Receita do IVA e IRS tem de crescer 4,4% para a sobretaxa "cair" um ponto

Só há um reembolso igual à descida defendida pelo CDS se a receita ficar 217 milhões acima do previsto. Governo prevê mais receitas em todos os impostos. Carga fiscal atingirá novo máximo.

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Se Vítor Gaspar ficou conhecido como o governante que nem sempre acertou nas previsões, Maria Luís Albuquerque arrisca o título de ministra das Finanças que subestima as suas próprias projecções. No modelo desenhado para que os contribuintes sejam reembolsados em 2016 da colecta da sobretaxa do IRS paga em 2015, é necessariamente preciso que as receitas fiscais do IVA e do IRS fiquem acima das previsões inscritas no Orçamento do Estado (OE).

O Governo está optimista, acredita que é possível isso acontecer e apela aos contribuintes para que estes participem no esforço de combate à evasão fiscal e à economia paralela – para que o aumento da receita aí conseguido reverta a seu favor através de um crédito fiscal.

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Em 2015 nada muda: a sobretaxa de 3,5% continuará a ser paga, sendo retida na fonte todos os meses. A receita fiscal do IVA e do IRS que ficar acima de um determinado patamar é dividida pelos contribuintes, promete o Governo.

Para haver, em 2016, um reembolso equivalente a um ponto percentual da sobretaxa, é preciso que as receitas arrecadadas pelo Estado naqueles dois impostos cresçam a um ritmo de 4,4%, mais 1164 milhões do que o encaixe previsto para este ano. O Governo está actualmente a contar com um reforço da receita de 3,5% no IVA e no IRS.

No cenário simulado, é necessário que a diferença entre o valor previsto e o montante efectivamente arrecadado seja de 217,14 milhões de euros. Isto porque uma “devolução” igual a uma descida de um ponto na sobretaxa implica que a receita fiscal em causa chegue aos 27.875 milhões de euros. A projecção feita no OE é de 27.658,8 milhões de euros e tudo o que ficar acima desse montante fica garantido para o reembolso.

Se assim for, o valor devolvido tem um impacto igual ao que seria uma redução da sobretaxa de 3,5% para 2,5%, como o CDS-PP defendia. Há, no entanto, duas diferenças: o impacto só é sentido no bolso do contribuinte em 2016 e o reembolso será executado na próxima legislatura em função da execução da cobrança dos impostos acumulada até Dezembro do próximo ano.

Para haver um reembolso total, equivalente a 3,5 pontos, será preciso que a receita do IVA e do IRS atinja um ritmo de crescimento de 6,4%. Isso significaria que os cofres do Estado conseguiriam arrecadar 28.418,8 milhões de euros com estes dois impostos. São mais 1.706,7 milhões de euros do que o valor encaixado este ano e mais 760 milhões do que a previsão que o Governo agora apresentou no Orçamento do Estado.

O Governo não se compromete com uma estimativa de reembolso, já que tudo dependerá da execução da medida. Mas diz ser expectável que o encaixe fique acima das próprias projecções. Foi essa a convicção revelada nesta quarta-feira pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, durante a apresentação do orçamento. “Estou convencido de que é perfeitamente possível superar os objectivos de receita fiscal”, afirmou o governante, frisando que a execução da receita de 2013 ficou acima do projectado e que essa evolução também se está a verificar este ano.

Em 2013 – ano marcado pelo “enorme” aumento dos impostos protagonizado pelo ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar e pelo impulso do perdão fiscal para a regularização de dívidas ao Fisco – as receitas do IRS e do IVA superaram em 603 milhões o previsto (e em 3666 milhões o encaixe do ano anterior, o que nesse caso se deve ao agravamento do IRS).

Receita a subir
Que margem há para admitir que as receitas virão a crescer acima do que está a ser agora projectado? “Diria que temos duas situações conflituosas. O passado histórico mostra que é possível arrecadar receitas acima do previsto, mas o cenário macroeconómico cria algum perigo à própria execução orçamental em 2015”, nota ao PÚBLICO o fiscalista da Deloitte Luís Leon, que elogia a medida do Governo.

