Sinais de uma Europa em mudança?

A Europa, que em Novembro de 2008 lançou um Plano de Relançamento económico e sublinhou a importância do investimento público como instrumento para ultrapassar a crise financeira e que, depois, adoptou um discurso e uma prática contrária, impondo políticas de austeridade incompatíveis com esse modelo de recuperação económica, é a mesma que veio agora, pela boca de Jean-Claude Juncker, assumir que é necessário reforçar o investimento público.

Neste plano surgem como prioridades a aposta em infra-estruturas de energia, transportes e comunicações e nos sectores sociais, como sejam a saúde e as infra-estruturas de apoio social. Esta perspectiva é positiva, contudo, tardia. Tardia porque já incapaz de fazer regredir perdas irreparáveis do tecido social e económico.

Quando a Europa assumiu a vontade de relançar o investimento público, e para isso adoptou uma perpectiva mais flexível em relação ao défice orçamental, em plena crise de 2008, fê-lo, aliás, com os mesmos objectivos com que o fizeram os Estados Unidos, pela voz de Barack Obama e dos seus conselheiros económicos. Todavia, a Europa não estava preparada, pela sua rigidez institucional, para ser consequente com essa orientação.

Durante três anos, assumir um discurso político alternativo ao da austeridade a todo o custo era quase um sacrilégio. Mas, pouco a pouco, foi-se impondo nos socialistas, nos sociais-democratas e democratas-cristãos, em Portugal e na Europa,  a necessidade de flexibilizar alguns dos termos em que essa austeridade estava a ser imposta aos seus Estados-membros. Nos prazos e nas taxas de juro ou no quadro regulatório relativo ao sistema bancário, factores que auxiliaram a melhorar as condições e os termos de acesso ao financiamento dos Estados.

Enquanto estas mudanças se operaram, as políticas de austeridade aplicadas em Portugal com a convicção doutrinária da destruição criadora, inerente às opções deste Governo,  conduziram à maior vaga de emigração desde o 25 de Abril, nomeadamente de uma jovem geração altamente qualificada, confrontaram cerca de um milhão de pessoas com o desemprego e remeteram para um horizonte de pobreza cerca de três milhões de pessoas.

Fala-se de um plano de investimento europeu dotado com cerca se 320 mil milhões de euros, composto de fundos nacionais e europeus, públicos e privados, acrescido com os fundos europeus já assumidos no âmbito da estratégia Europa 2020. Refere-se um "investimento público de qualidade", capaz de reproduzir a riqueza europeia e nacional, valorizando os recursos e posicionando os territórios para a competitividade, com base nas prioridades já acima referidas. Enfim, como se a importância do investimento e os próprios domínios considerados prioritários não constituíssem já desígnios políticos anteriores à crise financeira.

Significa esta "nova" abordagem europeia, 'pós-crise', que, afinal, há investimento público desejável e indispensável para promover a recuperação da economia, do emprego e garantir a sustentabilidade das funções sociais do Estado. Tal como sempre afirmaram muitos socialistas, sociais-democratas e democratas-cristãos. Embora sem que a Europa, elemento charneira da Troika, alguma vez, durante estes três anos, tenha reconhecido esta necessidade.
O segundo sinal digno de registo, por significar também um recuo na doutrina europeia sobre o pacto de estabilidade e crescimento, reside na possibilidade de poderem existir investimentos em domínios considerados prioritários excepcionados dos limites impostos ao défice orçamental. Como se sabe, constituiu mais uma bandeira dos socialistas e sociais-democratas durante a última campanha eleitoral europeia. Pude percepcionar, contudo, no debate ocorrido no Comité das Regiões que os investimentos relacionados com o investimento regional ficarão de fora desse regime de excepção.

No debate travado sobre estes dois assuntos considerei que esta leitura flexível e inteligente dos tratados e do pacto de estabilidade e crescimento poderá impôr um novo caminho para o futuro da Europa. Quer para garantir a confiança dos cidadãos nas democracias e nas instituições europeias, quer para travar a emergência dos populismos que encontram no empobrecimento e na dilaceração das classes médias o "chão" social apropriado à sua multiplicação. Por outro lado, é necessário que a UE procure garantir que é possível descentralizar e regionalizar as políticas públicas, numa abordagem multinível e adaptada aos vários Estados Membros. É necessário desburocratizar, fiscalizar e responsabilizar.

Em terceiro lugar, lembrei a importância da participação dos territórios com menor expressão demográfica e dotados de menores meios para participar na mobilização desses recursos. Razão pela qual julgo incompreensível que o Orçamento de Estado para 2015 reduza em 50 por cento os recursos destinados ao funcionamento técnico das CIM's e das Áreas Metropolitanas.

Em quarto lugar, e em linha com aquela ideia, sublinhei a necessidade de os autarcas locais e regionais participarem nas decisões relativas à conceptualização e execução dos fundos destinados ao desenvolvimento económico e social.

Por último, e como se prevê a abertura destes fundos às pequenas e médias empresas, convém não negligenciarmos a adoção de um eficaz sistema de regulação e controlo quer do acesso aos capitais de risco, quer no acesso e aplicação dos fundos europeus.

Presidente da Câmara Municipal de Baião, membro do Comité das Regiões

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