“Seja onde for” não será a resposta certa

A reposição de direitos não deveria ser incompatível com a negociação em sede de concertação social

O artigo 92.º da Constituição atribui ao Conselho Económico e Social (CES) uma competência consultiva e uma outra de concertação social. E para que serve a concertação? Para promover o diálogo e a negociação entre o Governo e os parceiros sociais. Isto para dizer que a concertação social não é uma veleidade dos patrões ou dos sindicatos ou um instrumento de mera cosmética política ou social; é uma ferramenta que está prevista na Constituição e que tem o papel fundamental de garantir o diálogo e ajudar a garantir a paz social, sendo que, naturalmente, a última palavra na aprovação de legislação laboral cabe à Assembleia da República.

Mas as negociações que se fazem no Parlamento não devem e não podem esvaziar a concertação. O tema veio à balia por causa dos acordos assinados entre os socialistas e os partidos mais à esquerda, nomeadamente em relação à reposição dos feriados e ao aumento do salário mínimo nacional; matérias que tradicionalmente passam sempre pela concertação social. Aliás, assim prevê o próprio Código de Trabalho, no seu artigo 273.º em relação ao valor da retribuição mínima mensal garantida.

Nos últimos dias gerou-se um clima de suspeição de que os acordos à esquerda poderiam estar a esvaziar a concertação social, e o próprio Presidente, quando deu posse a António Costa, veio avisar que “é fundamental que a concertação social seja valorizada enquanto elemento decisivo para o desenvolvimento do país e para a coesão da sociedade portuguesa”.

Nesta mesma linha, António Saraiva, da CIP, veio acusar a CGTP (com uma ligação umbilical ao PCP) de “esvaziar a concertação social” para tentar alcançar no Parlamento o que não conseguiu em sede de concertação social. E Luís Filipe Pereira, presidente do CES, também dizia nesta segunda-feira à TSF que algumas das partes estão a tentar esvaziar o CES e a retirar-lhe importância, numa clara alusão à CGTP. O mesmo diz a UGT.

E como se defende a CGTP? Na entrevista ao PÚBLICO, quando questionado sobre o fórum onde se deve discutir o tema salário mínimo, Arménio Carlos foi claro: “Bilateralmente ou na concertação social. Seja onde for.” E mais à frente diz que os sucessivos governos “utilizaram-na [a concertação social] para tentar legitimar políticas previamente definidas em gabinetes, num simulacro de negociação”.

A CGTP faz mais do que tentar esvaziar a concertação; passa um atestado de pouca seriedade aos patrões, sindicatos e sucessivos governos que procuraram um diálogo genuíno e firmaram acordos para proteger empresas e trabalhadores. Por isso é que foi importante que uma das primeiras tarefas do novo ministro da Economia tivesse sido a de fazer uma ronda de audições com os parceiros sociais. E que a primeira declaração de Manuel Caldeira Cabral tivesse sido a de dizer que quer “abrir uma porta de diálogo”. Uma atitude necessária de demarcação daqueles que querem esvaziar o que não pode ser esvaziado.

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