Salários e independência financeira atrasam novos estatutos dos reguladores

Adaptação à lei-quadro deverá ser novamente debatida nesta quinta-feira em Conselho de Ministros, quando já deveria ter sido feita em Novembro. Troika exige que dossier seja encerrado.

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Ao contrário do que prevê a lei, estatutos do INAC admitem recondução dos administradores Vasco Neves

Os novos estatutos das entidades reguladoras sectoriais já deveriam ter entrado em vigor em Novembro, mas continuam em discussão dentro do Governo, devendo ir nesta quinta-feira novamente a debate em Conselho de Ministros. A sujeição dos trabalhadores e da administração às regras da função pública, nomeadamente aos cortes salariais aplicados desde 2011, e a independência financeira das entidades de supervisão são os dois temas que têm provocado o atraso na aprovação dos diplomas, apesar da pressão exercida pela troika para que este dossier seja encerrado antes do final do actual programa de ajustamento.

Ao que o PÚBLICO apurou, a adaptação dos estatutos dos supervisores à nova lei-quadro, que já foi publicada no Diário da República no final de Agosto, tem esbarrado na dúvida sobre se o pessoal destas entidades deve ser abrangido pelas medidas de austeridade aplicadas aos funcionários do Estado. Isto é, se devem continuar a sofrer os cortes salariais, que foram agravados este ano, passando a incidir sobre vencimentos brutos acima de 675 euros, bem como as reduções no pagamento de trabalho extraordinário e o congelamento das progressões na carreira.

Na nova lei-quadro das entidades reguladoras, ficou estabelecido que a todos os funcionários “é aplicado o regime de contrato individual de trabalho”, deixando de existir, como ainda hoje acontece, situações de trabalhadores com contratos de trabalho em funções públicas. No entanto, o diploma esclarece que esta mudança “não dispensa os requisitos e as limitações decorrentes da prossecução do interesse público”. Foi este motivo, aliás, que levou o Governo, logo em 2011, a sujeitar os reguladores aos cortes impostos no Estado.

O diploma refere ainda, nas normas transitórias, que os salários pagos nos supervisores “acompanham a alteração geral anual que vier a ser aplicada, de modo transversal, à globalidade das entidades públicas”. Esta regra tem vindo a ser contestada pelos reguladores, que argumentam que pode pôr em causa a sua independência e a capacidade de atrair e de reter recursos humanos qualificados.

A questão dos salários sempre foi uma das mais controversas, desde que o Governo se começou a debruçar sobre este tema, em 2012, na sequência de um compromisso assumido com as autoridades externas, que exigem um reforço do poder e da independência destas entidades. Mas o foco da polémica residiu sempre mais nas remunerações dos administradores, com avanços e recuos relativamente a tectos máximos de vencimento. Por proposta dos partidos da maioria, a redacção da lei-quadro acabou por contemplar uma norma que prevê que a definição dos salários tenha em conta, mas apenas como valor referencial, a remuneração do primeiro-ministro.

Oito estatutos em falta
Em Janeiro, o Ministério das Finanças explicou que o atraso na aprovação dos estatutos se devia, “nomeadamente, às regras de transição relativas ao regime de pessoal”, mas não esclareceu por que motivo. O PÚBLICO sabe que, nos últimos meses, a tutela de Maria Luís Albuquerque tem estado, em conjunto com os diferentes ministérios que têm reguladores sob a sua alçada, a avaliar uma forma de garantir que os trabalhadores destas entidades não são equiparados aos funcionários públicos.

Os novos estatutos já foram discutidos em Conselho de Ministros, mas não houve consenso. Nesta quinta-feira, o debate deverá ser retomado na mesma sede, depois de o tema ter sido analisado na segunda-feira em reunião de secretários de Estado. Até agora, apenas um diploma foi aprovado e publicado no Diário da República (o da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos), quando a lei-quadro obriga à adaptação dos estatutos de nove supervisores, deixando apenas de fora o Banco de Portugal e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Há ainda outro ponto que tem justificado o atraso do Governo e que está relacionado com a independência financeira dos reguladores, cujas receitas derivam maioritariamente das taxas que cobram às entidades que supervisionam. Ao que o PÚBLICO apurou, a intenção do executivo é assegurar a autonomia em relação ao Orçamento do Estado, já que há entidades cujas despesas e receitas estão abrangidas nas contas públicas.

Só quando forem aprovados os estatutos é que se saberá se o Governo manteve, no diploma do Instituto Nacional da Aviação Civil (um dos reguladores abrangidos pela lei-quadro), a possibilidade de renovação do mandato, ao contrário do que prevê o diploma publicado em Agosto. Tal como o PÚBLICO noticiou, o executivo incluiu uma norma no projecto de estatutos deste supervisor que permite que o actual conselho directivo seja designado para a nova Autoridade Nacional da Aviação Civil, a que o INAC dará lugar.

Notícia corrigida: Foi retirada a referência à Autoridade da Concorrência, como regulador que recebe verbas do Estado.

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