Swaps e outros derivados OTC

De repente abrimos os jornais e percebemos que todos conhecem os swaps, aqueles instrumentos financeiros que provocaram cerca de 3 mil milhões de euros de prejuízos ao Estado. A opinião dominante parece classificar estes instrumentos como especulativos, uma espécie de aposta numa coisa esotérica que claramente deveria ser vedada a empresas públicas. Pois de facto não são as características destes instrumentos que os tornam especulativos ou de cobertura de riscos, mas sim a sua utilização. Em rigor o Estado pode até não estar a perder dinheiro mas sim a ter um custo de oportunidade, o resto é política ou vozes de quem não sabe o que diz.

Comecemos por alguns conceitos: (1) derivados são instrumentos financeiros cujo valor e evolução futura do mesmo deriva do valor de um determinado activo subjacente, como por exemplo uma acção, um índice, uma mercadoria ou uma taxa de juro; (2) pelo padrão dos possíveis fluxos financeiros que estão associados aos derivados distinguem-se 2 grupos, os lineares, como os futuros, os swaps e os fras, e os não lineares, em geral as opções ou conjuntos de opções, como os caps, os floors, os swaptions ou as opções sobre obrigações; (3) a negociação de derivados poderá ser particular, OTC (over-the-counter), também chamado de mercado de balcão, ou negociados em bolsas, ETD (exchange-traded derivatives); (4) é comum classificar-se os derivados pelo tipo de activo subjacente, nomeadamente derivados sobre acções, sobre taxas de juros, sobre taxas de câmbios, sobre mercadorias ou sobre crédito.

Há imensos tipos de swaps, normalmente agrupados em 5 grupos, swaps sobre taxas de juros, sobre moedas, sobre crédito, sobre mercadorias e sobre acções. Em comum é que se trata sempre de uma troca dos fluxos financeiros associados a um determinado activo ou ao valor de um determinado activo, o chamado valor nocional.

Vou dar um exemplo doméstico. Quando cada um dos meus filhos nasceu abri uma conta num corretor com 100 contos, que fui investindo na compra de acções e na utilização de futuros sobre acções e sobre índices. A ideia era poderem comprar um carro quando tivessem idade para isso e entretanto aprenderem alguma coisa sobre investimento. Com o tipo de risco que usava na gestão destas contas era normal ter meses com resultados muito simpáticos mas também meses com prejuízos terríveis. Aos 13 anos disse-me um deles: esta conta já esteve com €15.000 e agora está com €12.000, não posso fazer nada para ter um resultado certo mensal em vez destas variações? Podes, podes vender tudo o que tens e comprar obrigações que te rendem 5% ao ano, o que te dá €50 por mês. E assim não corro riscos, certo? Bom, se não fizeres nada disso não sabes hoje o valor da tua carteira daqui a 5 anos, poderá ser até mais baixo que hoje, por exemplo €10.000 mas também pode subir, por exemplo para €25.000. Então o que deve ser feito? Depende do teu perfil de risco, não há certo e errado nestas coisas, tens que conhecer é as consequências da decisão que tomares. Eu acho que prefiro as obrigações, tu o que escolhias? Eu escolhia as acções. Fazemos assim, não mexemos no que tens e em cada mês fazemos as contas, no final dos 5 anos, eu dou-te €50 por cada mês e tu dás-me o resultado que a carteira tiver, assim sabes que no final tens sempre €15.000, independentemente da evolução do valor da tua conta. Vamos ver se percebi, o que acontece no final se o valor da minha conta for €25.000? Nesse caso eu dou-te os €3.000 e tu dás-me €13.000, ficas com €15.000. E se no final o valor for €10.000? É só fazer as contas, nesse caso tenho que te dar os €3.000 mais €2.000 que corresponde ao resultado negativo da tua conta, ficas na mesma com €15.000. Mas se a conta vale no final €25.000 eu perco €10.000, não? Não, deixas é de ganhar €10.000, chama-se a isso custo de oportunidade mas compreendo que te venha a parecer um prejuízo efectivo. Isto é um swap!

