Novos impostos verdes podem aumentar combustíveis e taxar viagens aéreas

Propostas da comissão para fiscalidade verde incluem taxas para o CO2 e para os sacos de plástico, mas não garantem margem para descida significativa do IRS.

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A produção de petróleo está a exceder a procura global Fernando Veludo

Uma taxa de carbono vai tornar os combustíveis mais caros, o imposto sobre os veículos vai ser agravado, as viagens de avião terão um sobrecusto e por um saco de supermercado será preciso pagar dez cêntimos. Ainda assim, estas e outras potenciais medidas para tornar o país mais sustentável – que a Comissão da Reforma da Fiscalidade Verde coloca em discussão pública a partir desta quinta-feira – muito dificilmente conseguirão angariar receitas suficientes para uma redução significativa dos impostos sobre o trabalho.

Nomeada pelo Governo em Janeiro, a comissão entregou esta quarta-feira aos ministros do Ambiente e das Finanças um relatório com 40 propostas concretas de alterações ao sistema fiscal do país. A principal é a criação de uma taxa sobre o carbono. Assumirá a forma de uma parcela adicional ao ISP, o imposto aplicado aos produtos petrolíferos e energéticos.

Na prática, poderá aumentar a gasolina entre 0,92% e 5,74% e o gasóleo entre 1,12% e 6,75%. O preço do carvão poderá mais do que duplicar e o do coque de petróleo mais do que triplicar, nalguns cenários.

Segundo a proposta, a taxa seria calculada com base no preço médio do dióxido de carbono no mercado europeu de licenças de emissões. Aos valores de hoje, cerca de cinco euros por tonelada de CO2, renderia cerca de 80 milhões de euros por ano em novas receitas.

Entre as 39 demais propostas, várias também geram receitas – como uma taxa de três euros sobre os bilhetes de avião ou um imposto de dez cêntimos sobre os sacos de plástico. Também será aumentado o Imposto sobre Veículos (ISV). Outras representam despesas, como incentivos aos carros eléctricos, ao uso eficiente da água ou à reabilitação de imóveis. A comissão propõe ainda a reintrodução do subsídio ao abate de veículos velhos e benefícios fiscais para a aquisição de bicicletas e de passes sociais.

Entre o dever e o haver, o saldo final vai depender essencialmente do preço do CO2 – que tem estado a níveis tão baixos que coloca em causa o próprio mercado europeu do carbono. Com os preços actuais, a fiscalidade verde terá um impacto líquido de cerca de pouco mais de 180 milhões de euros. É um valor muito modesto, representando apenas 1,5% dos 12.308 milhões de euros arrecadados pelo Estado em 2013 através do IRS, imposto que tem sido determinante para a execução orçamental.

Mesmo que o preço do CO2 suba, a reforma da fiscalidade verde ficará muito longe dos cerca de 3100 milhões de euros que um estudo da Agência Europeia do Ambiente previa para 2016, se fosse adoptado um determinado conjunto de medidas.

Promessa de neutralidade fiscal
O mandato da comissão não era o de criar outras receitas para reduzir os impostos sobre o rendimento e o trabalho, mas sim o de encontrar soluções fiscais ambientais para estimular o uso eficiente de recursos, reduzir a dependência energética do exterior e estimular padrões de produção e consumo sustentáveis. Mas a reforma deverá seguir o conceito de neutralidade fiscal – ou seja, se houver novos impostos, terá de haver compensações noutras áreas. E o Governo sempre admitiu que um dos objectivos da fiscalidade verde seria o de alivar os impostos sobre o rendimento e sobre o trabalho.

Não sendo certo que serão adoptadas todas as propostas agora apresentadas, uma questão que continua em aberto é a de saber se o Governo considera ter margem para baixar a tributação do rendimento e trabalho.

A reforma do IRS está a ser avaliada em paralelo com a da fiscalidade verde, por uma comissão liderada pelo fiscalista Rui Duarte Morais. Esta comissão tem mandato para propor alterações tanto ao IRS em si, como à sobretaxa de 3,5% em vigor desde o ano passado e que se mantém este ano.

Um corte de 0,5 pontos percentuais na sobretaxa teria nos cofres do Estado um impacto na ordem dos 100 milhões de euros. Para que a fiscalidade verde pudesse eliminar totalmente a sobretaxa, seria necessário que criasse 700 milhões de euros em novas receitas. Para isto, o preço do carbono teria de estar acima de 35 euros a tonelada – um valor muito improvável no curto prazo.

A Plataforma para o Crescimento Sustentável – think tank criado pelo ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, antes de entrar para o Governo – chegou a defender que uma taxa de nove euros sobre cada tonelada de CO2 compensaria a sobretaxa.

Seja como for, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, já veio baixar as expectativas em relação a uma descida do próprio IRS no próximo ano. E o próprio guião para a “reforma do Estado” do vice-primeiro-ministro Paulo Portas deixa claro que uma redução dos impostos estará sempre dependente da consolidação das contas públicas, ou seja, da margem orçamental que o Governo considere existir nos dois pratos da balança – em termos de execução da receita e despesa.

Independentemente do seu efeito nos impostos sobre as famílias e empresas, a reforma da fiscalidade verde promete benefícios ambientais e económicos. Nos cálculos da comissão, apesar de implicar um aumento no preço dos combustíveis, a taxa de carbono pode ter um impacto positivo no PIB, no emprego e na redução de emissões. Isto dependerá, no entanto, da “reciclagem” da receita, ou seja, da sua aplicação em projectos com benefícios ambientais ou na redução do IRS e da Taxa Social Única.

A segunda proposta com maior impacto é uma taxa de três euros por cada bilhete de avião ou pacote de viagens vendido no país. A receita fiscal estimada está entre 35 e 41 milhões de euros.

Imposto para os sacos de plástico
Um imposto sobre os sacos de plástico dos supermercados é outra medida com grande impacto. Se for adiante, será de dez cêntimos por saco, rendendo 35 milhões de euros por ano. Esta ideia é vivamente contestada pelas grandes superfícies, que já tinham pressionado para que fosse travada no Governo, em 2007.

As propostas incluem ainda a criação ou alargamento de uma série de incentivos fiscais – por exemplo, a carros menos poluentes, ao uso eficiente da água ou à aquisição de passes sociais – em contraciclo com o que tem acontecido nos últimos anos, ou seja, o desaparecimento gradual da possibilidade de se descontar do IRS ou IRC determinados gastos com efeitos positivos no ambiente.

A comissão até propõe a reintrodução do subsídio ao abate dos veículos em fim-de-vida, que vigorou até 2010.

O anteprojecto de reforma da fiscalidade verde estará em consulta pública até 15 de Agosto. Depois, a comissão elaborará a sua proposta final, que será entregue ao Governo até 15 de Setembro. Na prática, a reforma será apresentada como uma proposta de lei, que Governo terá depois de submeter à Assembleia da República.

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