“Portugueses não estão dispostos a suportar uma nova situação como a do Banif”

Ricardo Mourinho Félix explicou, detalhadamente, o processo de resolução e venda do banco. E contrariou algumas versões até agora conhecidas.

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Secretário de Estado adjunto do Tesouro e Finanças, Ricardo Mourinho Félix Daniel Rocha

“Quem vende um banco num fim-de-semana tem uma posição negocial fraca e isso reflecte-se no preço”, desabafou o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, quase no fim da sua intervenção inicial, de mais de 50 minutos. E é a história dessa impotência, do Governo, primeiro, e do Banco de Portugal, depois, que o governante que mais tempo dedicou ao caso Banif trouxe aos deputados que investigam as razões de tão caro desfecho.

Se o primo direito do governante, o treinador José Mourinho, é especialista em “jogos da mente”, Ricardo mostrou-se pouco dado a jogos de palavras. Respondeu a tudo, com detalhe. E isso trouxe alguns sorrisos aos deputados que procuravam contradições entre a sua versão dos factos, e as que por esta comissão já passaram. João Almeida, do CDS, encontrou três disparidades entre o que Mourinho Félix afirmou e o relato que sobre os mesmos temas tinham trazido à comissão Maria Luís Albuquerque, Miguel Barbosa e Jorge Tomé.

A ex-ministra das Finanças garantira que nunca tinha sido pressionada pelas autoridades europeias para resolver a situação do Banif até ao final de 2015. Pelo contrário. Toda a sua argumentação assenta na hipótese de que poderia ter vendido o banco com mais tempo, já em 2016. Ricardo Mourinho Félix revelou que, numa conversa com Maria Luís Albuquerque, realizada a pedido do PSD, já depois das eleições legislativas, a 12 de Outubro, lhe foi comunicado, a si e aos restantes membros da delegação do PS, pela ex-ministra, que a investigação aprofundada da Comissão Europeia à legalidade da ajuda do Estado ao Banif se encontrava “numa fase relativamente final” e que caso a conclusão fosse negativa – isto é, que a capitalização pública de 2013 era ilegal – o banco ficaria “tecnicamente falido”. Mourinho afirmou – e repetiu a afirmação, quando confrontado com a aparente contradição de versões com a ex-ministra, pelo deputado do CDS, João Almeida – que lhe foi dito que “a situação era bastante grave e teria de ser resolvido até ao final do ano”.

No mesmo registo, perante as perguntas de Mariana Mortágua, BE, o responsável ensaiou uma explicação para a polémica dos mails trocados entre o Governo e o Banco Central Europeu (BCE). E assentiu com a cabeça quando a deputada sublinhou que “o Santander registou um lucro de 283 milhões de euros, que é superior ao custo que teve para comprar o Banif”. E ainda lhe deu razão quando a pergunta era sobre os custos para o Estado, que teriam sido bem menores, caso o Banif tivesse sido integrado na Caixa Geral de Depósitos (como defendia o Governo), ou tivesse sido alvo de uma resolução como a do BES, com um banco de transição. “Obviamente que sim. Um banco de transição dava poder a quem está a negociar. Permitiria, por exemplo, que propostas como a da Apollo e outras, tivessem um mês ou dois para valorizar os activos.”

Sobre este ponto específico, o governante apontou o dedo ao Banco de Portugal. “Nunca chegou a haver proposta de banco de transição ao Supervisory Board [do BCE] pelo Banco de Portugal”, revelou.

Este caso, defende Ricardo Mourinho Félix, deve servir para aumentar o “debate sobre o papel das autoridades e a relação com as autoridades europeias”. Porque os  “portugueses não estão dispostos a suportar uma nova situação como a do Banif”. Mas também porque, no passado, “falou-se mais do que se fez” no campo da “supervisão intrusiva e proactiva”. O Banco de Portugal não deve ser, considera o governante, uma “espécie de escritório de Lisboa do BCE”.

Quando confrontado com as críticas que fez a Carlos Costa, numa célebre declaração ao PÚBLICO em que acusava o governador de uma “falha de informação grave” por não ter comunicado ao Governo que iria propor ao BCE um tecto para a liquidez do Banif, Mourinho Félix foi taxativo. “Mantenho. Independência não é ocultar informação para não ser influenciado pelo que os outros pensam.” E acrescentou ainda que “ninguém está acima da discussão pública e da crítica”, nem o governador, nem os governantes.

Por duas vezes, usou a expressão “estranho” para qualificar actos neste processo. Primeiro, quando o BdP aceitou “usurpar” funções do Governo anterior, ao “aceitar ser vendedor de bancos”. A segunda para qualificar as exigências europeias sobre o perfil do banco que poderia comprar o Banif. Aí foi mais longe. “Estranho e totalmente inaceitável.”