Os swaps que temos ouvido falar terem sido utilizados pelas empresas públicas e que geraram fortes prejuízos são de taxas de juro. Basicamente as empresas tinham empréstimos com taxas de juro variável e quiseram anular o risco de subida de taxas contratando um swap. Fui ver um caso concreto, na Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A., conhecida por Carris. No relatório referente ao exercício de 2012 podemos ler assim “A partir de 2005, face a` subida das taxas de juro, a Empresa contratou swaps para cobertura do risco, os quais geraram fluxos financeiros, em termos líquidos de +1,6 milhões de euros em 2006, de +5,5 milhões de euros em 2007 e de + 9,0 milhões de euros em 2008. Com a descida das taxas de juro em 2009, o fluxo financeiro líquido foi de -5,0 milhões de euros, em 2010 de -15,6 milhões de euros, em 2011 de -13,8 milhões de euros e em 2012 de -17,0 milhões de euros.”

A mim parece-me do mais sensato as empresas terem celebrado este tipo de contratos. A que propósito é que a Carris deve ficar sujeita a taxa de juro no futuro que desconhece? Se não se consegue endividar a taxas fixas bom é que faça um swap para deixar de estar sujeito a taxas variáveis e saber com o que conta no futuro. Ouvi alguns dizer que as empresas não deviam fazer este tipo de contrato por serem especulativos. Tenho quase sempre alguma dificuldade de entender o que chamam de especulação, mas vamos lá ver, ter uma taxa fixa num empréstimo é especulação e estar sujeito a variações periódicas na taxa não é?

Por certo que os 3 mil milhões de euros de prejuízos que se fala em relação a este tipo de contratos não são apenas o resultado de swaps de taxa juro na forma simples, os chamados plain vanilla, mas sim de algumas variações aos mesmos, em particular negociados durante a sua vigência e em situações em que as empresas aceitam, ou são forçadas a aceitar, transformar os contratos simples iniciais por outros bem mais complexos a que podemos de exóticos, por oposição aos plain vanilla.

No caso mais simples em que alguém tem um empréstimo com uma taxa de juro variável, por exemplo Euribor a 3 meses acrescido de um spread, a contratação de um swap de taxa de juro equivale a substituir o empréstimo por um outro do mesmo valor em que a taxa de juro seja fixa. Por certo que se o expediente tivesse sido este, trocando efectivamente os empréstimos, provavelmente ninguém falaria hoje em prejuízo, até porque ele não existiria contabilizado, muito embora o resultado fosse exactamente o mesmo. Se alguém faz de inicio um empréstimo a uma taxa de juro fixa, dizemos, financeiramente, que não está a correr risco pois sabe exactamente quanto vai pagar na vigência do financiamento. Claro que se a taxa de juro subir poderemos vir a considerar o empréstimo de taxa fixa um excelente negócio mas se a taxa de juro descer teremos um chamado custo de oportunidade, isto é, podemos estar a pagar um valor de juro mais alto do que pagaríamos se o financiamento fosse efectuado nas condições actuais.

Anular riscos nem sempre é bom, seja em taxas de juro, em câmbios em preços de mercadorias ou outra coisa qualquer. Imaginem que estou a produzir uma encomenda para exportar para os Estados Unidos daqui a 3 meses por 1 milhão de dólares. Eu não sei, ninguém sabe, qual o cambio do Eur/Usd para daqui a 3 meses mas se quiser posso fixá-lo sem problema, por exemplo contratando com um banco a venda desse milhão de dólares para daqui a 3 meses. É curioso o disparate sobre este tipo de operações que o Banco ao fixar um câmbio deste tipo está a correr ele o risco em vez do cliente. Nada, ninguém vai correr risco nenhum. O Banco simplesmente pede hoje emprestado por 3 meses uns dólares que no final amortiza com o milhão de dólares (que eu vou receber), entretanto converte os dólares hoje em euros e aplica-os também por 3 meses. A taxa de câmbio a prazo será calculada de acordo com o valor dos euros aplicados que correspondem ao vencimento do financiamento em dólares. Um câmbio a prazo não é mais que a diferença de taxas de juro aplicada a cada moeda, ninguém está a correr qualquer risco. Mas daqui a três meses o dólar pode estar muito mais alto e eu “vou” perder dinheiro. Não, não vou perder, vou deixar de ganhar, é bem diferente.

