Setúbal, Algarve, Baixo Alentejo e Lezíria são as mais afectadas pela crise

"As empresas são mais sensíveis à crise do que as famílias”, revelou o geógrafo João Ferrão no seu estudo "Geografia da Crise".

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João Ferrão disse que as habituais diferenças litoral/interior não se aplicam num cenário de crise Daniel Rocha

A Península de Setúbal, o Algarve, parte do Baixo Alentejo e da Lezíria são as regiões do país mais afectadas pela crise, segundo um estudo do Instituto de Ciências Sociais (ICS) apresentado esta terça-feira em Lisboa.

 

O investigador do ICS e especialista em Geografia João Ferrão apresentou o estudo "Geografia da Crise" que compara a situação das famílias e das empresas nos 278 municípios do continente em dois diferentes períodos: numa época de pré-crise (entre 2005/2007) e na fase inicial da crise (2009/2010).

De acordo com a investigação do professor da Universidade de Lisboa e ex-secretário de Estado do Ordenamento do Território, "as empresas são mais sensíveis à crise do que as famílias”, revelou.

Em apenas cinco anos, a situação das empresas agravou-se em 166 municípios (mais de 60% do total) enquanto a vida das famílias piorou em 79 municípios (28%).

Numa análise conjunta de famílias e empresas, a crise atingiu principalmente a Península de Setúbal, o Algarve, parte do Baixo Alentejo e a Lezíria.

Nos mapas apresentados no estudo, os municípios abaixo da média nacional foram pintados a negro. O resultado é uma "mancha negra" que levou o investigador a dizer que "Portugal está de luto".

"Em relação às empresas, como 60% dos municípios pioraram a sua situação em relação a 2005/2007, o mapa ficou praticamente negro e temos uma ideia de Portugal de luto", resumiu o investigador, em declarações à Agência Lusa, à margem da conferência que está a decorrer na Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito das comemorações dos 50 anos do ICS.

Para perceber o efeito da crise nas empresas, o estudo comparou indicadores como o investimento industrial, a criação de riqueza e a demografia empresarial, ou seja, “a natalidade e mortalidade das empresas”, explicou o investigador.

João Ferrão alertou que os efeitos da crise nas empresas podem ser uma antevisão do futuro das famílias: “Se percebermos o que está a acontecer às empresas, poderemos perceber o que vai acontecer às famílias dentro de um ano ou dois”.

Quem melhor sobreviveu aos primeiros anos de crise foram as famílias dos principais centros urbanos, segundo uma análise de indicadores como a dinâmica demográfica (natalidade e migrações), o emprego (desemprego e precariedade), o rendimento (ganho mensal, pobreza e endividamento), e o consumo.

As famílias mais atingidas estão claramente identificadas nos mapas do estudo: “Há uma mancha a negro que se vai expandido em direcção ao Tâmega, com muita população ainda jovem mas que se confronta com problemas gravíssimos de desemprego ou subemprego, mas também para o Dão, Pinhal Interior ou os extremos do Algarve”, resumiu o investigador.

João Ferrão contou à Lusa que os municípios que estão a reagir melhor à crise são os que conjugam os "factores de progresso tradicionais", como a "capacidade de criar valor, de exportar, manter os níveis de remuneração acima da média nacional e padrões de consumo e padrões demográficos positivos". Com estas características surgem cidades como Lisboa e Oeiras. Na mesma zona, os municípios de Cascais, Sintra e Vila Franca de Xira já ficam abaixo da média.

Um dos resultados do estudo foi descobrir que as habituais diferenças entre litoral/interior, norte/sul ou urbano/rural não podem ser usadas quando se analisa os impactos da crise no país. Afinal, existe uma geografia específica para a crise.

“Estamos perante um fenómeno novo que é preciso perceber para podermos actuar nomeadamente no que toca a políticas públicas”, alertou o especialista.

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