Mas acabou por acontecer. Graças à “arbitrariedade” das autoridades europeias, afirmou Mariana Mortágua. “Eu só substituiria arbitrariedade por discricionariedade”, respondeu o secretário de Estado. Que ainda teve tempo para explicar um facto aparentemente simples e que Mário Centeno, o ministro das Finanças, por várias vezes, em duas audições, procurou desvalorizar. O Governo pagou o valor da ajuda pública ao Banif com dívida pública. O ministro esforçou-se por negar que houvesse aqui qualquer “contrapartida”. Mourinho Félix detalhou o processo: o Santander disse que aceitaria receber o montante em títulos de dívida na sua proposta inicial, o Banco de Portugal estipulou o valor da venda, o negócio ficou fechado à hora de almoço de domingo, 20 de Dezembro. E nessa mesma noite, Mourinho Félix contactou os responsáveis do banco espanhol para saber se mantinham em aberto a possibilidade da transacção ser feita em dívida. O que veio a realizar-se em Março.

Falta de apoio do anterior Governo

Mourinho Félix evoca que, numa reunião a 26 de Novembro [já depois da tomada de posse do actual Governo], o representante do Estado no Banif, Miguel Barbosa, se "queixou de falta de apoio" do anterior Executivo "no processo de acompanhamento" da instituição.

Segundo o secretário de Estado, Miguel Barbosa não se ficou por ali: "Nos contactos com DGComp foi marginalizado". E explica que o processo de venda voluntária do Banif foi apresentado a Bruxelas por Maria Luís Albuquerque  e a consultora espanhola N+1. Barbosa confessou então que era o BdP "que liderava as negociações com a DGComp". Recorde-se que o secretário de Estado já tinha deixado uma observação: "Houve falta de acompanhamento por parte do BdP e do anterior Governo ao Banif" desde a injecção de fundos públicos de 1100 milhões [a 31 de Dezembro de 2012] e que "só em 2015 é que existem relatórios de acompanhamento" do supervisor e do Governo. Isto, apesar de o Banif ter visto oito planos de reestruturação recusados pela DGComp. E admite, que talvez o BdP e o ex-Governo não tenham compreendido plenamente que pretendiam as autoridades europeias que não era uma mera revisão dos planos, mas projectos de viabilidade. 

"Nós [o actual Governo] não tivemos qualquer capacidade de contestar" a imposição da DGCOMp, de resolver e vender o Banif ao Santander naquele fim-de-semana, diz Mourinho Félix: "Foi-nos dado como facto consumado." O deputado do PSD Antóno Leitão Amaro pergunta: "Mesmo se era a pior solução para os contribuintes?" O secretário de Estado explica que as outras soluções – integrar o Banif na CGD com recapitalização ou criar um banco transição – não foram autorizadas e não foi dado tempo ao Governo para concretizar a venda voluntária.

"Nunca houve nenhuma indicação" por parte das autoridades europeias para que a parte boa do Banif  "fosse vendida ao Santander" e esclarece que o banco que revelou maior interesse no Banif até foi o Banco Popular, mas acabou por desistir. "O Banco de Espanha também colocou obstáculos", mas a oferta do Banco Popular "era muito má".

A 31 de Dezembro de 2012, em vez da recapitalização pública do Banif, a instituição deveria ter sido integrada na CGD, dado que nessa altura havia menor pressão por parte da UE, defende Mourinho Félix. E João Almeida interroga-o: "Tem a certeza de que a Caixa não estava já sujeita a um escrutínio da DGComp [por auxilio do Estado], na sequência do financiamento estatal [em 2012] de 900 milhões de euros de CoCo's? [instrumentos de capital contingente]" "Provavelmente, a CGD já teria recebido os CoCo's, mas dentro do programa de assistência financeira" português poderia ter havido margem para o banco público absorver o Banif, retorquiu o governante.

A CPI serviu também para defender perante os deputados ali presentes que os actuais poderes do BdP são insuficientes. O secretário de Estado sugeriu mudanças. E uma delas é poder-se "substituir compulsivamente os administradores quando geram, por inacção ou por acção dolosa, riscos para o sistema" financeiro. 

Mourinho avança com dois exemplos conhecidos:o do ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, que o governador Carlos Costa manteve em funções com o argumento da impossibilidade de o afastar; e o ex-presidente do Banif, Jorge Tomé, que acusa de ter falhado nas suas obrigações de vender o banco e de se ter incompatibilizado com a DGComp. 

Por isto, diz que a aposta deve ser por uma supervisão "intrusiva e proactiva": Apesar dos efeitos da crise financeira e de se "ter começado a falar" no tema, "o que se fez, até agora" não teve os resultados esperados. 

Às 23h, o presidente da CPI deu por terminada a audição ao secretário de Estado que esteve a responder a perguntas dos deputados ao longo de quatro horas.

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