Ricciardi foi "impedido" de votar no conselho superior do Grupo Espírito Santo e abandonou reunião a meio

Pai de José Maria Ricciardi votou ao lado de Ricardo Salgado na luta pelo poder no BES. Banco de Portugal está a acompanhar com especial atenção as recentes movimentações no maior grupo financeiro português.

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Ricardo Salgado Nuno Ferreira Santos
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José Maria Ricciardi Daniel Rocha

Há pelo menos um ano que se trava um conflito entre primos no grupo Espírito Santo. No início discretamente, agora em plena praça pública, desde que na semana passada Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi "se digladiaram” na cúpula do grupo Espírito Santo (GES). Um braço-de-ferro que tornou evidente que Salgado deixou de ser consensual e já não tem o poder absoluto, mas também que José Maria Ricciardi terá perdido, provavelmente, a possibilidade de se candidatar à liderança da instituição ao agudizar o diferendo accionista, dando-lhe visibilidade.

Os próximos dias (ou horas) vão ser cruciais não só para ajudar a clarificar o equilíbrio de forças dentro GES, mas também para se ficar a saber se José Maria Ricciardi se vai manter como presidente do Banco Espírito Santo de Investimento (BESI) e nos órgãos sociais do BES (integra o conselho de administração e a comissão executiva), ou se opta por se afastar, ou se será afastado. Dúvidas que resultam de ter assumido publicamente a ruptura com o líder, Ricardo Salgado, que na quinta-feira recebeu o apoio dos cinco membros do conselho superior do GES, que representam os vários ramos da família. Um encontro com desfecho consensual, mas que revelou fracturas internas e adiou por mais um tempo a resolução do diferendo.

Na sexta-feira, a família Espírito Santo tomou uma decisão arriscada, ao expor de maneira clara o funcionamento do grupo e revelar fracturas internas. A face mais ostensiva foi protagonizada, na quinta-feira, por José Maria Ricciardi durante o encontro do conselho superior, como foi noticiado pelo Jornal de Negócios no dia seguinte. 

O actual presidente do BESI acompanhou o pai, António Ricciardi (conhecido como "comandante Ricciardi"), à reunião convocada por Ricardo Salgado para pedir aos conselheiros um voto de confiança à sua liderança na estrutura financeira do GES. E quando chegou a vez de António Ricciardi se pronunciar, o filho levantou a mão e indagou se não tinha direito de voto, ao que o pai lhe terá respondido: “Aqui quem vota sou eu." José Maria Ricciardi levantou-se e abandonou a sala.

Com 90 anos, o comandante Ricciardi, que preside ao conselho superior, alinhou ao lado de Salgado, que, por agora, terá saído reforçado do diferendo.

Neste domingo, em círculos próximos do GES, admite-se que a acção de José Maria Ricciardi, de confronto com o primo, tenha como consequência a sua saída dos órgãos sociais do banco. Mas outros lembram que o banqueiro do BESI actuou como accionista e não como gestor, pelo que deve continuar a desempenhar as suas actuais funções “até porque o BESI tem tido melhor desempenho [lucros] do que o BES [prejuízos de 380 milhões nos primeiros nove meses do ano]”. Ricciardi tem dado conta que não está disposto a deixar as suas actuais funções no grupo, o que tenderá a agravar as tensões com Ricardo Salgado e a forçar uma solução que lhe seja mais favorável.

O PÚBLICO sabe que as tensões accionistas em redor do GES estão a ser acompanhadas com “muitíssima atenção” pelo Banco de Portugal, dada a relação de poder que existe entre o BES e o BESI, instituições que supervisiona, e pelo seu potencial impacto no sector financeiro. Neste âmbito, têm existido contactos entre responsáveis do Banco de Portugal e os banqueiros do BES e do BESI.

Com a discórdia instalada, a ano e meio do fim de mandato de Ricardo Salgado, restam poucas soluções para repor a tranquilidade “possível” dentro do maior grupo financeiro português: os dois, Ricardo Salgado e Ricciardi, abandonam os órgãos sociais em nome da paz, o que é improvável; um deles sai e assume-se derrotado; adiam o diferendo para 2015 e até lá as tropas dos dois lados chegam a um acordo que passe pela saída de Salgado, que nessa altura já terá 71 anos, e pela nomeação de um nome consensual.

Esta última solução, se o contexto na família fosse de maior normalidade, seria a previsível, até porque, do ponto de vista de uma instituição financeira não há interesse em lavar a roupa suja em público e continuar a degradar a reputação do grupo (GES/BES), que hoje surge associado a múltiplos escândalos judiciais: operação Furacão, Escom-Submarinos, Monte Branco, Portucale. Por outro lado, a actual fase do ciclo económico não facilita a gestão dos equilíbrios internos, pois não permite colocar dinheiro em cima da mesa da família (que se ramificou e com interesses que nem sempre convergem). Não só o fundo de maneio está agora mais estreito, como o escrutínio das autoridades está a ser, em princípio, também mais severo.

Guardar o machado de guerra não significa que as tropas fiquem amigas. Mas permitiria a ambos os lados, José Maria Ricciardi e Ricardo Salgado, ganharem tempo para, num contexto de menor turbulência, resolverem os seus problemas (nomeadamente do foro judicial).

Ricciardi é arguido em vários processos por suspeita de tráfico de influências (privatização da EDP), manipulação de mercado e abuso de informação privilegiada (transacções de acções da EDP Renováveis entre o BES Vida e o BES).

