Ricardo Salgado constituído arguido no dia em que o GES implodiu

Com escassos minutos de diferença, o ex-presidente do BES saía do tribunal indiciado por crimes graves e a holding-estrela da família Espírito Santo anunciava a falência. É o fim de um centro de poder considerado o mais influente da vida política, social e financeira em Portugal dos últimos 15 anos.

Salgado passou num ano de testemunha a arguido no caso Monte Branco
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Salgado passou num ano de testemunha a arguido no caso Monte Branco Nuno Ferreira Santos
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Francisco Proença de Carvalho, filho de Daniel Proença de Carvalho, acompanhou o banqueiro na inquirição desta quinta-feira Rui Gaudêncio
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O BES prepara-se para apresentar na próxima semana prejuízos que podem superar os mil milhões de euros AFP/PATRÍCIA DE MELO MOREIRA

Ricardo Salgado saiu nesta quinta-feira ao final da tarde do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, indiciado por crimes graves: burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais. Com escassos minutos de diferença, a holding-estrela da família Espírito Santo, a Espírito Santo Financial Group (ESFG), informou que pedira a protecção de credores junto das autoridades luxemburguesas. Dois episódios que traduzem um virar de página, com o fim de um centro de poder considerado o mais influente da vida política, social e financeira em Portugal dos últimos 15 anos.

Ontem, quando a ESFG, que possui 20% do Banco Espírito Santo (BES) e 100% da seguradora Tranquilidade, entregou o pedido de protecção contra credores nos tribunais do Luxemburgo, a implosão do Grupo Espírito Santo (GES) foi oficializada. Isto porque o grupo sempre se definiu como estando articulado em torno de três sociedades: a Espírito Santo Internacional (dona da Rioforte e com 49% da ESFG), a Rioforte (hotéis Tivoli, Comporta, ES Saúde, ES Viagens e ES Properties) e a ESFG. E todas as holdings assumiram nos últimos dias a falência ao declararem-se incapazes de honrar os compromissos com os seus credores, ou seja, sem condições de pagar as suas dívidas. Os gestores de falência entraram já nas empresas.

Que impactos?
A queda de um centro de poder com a natureza do GES tem sempre impacto, pois está em causa o desaparecimento de uma rede de influências em várias esferas: económica, política e social. Mas os impactos directos da insolvência do GES em Portugal são, ainda assim, limitados, desde logo pela dimensão (não tem grande peso na economia nacional) e admitindo ainda, como tem sido referido, que algumas das empresas geram proveitos e não estão incapacitadas de se manter a operar (podem ser vendidas).

Há outra consequência, esta para os subscritores de papel comercial das sociedades do GES que pediram a protecção de credores e que não vão recuperar as suas aplicações.

As perdas estimadas para os investidores institucionais que compraram dívida através do BES (os particulares serão reembolsados) e para os clientes do suíço Banque Privée (que acaba de ser vendido pela ESFG no quadro do seu saneamento) podem ultrapassar mais de mil milhões de euros. O impacto é, todavia, difícil de contabilizar, pois parte da verba em risco não circulava no universo financeiro português.

O que teria realmente importância do ponto de vista da economia nacional era se algo acontecesse ao BES — uma falência descontrolada, o que não é, por agora, expectável. O banco agora liderado por Vítor Bento prepara-se para apresentar na próxima semana prejuízos que podem superar os mil milhões de euros, contas a divulgar ainda pela anterior equipa liderada por Ricardo Salgado, que deixou a instituição há um mês.

Desafios para Vítor Bento
Se a avaliação do Banco de Portugal (BdP) “bater” certa, no mínimo o BES terá de reconhecer uma imparidade de 1500 milhões pela exposição ao GES e pode mesmo ter de assumir que parte da verba não será recuperada. O banco tem meios para absorver as perdas: o capital próprio é superior a 6000 milhões de euros e a margem de capital face aos mínimos exigidos é de 2100 milhões. Vítor Bento tem pela frente um desafio: compensar o enfraquecimento das operações internacionais que até aqui têm sido geradoras de receitas e que estão comprometidas, como acontece com o BES Angola.

A perda de confiança de muitos depositantes portugueses nas autoridades que deixaram a situação no GES derrapar é uma das consequências do processo. Também a imagem externa do país foi afectada, como ficou expresso nas notícias que saíram na comunicação social internacional, que deu grande destaque ao tema. Os juros da dívida portuguesa a dez anos, que tinham tido uma trajectória de descida, passaram as últimas semanas a ter uma evolução de carrossel.

A liberdade por três milhões de euros
Não há volta a dar. O afastamento de Ricardo Salgado do BES, no final de Junho, ajudou a revelar a verdadeira situação do grupo que o banqueiro dirigiu nos últimos 22 anos e colocou as autoridades perante um problema: num mês o GES ruiu. O chefe do clã, que se tornou um actor importante em vários círculos da sociedade, sofreu mais um duro revés nesta quinta-feira negra ao sair do tribunal depois de várias horas de inquirição não com um simples termo de residência, mas sujeito a medidas de coacção, proibição de ida ao estrangeiro e de comunicar com certas pessoas relacionadas com o processo. E, sobretudo, indiciado por crimes de burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais. Se não tivesse pago uma caução de três milhões de euros, ficaria detido.

O fim do mito da infalibilidade
As autoridades procuram apurar os detalhes de várias operações, nomeadamente, saber onde foi parar o sinal de 60 milhões de euros pago pela angolana Newbrook à Rioforte, pela compra de 67% da Escom (uma empresa instrumental do GES para os negócios “não públicos”), e que nunca terá chegado à holding do GES. O negócio deveria permitir ao grupo português encaixar cerca de 500 milhões de euros, mas acabou por não se concretizar. Na quarta-feira, o DCIAP, acompanhado de inspectores tributários, para além de se ter deslocado à sede do GES, na rua de São Bernardo, em Lisboa, onde funciona o Conselho Superior do grupo, esteve no escritório da advogada Ana Almeida Bruno, ligada à Newbrook. Tal como Salgado, a advogada era cliente da Acoya, envolvida no caso Monte Branco.

A acção dos investigadores ditou o fim de um ciclo marcado pela ideia de infalibilidade do banqueiro, que tem como advogados Daniel Proença de Carvalho e o seu filho, Francisco Proença de Carvalho. Se a matéria fosse para brincar, podia dizer-se que a Operação Furacão, da qual deriva a investigação com o nome de código Monte Branco a que Salgado surge associado, é um “ovo” que está ser chocado há quase dez anos. E que a “galinha” que o tem estado a aquecer é o procurador Rosário Teixeira.

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