Só um dos objectivos da troika para o sector ferroviário vai ser cumprido

A CP vai transferir nos próximos dias para a Refer os terminais de mercadorias que tinha a seu cargo. Restantes metas foram adiadas ou ficaram a meio do caminho.

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Terminais foram transferidos para a CP Carga em 2009, quando a empresa foi criada e autonomizada da CP NFACTOS/FERNANDO VELUDO

A passagem dos terminais de mercadoria da CP para a Refer, exigida pela troika, vai concretizar-se em breve. Esta será a única medida prevista para o sector ferroviário a concretizar-se na íntegra durante o actual programa de assistência financeira, já que bandeiras como a privatização da CP Carga ou a concessão de linhas suburbanas vão ficar por cumprir. O presidente da CP assegurou ao PÚBLICO que a transferência para a empresa que gere a infra-estrutura "está por dias".

Em entrevista ao PÚBLICO, que será publicada na íntegra na próxima segunda-feira, Manuel Queiró adiantou que "a questão tem de estar desenhada e resolvida até à última visita da troika" para a 12ª avaliação ao programa de ajustamento. Os técnicos que representam o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu deverão chegar a Portugal já na próxima semana. No dia 17 de Maio completam-se três anos da assinatura do memorando de entendimento.

Os terminais mantiveram-se na CP aquando da criação da Refer, em 1997, por se considerar então que aqueles activos eram decisivos para a operação comercial da empresa. A gestora de infra-estruturas sempre exigiu que os terminais passassem também para a sua tutela, dentro do princípio que deveria ser a Refer a geri-los para permitir o acesso a outros operadores.

Durante estes 17 anos, a CP resistiu. E em 2009, quando criou a CP Carga como empresa autónoma, transferiu para a sua participada a gestão deste património. O problema está a dias de ser resolvida, de acordo com o próprio presidente da CP (e também da CP Carga). "Isso é uma determinação da troika. É assim que nos é dito e nós temos todas as razões para acreditar que assim é. Estamos a procurar acautelar um segmento de negócio da CP Carga que é a operação logística. A titularidade dos terminais em si tem um efeito contabilístico que não interessa muito para os efeitos da gestão operacional, mas para a carga interessa", referiu Manuel Queiró.

Esse processo está por dias. A questão tem que estar desenhada e resolvida até ao última visita da troika, até final de Maio. Está iminente", disse. Em rigor só a Bobadela é um verdadeiro terminal ferroviário de mercadorias, com ligações a outros modos de transporte e com uma posição de grande centralidade. E é sobre ele que recaíram as queixas dos operadores que pugnavam pela efectiva liberalização do sector. Segue-se Leixões, mas da lista dos (ainda) terminais da CP encontram-se também os de S. Mamede de Infesta, Darque, Mangualde, Guarda, Fundão, Leiria, Praias do Sado, Loulé, Estremoz, Vale da Rosa e São Romão.

Medidas por cumprir
Esta será a única medida para o sector ferroviário preconizada pela troika a ver a luz do dia durante o prazo acordado, dado que as restantes não vão concretizar-se ou foram adiadas para depois do actual programa de ajustamento. É o caso da privatização da CP Carga, que ficou prevista logo no primeiro memorando de entendimento, mas tem sido sucessivamente adiada, não se prevendo que aconteça sequer este ano. Esta empresa é deficitária, tendo chegado ao final de 2013 com prejuízos de quase 23 milhões de euros, e não possui activos (as locomotivas e os vagões pertencem à CP, à qual paga uma renda).

Mas houve outras áreas em que as metas não foram atingidas. No acordo, ficou explícita a obrigação de privatizar "algumas linhas suburbanas" e, até ao final do Verão de 2012, pensou-se que o processo avançaria, pelo facto de ter sido criado um grupo de trabalho para o efeito. No entanto, o modelo ainda não está fechado, apesar de já terem sido ouvidos potenciais compradores, que foram convidados a dar a sua opinião sobre o caminho que preferem.

No memorando de entendimento estava ainda contemplada a "racionalização da rede", que viria depois a ser pormenorizada no Plano Estratégico dos Transportes preparado pelo Governo em 2011. Mas o encerramento de vias férreas foi só parcialmente cumprido porque, devido à contestação de populações e autarcas, sobreviveram as linhas do Oeste e do Vouga. Outra das medidas como o equilíbrio das receitas e das despesas com base num contrato plurianual com o gestor da infra-estrutura e a revisão do regime de tarifário também estão por concretizar.

Além da transferência dos terminais, o Governo conseguiu fechar outro objectivo, embora não abranja apenas a ferrovia, mas todo o sector dos transportes: a criação de uma entidade reguladora, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, cujos estatutos foram aprovados em Março em Conselho de Ministros.

Provas de peso
O material circulante da CP que foi reabilitado e acabou por não ser vendido à Argentina deverá servir como meio de prova para a investigação que a Polícia Judiciária está a realizar a pedido das autoridades argentinas. Além de documentos em papel e de ficheiros electrónicos, que são meios de prova habituais neste tipo de operação, desta vez há provas de várias centenas de toneladas que são as sete locomotivas a diesel, uma locomotiva eléctrica, dez automotoras eléctricas e oito carruagens de passageiros que estão parqueados no Entroncamento.

A CP nunca lhes deu qualquer utilização, apesar de este material se encontrar em estado de prontidão, mas não poderá fazê-lo agora, enquanto durarem as investigações. Em causa estão 4,9 milhões de euros que o Estado argentino pagou à CP para reabilitar estes 46 veículos, acabando depois por não os comprar por 3,2 milhões de euros, conforme previa o contrato.

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