Restrições às importações em Angola suspensas “provisoriamente”

Decisão de adiar aplicação de nova lei contou com o envolvimento do Governo português e da Organização Mundial do Comércio. Decreto executivo, em vigor desde 23 de Janeiro, impõe limites às importações de dezenas de produtos alimentares e afecta exportações portuguesas.

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Exportações caíram 0,5% no último trimestre de 2012 Paulo Ricca

Os limites às importações de dezenas de produtos alimentares em Angola foram “suspensos provisoriamente”. O decreto-executivo, aprovado pelo Governo angolano, estava em vigor desde 23 de Janeiro e impunha restrições à quantidade de produtos básicos e bebidas que podiam ser adquiridos a fornecedores externos. A intenção das autoridades de Luanda era estimular a produção local e diversificar a economia, que está a ser muito afectada pela queda do preço do petróleo, do qual depende, com impacto nas divisas disponíveis para compras ao estrangeiro.

O diploma foi publicado no Diário da República de Angola mas não está a ser aplicado. De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, na base desta decisão esteve um esforço político e diplomático por parte de Portugal, que contou ainda com o envolvimento da Organização Mundial do Comércio (OMC). Luís Miguel Santos Moura, delegado em Angola da AICEP, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, confirmou em declarações à RTP em Luanda que “a implementação das quotas está suspensa”. Ao PÚBLICO, fonte oficial da AICEP adianta que não se sabe ao certo “por quanto tempo, nem se será substituída por outra medida restritiva”.

Ana Pinelas Pinto, sócia da sociedade de advogados Miranda, Correia, Amendoeira - que integra uma rede de escritórios com presença em Angola -, adianta que “uma das hipóteses que tem sido veiculada recentemente aponta para as quotas serem atribuídas apenas com efeitos para 2016”. Também Pedro Pimentel, director-geral da Centromarca, associação que representa 56 empresas da indústria do grande consumo, adiantou que recebeu a informação de que os limites às importações “foram provisoriamente suspensos” e a entrada em vigor “adiada”.  

Não há, contudo, nenhum despacho publicado sobre o assunto. Ainda na edição de sexta-feira, o jornal angolano Expansão dava conta de queixas da indústria das bebidas quanto aos “atrasos na aplicação das quotas”. No mesmo dia, Roca Pacavira, ministra do Comércio, afirmou perante uma plateia de empresários em Luanda que a actividade de importação estava restrita e que os importadores teriam de se ajustar à nova lei. Isto implica terem instalações próprias no país, criar emprego e contribuir para a Reserva Estratégica Alimentar.

Pedro Queiróz, director-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares, diz que, apesar da publicação do decreto-executivo, ainda não tinham sido definidas as regras que vão regular as restrições. “A confirmar-se a suspensão é uma boa notícia, mas não estamos minimamente tranquilos porque há muitas dificuldades com a falta de divisas”, sublinhou ao PÚBLICO.

Os limites às importações foram conhecidos no início do ano e vão afectar fortemente a indústria das bebidas em Portugal, uma vez que Angola consome mais de 60% da cerveja que é produzida em território nacional. Em 2014, as empresas portuguesas exportaram 143 milhões de euros de cerveja para este país, mais 17% face a 2013. Os dados preliminares do INE indicam que Angola comprou cerca de 163 milhões de litros, volume que estará seriamente em risco caso avancem as quotas. A nova lei limita as compras desta bebida a 400 mil hectolitros (40 milhões de litros), ou seja, a apenas 25% do que Portugal vende neste mercado, o que já levou a Unicer e a Sociedade Central de Cervejas a manifestarem a sua preocupação.

Ainda sem restrições às importações, certo é que no primeiro mês de 2015, as vendas de cerveja caíram 20% face a Janeiro de 2014, acompanhando a tendência das exportações globais para Angola, que recuaram 26,4% num cenário de forte crise em Angola. O adiamento das restrições às importações, agora conhecido, poderá ajudar a atenuar a queda nos próximos meses.

“Acompanhamos a situação com natural interesse e continuamos disponíveis para colaborar na melhor forma possível com as entidades oficiais competentes, tanto angolanas, como portuguesas, renovando o nosso compromisso de longo prazo com Angola e com o povo angolano”, comenta João Abecasis, presidente da Unicer, que tem em Angola o seu segundo maior cliente, depois de Portugal, e que há anos que tem planos para produzir Super Bock localmente. Além disso, quer investir na produção local de cevada e malte, matérias-primas essenciais para o fabrico de cerveja e que Angola tem de importar.

O decreto-executivo estipula que os importadores em Angola terão de limitar os volumes de compras de 14 bens alimentares e bebidas (águas, sumos e cerveja). No caso dos produtos básicos (óleo, farinha de milho e de trigo, sal, arroz e açúcar) a quota estabelecida é de cerca de dois milhões de toneladas. De acordo com as regras, estes alimentos teriam de ser embalados localmente para “garantir um maior valor acrescentado bruto no circuito comercial interno”.

A intenção do governo angolano é estimular a instalação de fábricas no país e reduzir de forma expressiva a dependência externa nos bens alimentares de primeira necessidade. Apesar dos limites – definidos todos os anos em contratos-programa - o diploma permite um pedido de quota extra, que terá de ser formalizado através do Gabinete de Regulação de Quotas de Importação.

Entretanto, está previsto que, em Junho, ocorra o fórum empresarial Angola-Portugal, em Luanda. Nessa altura, deverá ser anunciado o arranque do observatório para o investimento mútuo. Este projecto, cujo objectivo é identificar os obstáculos aos investimentos e melhorar as relações empresariais entre Portugal e Angola, teve início no Verão de 2013, mas, até agora, ainda não saiu do papel.

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