Regulador resolve problema do Novo Banco à custa de obrigacionistas

Banco de Portugal retirou do Novo Banco 1985 milhões de euros em obrigações sénior, emitidas pelo BES, que regressam à origem. Estratégia permite à instituição financeira melhorar o seu balanço.

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Processo de venda do Novo Banco é relançado em Janeiro Patrícia Martins

O Novo Banco tinha uma insuficiência de capitais para resolver depressa, e o alvo foram os detentores de dívida sénior que o Banco de Portugal tinha protegido quando fez a intervenção no BES há cerca de um ano e meio. Através da medida comunicada esta terça-feira à noite, o regulador faz regressar ao BES, o banco “mau”, obrigações com um valor de balanço de 1985 milhões de euros (emitidas pelo banco antes da resolução de Agosto do ano passado).

Na recta final do ano, em apenas 10 dias, o Banco de Portugal (BdP) mobilizou recursos públicos e dos investidores no valor de 5800 milhões de euros para evitar a liquidação do Banif (3800 milhões) e salvar o Novo Banco (2000 milhões de euros).

Já depois de se ter entrado na contagem decrescente para Eduardo Stock da Cunha garantir que o Novo Banco estará a operar em 2016 com os níveis de capital exigidos pelo Banco Central Europeu, o BdP veio finalmente informar que as insuficiências de capital serão supridas através da redução do passivo (diminuição das suas responsabilidades) em 1985 milhões de euros. E que a medida será realizada por recurso aos obrigacionistas seniores institucionais. Ou seja, antecipa-se em três dias, ainda que parcialmente, a directiva europeia do bail-in que vai entrar em funcionamento a 1 de Janeiro de 2016.

Por parte do regulador, este justifica a acção sublinhando que esta está dentro dos poderes que lhe foram atribuídos no momento original da resolução, e que podia "alterar o perímetro de passivos e activos" do BES e do Novo Banco.

Na reabertura do processo de resolução, o supervisor retirou do Novo Banco 1941 milhões de euros de obrigações não subordinadas, emitidas pelo BES, que regressam à origem. A divida sénior (colocada especificamente junto de investidores qualificados, apresentando uma denominação mínima de 100 mil euros) que transita para o banco mau estava registada no balanço do Novo Banco por 1985 milhões de euros. O BdP impôs ainda que para o Fundo de Resolução (que conta com fundos do sector financeiro mas  é uma entidade pública) sejam transferidas as contingências futuras a cargo do Novo Banco.   

Com esta solução de quase “desespero”, Carlos Costa dá o dito por não dito. Em Agosto de 2014, o BdP não imputou então prejuízos aos credores seniores devido à percepção de risco e para evitar a retirada dos investidores do mercado português. Mas não salvou os credores subordinados que ficaram no banco tóxico. E, até agora, os obrigacionistas seniores estavam convencidos de que a medida de resolução de 3 de Agosto de 2014 os protegia.

Há ano e meio, com a separação do BES mau, o Novo Banco recebeu fundos de 4900 milhões de euros com carimbo estatal. Mas a verba revelou-se insuficiente, com o apuramento já em 2015 de necessidades adicionais de capital de pelo menos 2000 milhões.

Um quadro de urgência do domínio público há vários meses, mas que ganhou visibilidade na recta final do ano com o Governo a procurar evitar que o dossier chegasse a Janeiro de 2016 e ficasse dependente do bail-in puro e duro: o resgate por meios internos envolvendo todos os obrigacionistas, mas também os depositantes com mais de 100 mil euros.

O primeiro-ministro António Costa veio nas últimas semanas afirmar duas coisas: que depois do Banif os contribuintes não voltariam a ser chamados a resgatar bancos, e que, neste caso,  os depositantes também não seriam afectados, incluindo os com activos superiores a 100 mil euros. Disse ainda que os emigrantes (que ainda recentemente viram as aplicações no BES serem salvas por transferência para divida sénior do Novo Banco) também não seriam afectados.

Com os temas bancários (Banif e Novo Banco) a chegarem à última quinzena de Dezembro sem solução (o do Banif arrastou-se mesmo durante três anos) abrem-se interrogações sobre a condução destes dossiers. E à medida que o tempo vai passando, acentuam-se os sinais de que existia uma intenção do anterior executivo liderado por Passos Coelho, em articulação com o Banco de Portugal (BdP) e as autoridades europeias, BCE e DGCOM, de atirar para 2016 a sua resolução. Ou seja: de colocar o Banif e o Novo Banco debaixo do chapéu do bail-in.

Esta terça-feira, com o acompanhamento do Governo e do BCE, no BdP afinaram-se “os detalhes jurídicos” da solução de capitalização do Novo Banco. E estiveram até ao final duas linhas em equação: transformar as obrigações seniores em capital do Novo Banco, o que reduzia a posição do Fundo de Resolução, e afectava negativamente os interesses patrimoniais do Estado numa venda futura; ou, como consta da deliberação, transferir a dívida sénior para o BES tóxico, o que exigiu um novo desenho no perímetro de segurança entre o BES mau e o Novo Banco. 

Em simultâneo, esteve em equação qual o montante da capitalização do Novo Banco: apenas o necessário (à volta de 1200 milhões) para tirar os rácios do vermelho? Ou optar por reforçar o capital num valor superior (neste caso, 1985 milhões) e evitar ter de voltar a lidar com o mesmo problema dentro de oito meses? Para já, esta última foi a opção tomada.

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