Mas gerir o risco de taxa de juro é apenas isto? Transformar taxas variáveis em taxas fixas ou vice-versa? Do ponto de vista financeiro sim, para um gestor financeiro risco é algo futuro que não se conhece o valor hoje. Uma outra coisa bem diferente é: mas os gestores querem anular todos os riscos? Claro que não, por um princípio geral nas finanças que em linguagem popular muitas vezes se diz “não há almoços grátis”. Se perante um qualquer negócio, financeiro ou não, retirarmos todos os riscos, ficamos no final com uma aplicação financeira a uma taxa de retorno isenta de risco, que é coisa raramente apetecível para um empreendedor, que se assume como um tomador de riscos, assumidos supostamente de forma criteriosa de forma a proporcionar um bom resultado no final.

Voltando às taxas de juro, alguém que tenha um (ou vários) financiamento(s) a taxas fixas não pode ou não deve fazer nada? A regra normalmente aceite é a seguinte: as empresas devem assumir os riscos normais inerentes ao seu negócio e anular os que são acessórios à sua actividade. Se me considerar especialista em taxas de juro nada me impede de especular sobre a sua subida ou descida, mas se trabalho numa empresa de transportes faz sentido fazer a mesma coisa? Já me parece que não. Se eu exporto ou importo em moedas diferentes do Euro devo estar sujeito a variações de câmbio? Não me parece. Se eu transformo algodão em fio, ou em malha, devo estar sujeito às variações dos preços das matérias-primas? Penso que não. Se eu tenho uma refinaria, devo estar sujeito às variações do mercado do petróleo. Para quê? Não digo que uma empresa privada não o faça, desde que tenha dinheiro para tal e que esteja de acordo com o perfil de risco dos sócios, mas uma empresa pública deve fazê-lo? A que propósito?

Com o nosso dinheiro fazemos o que queremos. A mim pode-me apetecer “apostar” que a Libor a 3 meses daqui a um ano está acima de 4% e então compro um Caplet e posso ao mesmo tempo querer ganhar algum se a mesma taxa estiver abaixo de 2% e então compro um Florlet. Pode-me apetecer replicar isso para cada três meses durante cinco anos e então o que quero é uma carteira de Caplets, que se chama Cap, e um conjunto de Florlets, que se chama Floor. Posso achar por exemplo que as taxas hoje estão baixas e querer aproveitar para fixar a taxa para um empréstimo que prevejo fazer daqui a 3 anos.

Mesmo no caso dos swaps que temos ouvido, a mim não me choca nada que as empresas tenham feito um financiamento a taxa variável em primeiro lugar e que em dado momento pretenderam não correr o risco de uma subida de taxas de juro, o que parece sensato em 2005 ou 2006, e fizeram um swap. Também não me chocaria que ao mesmo tempo que fizeram o swap comprassem alguma opção ou um conjunto de opções para poder vir a beneficiar de uma eventual descida de taxas.

Teremos alguns casos em que as empresas não souberam ou não tiveram boas condições de alterar as posições que tinham, nomeadamente de comprar os Caps a preços decentes, outras vezes terão assumido posições em derivados exóticos que dificilmente encontro explicação mas daí a afirmar que nunca devem ser usados vai uma grande diferença.

Hoje, por exemplo, temos o nível de taxas de juro que todos conhecem. As empresas públicas têm milhões em financiamentos indexados à Euribor. Como contribuinte parece-me de elementar bom-senso que estas empresas se protejam sobre uma subida de taxas de juro. A contratação de swaps é a forma mais eficiente de o fazerem, caso contrário estaremos a especular, o que não é uma coisa agradável que o Estado faça com o “nosso” dinheiro. 

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