Semana negra em bolsa obriga Espírito Santo a decisões urgentes

Notícia de que a PT comprou títulos de dívida da Rioforte agravou ainda mais o complexo dossier do grupo.

Foto
Os grandes accionistas brasileiros da Oi dizem que Ricardo Salgado prestou “afirmações falsas em relação aos investimentos” da PT na Rioforte Nuno Ferreira Santos

O tempo está a esgotar-se para o Grupo Espírito Santo (GES), que vai ter que decidir rapidamente qual o caminho que quer seguir para sanear as insuficiências nas holdings familiares que podem totalizar quase 4000 milhões de euros: pedir o apoio do Estado e submeter-se à sua tutela; recorrer a meios próprios (como venda de activos) para se equilibrar. Os títulos do banco caíram 18% numa semana e os da ESFG 33%.

A margem de manobra está também a estreitar-se para as autoridades, que há vários meses procuram defender o BES dos problemas do grupo e das suas lutas internas, bem como proteger todo o sector de uma eventual contaminação.

A notícia de que a Portugal Telecom (PT) subscreveu 900 milhões de euros de papel comercial (títulos de divida a 90 dias) da Rioforte (que concentra os activos não financeiros da família) veio dar uma nova dimensão ao já complexo dossier Espírito Santo, que tem estado centrado nas holdings do GES e no BES. Desde logo, por estar em causa um grupo de telecomunicações com muitos accionistas, nomeadamente um brasileiro (Oi), e cotado na bolsa nova-iorquina.

Por outro lado, a PT tem 2% do BES e o banco tem 10% da operadora de telecomunicações. E no conselho de administração da Portugal Telecom estão sentados Amílcar Morais Pires e Joaquim Goes, ambos da Comissão Executiva do BES. A coincidência de gestores e o facto de a PT ter sido chamada a resolver um problema de um seu accionista de referência, e ainda que os estatutos não o inviabilizem, está a ser lida pelo mercado como uma potencial promiscuidade de interesses.

Confrontado com este facto, o BES remeteu uma explicação para a PT. Já a PT, inquirida sobre um eventual “conflito de interesses”, respondeu com um discurso técnico: “No processo de preparação da PT para a fusão com a Oi, foi necessário proceder ao exercício de liability management para obter o consentimento dos credores da PT sobre a passagem das dívidas (obrigações e créditos bancários). Nesse processo, foi mantida liquidez para reembolsar a obrigação convertível que vence em Agosto de 2014. Das várias opções de investimento disponíveis, o papel comercial da Rioforte oferecia uma taxa atractiva”. E realçou “a boa experiência em aplicações de tesouraria com o BES.”

Apesar de o investimento ser de quase mil milhões de euros em activos de risco, Henrique Granadeiro, que acumula a presidência do conselho de administração e da comissão executiva da PT (e que já veio a público defender Salgado, de quem é grande amigo), optou por não submeter a decisão à administração. Trata-se “de uma operação de tesouraria de curto prazo e não de partes relacionadas” e “não é matéria do conselho de administração.” A PT avança ainda que a partir de 28 de Abril (quando foi comprado o papel comercial) não foram realizadas quaisquer outras aplicações na ESI ou Rioforte.”

O certo é que a forma encontrada para responder ao Banco de Portugal, que exigiu a retirada da esfera do BES das emissões de papel comercial da Rioforte (2,2 mil milhões), colocado junto dos clientes como de risco baixo, gera dúvidas. Na semana passada, soube-se que a Rioforte procurou encontrar junto da CGD e do BCP um auxílio de 2500 milhões de euros, mas que o Governo recusou. Ao vir a público confirmar que o executivo pretendia desligar-se do tema GES/BES, Passos Coelho tornou-se um actor do filme, pois a sua posição teve impacto na evolução dos acontecimentos e estreitou a capacidade de manobra das autoridades para evitar que a situação se degrade.

Na última semana, a cotação da ESFG, que possui 25% do BES, caiu 33% e a do BES 18%. O Expresso Diário notava que a holding está registada nas contas da Rioforte por 4,3 mil milhões, mas que no mercado já vale menos de 10% o que “aconselhava à retirada da empresa de bolsa”.

A evolução das cotações acentua a ideia de que no universo empresarial Espírito Santo o quadro é complicado e que qualquer solução terá de ser desenhada rapidamente. Não há grandes alternativas: vender activos, encontrar novos parceiros que injectem fundos, pedir ajuda pública. Até hoje, esta última hipótese tem surgido como remota (ou não) por não ser fácil de aceitar pelo núcleo duro do grupo, mas os tempos mudaram e a pressão par encontrar um desfecho acentuou-se.

Existe sempre o remanescente do fundo de 12 mil milhões de euros (hoje estão disponíveis cerca de sete mil milhões) criado pela troika. Mas não há consenso sobre a matéria, desde logo sobre a entidade do GES que pode aceder. Até aqui, o BCE supervisionava a ESFG (com sede no Luxemburgo) que dominava o BES. Com a reestruturação, a ESFG passou a deter apenas 25,1%, e a vigilância passará a ser feita directamente sobre o banco. A questão é que um pedido de ajuda do Estado implicará concessões: a família terá de aceitar gestores públicos; o seu poder decisão será restringido, em especial, em matéria de remunerações (quer em termos de vencimentos, quer de dividendos). É preciso não esquecer que esta linha de ajuda estatal está viva apenas por mais alguns meses.

Em cima de uma situação difícil está a guerra accionista interna, com agendas pessoais diferentes, e que complicam ainda mais uma resolução. O conflito é protagonizada por José Maria Ricciardi e Ricardo Salgado, tem dado origem a trocas de comunicados à volta do Banco Espírito Santo Investimento (BESI). Recorde-se que, a 8 de Junho (antes das idas ao Banco de Portugal), o Comandante Ricciardi, pai do presidente do BESI, convocou à sua casa de Cascais representantes de dois ramos da família: Pedro Mosqueira do Amaral e Manuel Fernando Espírito Santo (Moniz Galvão), tendo estes dois primos assinado um acordo para eleger José Maria Ricciardi, o que foi considerado pela facção Salgado o segundo golpe de Estado no grupo. A acção acabou por cair depois de Fernando Espirito Santo (Moniz Galvão) ter recuado na decisão do irmão.

A conjugação de todos estes factos complica a resolução do dossier GES/BES. Para além das polémicas judiciais (Operação Furacão, Face Oculta, submarinos, Portucalle, Salgado foi acusado de receber comissões de um cliente construtor) e da ocultação de informações contabilísticas dos reguladores, há ainda um buraco de 4000 milhões no BES África, que se mantém sob fiança do Estado angolano, que poderá executá-la quando o prazo terminar. Isto se o acordo não for cumprido. Desconhece-se que activos foram dados pelo BES como garantia para receber apoio de José Eduardo dos Santos. Mas na semana passada Salgado esteve na capital angolana e tudo indica para abordar a operação.

A publicação de notícias em catadupa sobre o GES e os gestores não permite prever o que se vai passar até 30 de Julho, dia em que decorrerá a assembleia geral que vai votar o novo presidente executivo.

Sugerir correcção
Comentar