Santa Casa teme perder receitas com nova lei do jogo online

Instituição liderada por Santana Lopes admite que alargamento do negócio a privados pode diminuir verbas dos jogos sociais distribuídas ao Estado e reduzir financiamento de programas de protecção de vítimas de violência doméstica.

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Santa Casa da Misericórdia manterá o exclusivo de exploração dos jogos sociais do Estado Enric Vives Rubio

O projecto de lei do Governo para legalizar o jogo online não agradou à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que, num parecer que já fez chegar à Comissão de Economia e Obras Públicas, defende que a abertura deste mercado a privados e o aumento do leque de jogos que passam a ser permitidos vai ter efeitos directos nas receitas distribuídas aos beneficiários dos jogos sociais do Estado.

Citando acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, a Santa Casa argumenta que o jogo online tem “riscos mais elevados para os consumidores”, dada a falta de contacto directo com os operadores e o isolamento social. Por isso, o alargamento da oferta e a abertura do sector a novos operadores “deve ser ponderado com o conteúdo da argumentação em defesa do monopólio do jogo social do Estado, explorado através da SCML, com o objectivo de controlar o jogo a dinheiro”. Ou seja, para a instituição liderada por Pedro Santana Lopes, o projecto de lei deixa pouca margem ao Governo para defender a manutenção dos direitos exclusivos de exploração das lotarias e apostas mútuas.

Num cenário de abertura de mercado, sem exclusividade e acessível a todas as empresas que tenham, no mínimo, um capital social de 250 mil euros, a SCML diz que “é possível admitir uma diminuição das receitas distribuídas aos actuais beneficiários dos jogos sociais do Estado”, que vão desde a “Segurança Social, Saúde, Cultura e Desporto, até ao financiamento das políticas de protecção das vítimas de violência doméstica”. Sendo a Santa Casa um dos beneficiários destas verbas, uma eventual perda de receita “suscita preocupações face às responsabilidades acrescidas que lhe têm sido cometidas na área da acção social”. Em 2013, as receitas provenientes dos jogos da Santa Casa e destinadas aos vários ministérios alcançaram os 662 milhões de euros (128 milhoes de euros dos quais em imposto de selo).

O pedido de autorização do Governo para regular, pela primeira vez em Portugal, o mercado do jogo online, será discutido na comissão parlamentar de Economia e prevê a atribuição de licenças mediante o cumprimento de vários requisitos, nomeadamente, a obrigatoriedade de as empresas terem uma sucursal em Portugal. Os operadores terão ainda de demonstrar “requisitos de idoneidade” e capacidade financeira, “previamente definidos” e as licenças estarão sujeitas a um “pagamento de taxas a definir”, que variam de cada tipo de jogo.

Críticas à tributação
O modelo de tributação é semelhante ao que já existe para os jogos de fortuna e azar de base territorial (ou seja físicos). Haverá um Imposto Especial sobre o Jogo Online (IEJO), cujo valor varia consoante as modalidades. No caso do jogo online de fortuna e azar e nas apostas hípicas mútuas, propõe-se uma tributação de 15 a 30% sobre a receita bruta, ou seja, “sobre o montante das apostas, deduzido dos prémios pagos pelas empresas aos jogadores”. Nas apostas desportivas à cota e hípicas à cota, o imposto incide sobre o montante total das apostas “a uma taxa que se situa entre os 8 e os 16%, variando em função da receita.

Além das apostas virtuais (desportivas, de jogos de fortuna e azar e hípicas), o executivo aproveitou ainda para regulamentar outro tipo de apostas, as físicas, como as hípicas e desportivas à cota.

A Santa Casa da Misericórdia manterá o exclusivo de exploração dos jogos sociais do Estado, passando a ter a responsabilidade também sobre as apostas físicas, "aproveitando a experiência e a rede e infra-estrutura" que tem. Contudo, a instituição critica as taxas a aplicar às várias tipologias de jogos – com excepção das apostas desportivas e hípicas à cota – argumentando que os valores “são muito baixos e situados em níveis contraditórios”, “sem que se perceba a lógica técnica subjacente”. O regime proposto, por exemplo, para o “vídeo-bingo é extraordinariamente favorável”, comparando com o que está previsto para as apostas desportivas. Pelas contas da SCML, nos restantes jogos de fortuna ou azar, se o operador privado entregar, por exemplo, em prémios 95% das apostas, o imposto a aplicar varia entre 0,75% e 1,5%.

Outras das críticas prende-se com o facto de os prémios de valor superior a cinco mil euros não estarem sujeitos a imposto de selo, tal como sucede com nos jogos sociais do Estado. Questões relacionadas com a publicidade ou a idoneidade dos operadores também suscitam dúvidas à Santa Casa.

O projecto de lei do Governo tem desencadeado posições pouco favoráveis, quer do lado dos portadores online, quer dos apostadores, que criticam qualquer tipo de tributação que inviabilize o acesso ao mercado. Também o Comité Olímpico de Portugal (COP) diz, num parecer enviado ao Parlamento, não estar assegurado o combate à manipulação de resultados nas apostas desportivas. Além disso, o COP não entende por que motivo as receitas fiscais das apostas desportivas à cota têm como principais destinatários “entidades completamente estranhas ao sistema desportivo”.

A Inspecção-Geral de Jogos, que funciona na esfera do Turismo de Portugal, ficará com 25% da receita. Os clubes, praticantes e as entidades objecto de aposta ficam com 37,5% da verba, sendo a restante distribuída por quatro ministérios e a Presidência do Conselho de Ministros.

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