O executivo está a contar com um aumento das receitas em todos os impostos. Com o IRS, o executivo prevê que sejam arrecadados 13.168 milhões de euros, mais 2,4% do que este ano. O IVA continuará, como habitualmente, a ser o imposto que mais contribui, sendo esperados 14.490,8 milhões, 4,6% acima do valor esperado para 2014.

Segundo estas previsões, estes dois impostos representarão 71% de toda a receita fiscal a entrar para os cofres públicos. Fazendo a conta todos os impostos, o montante a arrecadar pelo Estado será de 38.873,9 milhões.

A carga fiscal suportada pelos portugueses vai voltar a subir durante o próximo ano, registando um novo máximo histórico, sendo o valor mais alto registado alguma vez registado em Portugal, segundo a série estatística da Comissão Europeia, que tem dados a partir de 1977. A carga fiscal mede o peso numa economia da soma dos impostos e das contribuições para a Segurança Social pagas pelas pessoas e as empresas. Em 2015, irá cifrar-se em 37% do PIB, isto é, 66.818 milhões de euros. O agravamento dos impostos sobre o consumo dá o principal contributo.

Para o próximo ano, o executivo espera com uma “normalização da actividade económica”, tanto pela recuperação do consumo, como pelo abrandamento das importações e a aceleração das exportações.

Depois da pressão pública do CDS-PP para que em 2015 houvesse um desagravamento da sobretaxa, a ministra das Finanças explicou as razões que levaram o Governo de coligação essa redução para 2016 por via de um crédito fiscal. Dizendo que não há ainda margem para reduzir os impostos, Maria Luís Albuquerque reforçou que a medida garante que – em 2015 – os “sacrifícios feitos” não sejam postos em causa. E justificou a medida como “uma forma de sinalizar aos portugueses que tudo o que seja obtido a mais [na receita] não poderá ser canalizado para o aumento de despesa”. Aliás, o défice de 2,5% para 2015 foi revisto agora para 2,7%, de modo a não ter que aumentar ainda mais os impostos, justificou o primeiro-ministro.

Quando foi questionada sobre a garantia que os portugueses podem ter de que esta “devolução” é cumprida em 2016 com o Governo que sair das próximas eleições legislativas, Maria Luís Albuquerque começou por ironizar: “Que não será o actual [Governo a cumprir a medida] temos a certeza. Que será com a actual maioria, acho que existe uma elevada probabilidade”. E continuou: “Se o próximo Governo vai cumprir ou não, esta é uma determinação que fica contida no Orçamento do Estado para 2015 e que diz respeito a um imposto de 2015. Acontece de 2015 para 2016 como acontece em todos os anos: a liquidação do IRS ocorre sempre no ano seguinte, respeitando as regras que foram colocadas em vigor no ano a que o imposto diz respeito”.

Reforma por concluir
As outras alterações no IRS, que fazem parte da reforma propriamente dita deste imposto, o Governo ainda não as concluiu. Ao contrário do que esteve inicialmente previsto, só depois da entrega do Orçamento do Estado é que o dossier vai ficar fechado, sendo o tema que está em cima da mesa da reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira.

Tanto a reforma do IRS como as medidas da fiscalidade verde deverão ter um impacto orçamental neutro, face às previsões do OE, adiantou a ministra das Finanças. O Conselho de Ministros será “apenas um ponto de partida”. Mas há um objectivo, que a própria ministra das Finanças traçou: envolver o PS na discussão.

A base de trabalho do Governo é o projecto de reforma pedido a um grupo de dez peritos fiscais liderado pelo professor de Direito Rui Duarte Morais. Entre as várias recomendações feitas pela comissão de reforma está a adopção de um regime de tributação separada é a regra (embora um casal possa optar por continuar a ser tributado em conjunto), a introdução de um quociente familiar (em que os filhos e os ascendentes a cargo contam para o cálculo do rendimento colectável) e a passagem para um sistema de deduções fixas. Não é certo, no entanto, que todas as recomendações sejam adoptadas pelo Governo.

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