Já o nome Salgado surge associado a várias polémicas: diferendo com Álvaro Sobrinho, ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA), envolvido no escândalo Akoya; é acusado de ter recebido uma comissão de 8,5 milhões paga por um construtor da Amadora, por lhe ter aberto as portas em Angola (o que o banqueiro negou); corrigiu várias declarações fiscais; foi chamado pela Justiça brasileira para prestar declarações no quadro do Mensalão. Controvérsias que têm sido notícia e que afectam a imagem dos dois banqueiros e das instituições que representam.

Com uma personalidade menos exuberante e uma atitude menos desafiante do que a de Ricciardi, que é ainda mais espontâneo, Salgado procura, agora, reduzir a exposição pública a informações adversas. O presidente do BES tem revelado grande capacidade para gerir conflitos e pessoas e é considerado o homem que tornou o grupo familiar  “maior” e “com mais poder do que tinha no tempo do Estado Novo”.

Os dois primos também aparecem com advogados diferentes a assessorá-los nos processos em curso. Ricciardi terá, por exemplo, a seu lado Pedro Reis, especialista em direito de família (divórcios litigiosos), enquanto Salgado tem Proença de Carvalho, advogado de negócios.

Luta pela sucessão e controlo do GES agudizou-se
A luta pela sucessão de Ricardo Salgado e pelo controlo do GES agudizou-se nas últimas 48 horas, depois de José Maria Ricciardi ter emitido dois comunicados, um na última sexta-feira, outro no sábado, a informar e a reafirmar que não deu “um voto de confiança por ele [Ricardo Salgado] solicitado para continuar a liderar os interesses” da família. Após clarificar “que não corresponde à verdade a tentativa de golpe de Estado gorada atribuída à sua pessoa”, o presidente do BESI lembrou “que a sucessão” de Salgado “realizar-se-á não por decisão ou sequer recomendação individual, mas sim pela vontade colectiva dos accionistas”. Cabe ao conselho superior nomear o candidato da família à liderança do BES, que depois será votado em assembleia geral.

As notas divulgadas por Ricciardi nos últimos dias seguiram-se à publicação, na sexta-feira, de um trabalho detalhado do Jornal de Negócios intitulado “o golpe de Estado ao estado de golpe no GES” e que dá conta do encontro do conselho superior do GES, de quinta-feira, que serviu para Salgado pedir um voto de confiança ao seu trabalho. Para além do comandante Ricciardi, o conselho superior integra mais oito conselheiros que se podem fazer acompanhar de um segundo nome (em princípio o seu sucessor). Segundo o Jornal de Negócios, os cinco conselheiros com direito de voto (os acompanhantes não votam) são José Manuel Espírito Santo, Mário Mosqueira do Amaral, António Ricciardi, Manuel Fernando Espírito Santo e Ricardo Salgado.

No final da reunião, o conselho superior deu conta, através de uma nota enviada ao Jornal de Negócios, que "a moção, que reitera a confiança na liderança executiva do grupo na área financeira pelo dr. Ricardo Salgado, reafirma a sua coesão em torno dessa liderança”.

Uma das leituras que está a ser feita na comunicação social do desfecho da reunião do conselho superior de quinta-feira é que se abriu o processo negocial que conduzirá à substituição de Ricardo Salgado, hoje com 69 anos (mais dez anos que Ricciardi), cujo mandato termina em 2015. Um processo que arrancará mais cedo do que o previsto.

Nos últimos meses, os nomes que circulam como os potenciais candidatos à liderança do GES são os de Bernardo Espírito Santo, José Maria Ricciardi (que acompanha o pai no conselho superior), Ricardo Abecassis Espírito Santo (sobrinho de José Manuel Espírito Santo e que se senta a seu lado no conselho superior) e de Amílcar Morais Pires (administrador executivo do BES). Este último surge como a solução não familiar de gestão, embora seja também arguido no dossier EDP Renováveis.

Depois do braço-de-ferro dos últimos dias, não é expectável que José Maria Ricciardi se mantenha na corrida. E fala-se que já está a “negociar” com Álvaro Sobrinho (accionista do grupo e dono da Newshold, com posição nos jornais i e Sol) uma aliança para afastar o primo Ricardo, rival do ex-presidente do BESA. Sobrinho e Ricciardi têm sido vistos a conversar nos últimos meses no Hotel Ritz e foi o banqueiro que levou o empresário para o Sporting.

Um dos nomes que pode gerar consenso é o de Ricardo Abecassis Espírito Santo, vice-presidente no BESI e membro da comissão executiva do BES, que tem estado à frente dos interesses do grupo no Brasil e regressou agora a Portugal. Mas qualquer iniciativa que tome não entrará em conflito com o conselho superior, nem será contra a vontade de Salgado, considerou uma fonte do PÚBLICO próxima do grupo.

O combate entre os primos Ricciardi e Salgado é apenas mais um episódio de uma guerra familiar, que já transpirou para fora, pois outras famílias gravitam na sua órbita. O conflito entre Pedro Queiroz Pereira, que está à frente da Semapa, travou-se com Ricardo Salgado, e foi pela mão de José Maria Ricciardi e de Ricardo Abecassis Espírito Santo que o acordo se fechou. Um divórcio em que se separaram as águas ao fim de oito décadas. No caso do GES, como em todos os grandes grupos, os equilíbrios são difíceis e não são óbvios, mas no final não têm outro remédio senão entender-se.

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