do próximo, já que não parece viável que a Grécia consiga cumprir todos os seus compromissos de dívida com o recurso, sem apoios externos, apenas ao financiamento do mercado. Com as taxas de juro outra vez acima dos 10%, uma saída limpa, como a conseguida pela Irlanda e Portugal, não parece viável.

Estas negociações não serão fáceis. Há alguns meses pareciam mesmo quase impossíveis. De um lado, o partido que lidera as sondagens na Grécia e que parece ser o que mais hipóteses tem de formar Governo, o Syriza, afirmava sem hesitações que não aceitaria qualquer nova austeridade e que a dívida do país tinha de ser cortada a metade, por via de uma reestruração. Do outro lado, os líderes europeus, principalmente na Alemanha, afirmavam que reestruturar a dívida estava fora de hipótese e que não havia espaço de manobra para reduzir o ritmo de consolidação orçamental. As negociações entre a Europa e a futura liderança grega pareciam caminhar para o fracasso e o país para fora da zona euro.

Recentemente, contudo, parece haver uma clara suavização das posições assumidas por ambas as partes. Do lado do Syriza, embora o fim da política de austeridade continue a ser a principal bandeira eleitoral, os seus responsáveis têm insistido que o país não irá sair do euro, mostrando-se confiantes na possibilidade de conclusão de uma forma positiva de um processo negocial com as autoridades europeias. Ao mesmo tempo, os partidos pequenos que têm mais possibilidades de participar numa coligação governamental têm afirmado que só o farão se a Grécia não arriscar uma saída do euro.

Do lado dos líderes europeus, também se têm ouvido diversas vozes a abrir caminho a um alívio da política de austeridade e a uma reestruturação da dívida. Na sexta-feira, o primeiro ministro da Finlândia, um dos países que costuma colocar mais problemas na aprovação de programas de apoio aos países periféricos, disse que via como possível uma renegociação dos termos da dívida pública grega com o futuro Governo.

O que faz as duas partes aproximarem-se, à medida que chega o momento de começar a negociação? A verdade é que ambos os lados arriscam muito com um cenário de desacordo.

O Syriza (no caso de este partido a formar Governo) teria muitas dificuldades em explicar aos eleitores (que maioritariamente defendem a permanência do euro) como é que não se concretizou o cenário prometido na campanha eleitoral, de negociação bem sucedida com a Europa. O que tornaria a sua sobrevivência ainda mais difícil, num cenário económico extremamente instável de default da Grécia nos mercados internacionais.

Os outros países europeus, apesar de haver quem defenda que os efeitos de contágio de uma saída grega poderiam ser agora menores, sofreriam perdas directas significativas e ficariam à mercê da disposição dos mercados para acreditar que a Grécia seria caso único.

Elevada exposição
É que, se é verdade que, ao contrário do que acontecia nos primeiros anos da crise, os grandes bancos europeus têm agora uma exposição muito menor à Grécia, não se pode esquecer que quem ficou com essa exposição directa foram os próprios Estados.

De acordo com os cálculos recentemente publicados pelo economista Eric Dor, da Universidade Católica de Lille, a exposição dos restantes Estados da zona euro à Grécia ascende a 256 mil milhões de euros, o equivalente a 2,5% do PIB das respectivas economias. Isto é, um cenário de default e de saída abrupta da Grécia do euro teria um impacto imediato nas contas públicas do Estados europeus, que poderia infligir, principalmente nas economias periféricas, mais um golpe na confiança dos mercados.

A exposição reparte-se pelos empréstimos bilaterais concedidos no primeiro programa da Grécia (52,9 mil milhões de euros), pelas garantias assumidas perante o fundo de estabilidade que fez o segundo empréstimo ao país (141,8 mil milhões), pela dívida pública grega actualmente detida pelo BCE (20 mil milhões) e pelo balanço entre o deve e o haver no sistema de transferências do eurosistema (41,7 mil milhões de euros).

Estado português com exposição de 2676 milhões de euros
Entre o dinheiro que emprestou à Grécia no início da crise e o impacto que poderia ter de suportar por conta das perdas do BCE, o Estado português tem uma exposição de 2676 milhões de euros à Grécia.

As contas continuam a ser do economista Eric Dor e mostram que Portugal emprestou, ainda antes de ter de pedir o seu próprio resgate à troika, 1102 milhões de euros à Grécia para apoiar o país no primeiro programa assinado em 2010.

Portugal já não participou no segundo programa, mas arrisca-se a ter de pagar a sua parte da factura, caso o BCE registe perdas com a Grécia. A quota parte de Portugal representaria neste caso 1574 milhões de euros.

No total, os 2676 milhões de euros de exposição representam cerca de 1,5% do PIB português. Portugal não está, em termos relativos, entre os países mais expostos. Por exemplo, a Itália e a Espanha têm uma exposição de 3% do PIB e a Alemanha de 2,4%. A média europeia é de 2,5%. O valor mais reduzido de Portugal acontece porque o país, a partir do momento em que também passou a contar com um programa da troika, ficou dispensado de emprestar mais dinheiro à Grécia.

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