Reformas, esbanjamento e convergência

Moisés recebeu de Deus os Dez Mandamentos. Diz o oitavo: “Não furtarás.”

José Manuel Fernandes é um jornalista que há muito leio. E prezo. Tentou explicar no PÚBLICO, “devagarinho”, as razões das tesouradas nas reformas dos velhos. Uma análise séria e válida desta matéria.

Permitam que esta também seja.

Novos problemas, velhas causas. A República sofre com a tragédia.

Esbanjamentos irresponsáveis e eleitoralistas, obras faraónicas, estádios de futebol, auto-estradas pleonásticas, fundações público-privadas para gáudio de senadores, institutos públicos para nada, inúteis, roletas nos swaps, pagamentos, antes e depois da nacionalização, do BPN, aventuras financeiras por dezenas de anos nas PPP. Noutros desvios que os sucessivos governos escondem.

Delírio, esquizofrenia esbanjadora.

Têm um só mandamento político-social: austeridade para quem trabalha ou é velho.

O economista Mark Blyth, professor da Universidade de Brown em Providence, EUA, afirma que “…quando dizem que temos de apertar o cinto, sou o primeiro a concordar, desde que usemos todos as mesmas calças”. Até os velhos e trabalhadores compreenderiam.

Não usamos. O alfaiate é o dono do fraque. Só corta à sua medida.

A banca adiciona dia após dia prejuízos de quatro milhões de euros. O Governo premeia-a com muitos milhares de milhões. Poupa as PPP de pagar impostos. Baixa o IRC. Aumenta sempre o IRS, ataca os salários e pensões com cortes sistemáticos.

Leis e Tribunal Constitucional são os inimigos do Governo! Supõe-se no faroeste. Nem reconhece leis, nem a ordem judiciária. São “forças de bloqueio”.

Os reformados da Segurança Social (SS) e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) têm mais de 40 anos de trabalho e descontos para receber a reforma. A que têm absoluto direito.

A CGA e SS não são propriedade do Governo. Os seus fundos são propriedade dos seus subscritores que passaram a vida a trabalhar e a descontar para o efeito. Pensões e reformas não são “caridadezinhas” do Ministério das Finanças.

O Governo e entidades patronais, anos a fio, eximiram-se de pagar o que a lei lhes impõe que paguem à CGA e SS.

As amnistias foram e são uma poção mágica!

Fraudes de milhões e dívidas que afundaram a CGA e a SS. Considerando o ganho médio, entre 2000 e 2011, o montante das fraudes atingiu o monstro de 52.329 milhões de euros. Conluiados, sucessivos governos deixaram passar. Desconheciam!

Em 2010, o Governo blindou a entrada na CGA a novos funcionários da Administração Pública (AP). O objectivo é extingui-la. Vive dos poucos que ainda vivem, até ao extermínio.

Até 2002, as contribuições dos trabalhadores eram de 10% dos salários. As do Estado e outras entidades públicas inferiores a 2%. A partir de 2008 a percentagem de contribuição do Estado, como entidade patronal, foi gradativamente subindo até atingir, em 2013,  20%. Se é que pagam…

No final de 2011, foram transferidos vários fundos de reserva de entidades privadas para a CGA.

Quando aqui chegaram, já a sua desvalorização era de 1.324,5 milhões de euros.

Prejuízo que a CGA suportou e ainda ficou com a carga de pagar reformas aos trabalhadores daquelas entidades.

Vítor Gaspar desistiu de ser ministro. Não esqueceu, no último dia do seu consulado, de permitir a afectação dos fundos da segurança social para comprar dívida “soberana”. Há dias, o Governo anunciou que comprara dívida pública de dois mil milhões, recorrendo aos fundos de reserva das reformas. Vai comprar outro tanto no próximo mês. Como se o dinheiro fosse dele. Fundos definitivamente perdidos. 

Os governos fazem crer que o Orçamento do Estado subsidia a CGA. Falso. Os governos é que se arrogam o poder, que não têm, de desviar fundos para fins diversos. Andaram anos e anos sem pagar o que deviam como entidade patronal.  Assaltam-a , compram dívidas ´”soberanas”! Paga msubsídios estranhos a reformas. A CGA é o seu "saco azul"!

Raquel Varela, historiadora e investigadora na Universidade Nova de Lisboa, trata pormenorizadamente e com rigor, todas estas matérias.

O Banco de Portugal (BP) aplica os seus fundos de reformas em França (23,2%) e na Bélgica (32,6%) e uma migalha em Portugal (16,3%). O BP está isento de cortes nos salários e subsídios.

O prejuízo das gerações futuras é uma provocação óbvia ao povo português. Convoca uma estratégia divisionista entre gerações. Fomenta litígios entre velhos e novos. Estes são igualmente vítimas de um Governo sem alma, ignorante, de “cursinhos", mestres de fins-de-semana e universidades de Verão.

O Governo promove o desemprego no sector público e privado e a emigração. Mais de um milhão e meio de desempregados. Emigração, a conselho do Governo, para centenas de milhares de concidadãos. Com a escalada progressiva de desempregados e emigrantes, decresce o número de contribuintes para a segurança social. Mais despesas em subsídios de desemprego miseráveis. E menos se acumula para as reformas futuras dos jovens.

Por hipocrisia e engodo, falam em “convergência” entre pensões da CGA e SS. Voracidade do Governo sobre tudo quanto cheira a euro. Só serve a insaciável austeridade. Razão porque sempre fala no “encaixe”. Se fora convergência, haveria de, por natureza, aproximar pensões baixas às altas e não seguir o miserabilismo de encostar estas àquelas. Alguma vez os incultos e incompetentes do Governo se preocupariam com igualdades sociais?

Com tamanhos desmandos, imoralidades, esbanjamento dos dinheiros do Estado, com ignorância política e com uma insensibilidade social sem medida, o Governo encontra regularmente a mesma “ solução”: roubar nos salários e nas reformas dos mais fracos.

“Encaixa”, como se fora seu, o dinheiro que é dos reformados.

Os economistas e financeiros de serviço limitam-se  à lengalenga da austeridade. Para os outros.

A ONU, pela agência OIT, considera que a austeridade vigente na Europa conduz à falência da economia e enorme taxa de desemprego.

Paul Krugman, Nobel da Economia,  diz o mesmo.

Está à vista.

Vítor Gaspar, estrela da manhã da salvadora austeridade, saiu pelo beco negro da derrota.

Génios são os arrendatários da galáxia da Gomes Teixeira.

Do alto da loucura, impõem ao seu povo um percurso de calvário. O povo carrega a cruz.

Na agonia, lavarão as mãos como Pôncio Pilatos.

Procurador-Geral Adjunto

 

Sugerir correcção
Comentar