Reformar em parceria

Nos últimos anos, a reforma do Estado tem sido elevada a um dos temas centrais da discussão pública, embora muitas vezes com interpretações diferentes sobre do que realmente se trata ou de como se pode fazer acontecer.

Nestes tempos de austeridade, de certo modo forçada pelo Programa de Assistência Financeira assinado com a troika, mas inevitável em qualquer caso, o principal objectivo da reforma do Estado é necessariamente o equilíbrio das contas públicas. Para além da contenção da despesa com as pensões e outras prestações sociais asseguradas pelo Estado, esse equilíbrio deve também ser conseguido através da redução do custo de funcionamento das instituições abrangidas pela sua esfera (direcções-gerais, institutos, autarquias, empresas estatais, entre outras).

A análise de como atingir esse equilíbrio pode, por sua vez, ser feita segundo dois pontos de vista distintos: um de índole política, discutindo quais as funções a assumir pelo Estado e quais deve este deixar para que a sociedade se organize; e um outro de natureza mais técnica, debatendo sobretudo a eficiência da administração pública e como esta pode ser melhorada de forma a reduzir o seu peso na despesa, possibilitando níveis mais sustentáveis de impostos.

A primeira perspectiva resulta numa discussão marcadamente ideológica, comparando uma visão de Estado mais regulador e incentivador de uma economia e sociedade em funcionamento articulado versus um Estado mais paternalista e directamente interventivo na satisfação das necessidades dos cidadãos. Neste contexto, está em causa a revisão do leque de serviços garantidos aos cidadãos e da orgânica da administração pública.

Sem prejuízo da importância desta vertente, é também determinante considerar a segunda óptica, a da eficiência, onde existe ainda uma margem muito significativa de melhoria sem se colocarem em causa os serviços assegurados.

Mas afinal do que se trata? Melhora-se a eficiência quando para obter os mesmos ou melhores resultados – uma população mais saudável e mais qualificada, mais segurança, melhores infra-estruturas, … – se empregam menos recursos e consequentemente se reduz o custo associado.

Para a administração pública, este conceito normalmente significa que, para prestar determinado serviço, é possível optimizar os meios empregues, decorrentes da introdução de novos paradigmas de organização do trabalho e de novas capacidades tecnológicas. Implica desse modo a condução de iniciativas para a transformação do modelo operacional dos organismos, adaptando a estrutura, renovando os processos, modernizando os sistemas e as tecnologias de informação e melhorando o relacionamento com os cidadãos e parceiros, entre outras vertentes possíveis de actuação, com o objectivo de eliminar desperdícios.

É muitas vezes na falta desta capacidade de transformação que as reformas, mesmo as mais bem desenhadas e planeadas, encontram os principais obstáculos. De facto, existindo já um vasto e válido conjunto de ideias de modernização e reestruturação, nem sempre é fácil a uma entidade pública empreender as acções necessárias para a sua concretização, face aos seus próprios constrangimentos na afectação de recursos – os serviços têm de continuar a operar – e na dificuldade em vencer as naturais resistências. A contratação avulsa de consultoria pode ajudar nalgumas vertentes específicas, mas mais dificilmente tem um impacto efectivo e duradouro na modificação dos paradigmas basilares da actividade do organismo. Quantos bons estudos não ficam “na gaveta” por dificuldades na sua implementação? Quem não experimenta um certo sentimento de frustração ao ouvir a palava “reforma”, já que tardam em surgir resultados concretos e visíveis?

Exige-se, por isso, uma abordagem diferente para esta perspectiva mais técnica da reforma, possibilitada por uma cooperação mais estreita entre as entidades estatais e os parceiros privados, não só na fase de concepção e disponibilização dos elementos essenciais às modificações preconizadas, mas também depois na efectiva consecução dos benefícios esperados.

Segundo esta abordagem, denominada de co-sourcing, uma determinada instituição pública associa-se, durante um período temporal definido, a um actor privado para a execução de determinada função. Esse parceiro assume a responsabilidade de transformar, de um modo permanente, as operações do organismo, recorrendo nomeadamente a serviços de consultoria.

As vantagens deste modo de colaboração são evidentes: transforma-se o Estado com base numa partilha de risco com o parceiro privado, qualificando-se os trabalhadores públicos para que estes fiquem aptos à futura operação optimizada, atingindo-se os ganhos esperados.

Managing director da Accenture, responsável pela área de administração pública e saúde em Portugal

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