Quem tramou Zeinal Bava? Ele próprio?

Há quatro anos ninguém ousava criticar Zeinal Bava, agora os maiores elogios vêm de uma fonte anónima.

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Zeinal Bava em Outubro do ano passado, a anunciar por videoconferência a fusão da PT com a Oi Daniel Rocha

Depois de anos a dar motivos aos que o consideravam um dos melhores gestores europeus do sector das telecomunicações, as últimas decisões de Zeinal Bava à frente da PT deram razão aos que o acusavam de falta de visão estratégica. Começa agora a segunda vida do gestor que aos 14 anos quis ir estudar para Inglaterra e que defende que “ter sucesso é errar menos”.

Zeinal Bava esforçou-se para não ser arrastado pelo furacão do BES com a tenacidade que muitos lhe reconhecem, mas, desta vez, não conseguiu sair vitorioso. Talvez porque a tempestade não se confinava a uma questão de financiamento ilegítimo a um accionista (o que já seria muito muito grave), mas porque revelou ser o corolário de uma estratégia que se provou desastrosa.

Afinal, o que se passou com o gestor brilhante, visionário, que arrebatou vários prémios: bateu com a porta ou foi convidado a sair? A questão pode parecer mesquinha, mas também pode ser relevante.

O presidente da Comissão de Trabalhadores da Portugal Telecom, Francisco Gonçalves, admite que Bava “saiu pela porta pequena”, em resultado de “uma aventura [a entrada da PT na Oi] que correu mal”. Francisco Gonçalves relembra que “a aventura desastrosa” começou na estratégia para travar a oferta pública de aquisição da Sonae, através da distribuição generosa de dividendos, que “transformou a PT no Euromilhões dos accionistas”. Depois da venda da Vivo, seguiu-se o anúncio de que a PT ia comprar a Oi, mas para preocupação da comissão de trabalhadores, “a PT acabou compradora de coisa nenhuma”.

Apesar de muito crítico das últimas administrações da PT, que acusa de terem vendido o que os outros construíram, Francisco Gonçalves admite uma outra possibilidade para a saída de Zeinal do importante cargo que tinha. A de poder ser “uma fuga para a frente”, uma possibilidade mais adequada "ao perfil de líder ambicioso”, que lhe reconhece, matizada com “uma forte responsabilidade social", uma marca que deixou na empresa.

Quatro anos depois de ter descrito o então líder da PT como “um grande negociador”, João Duque, presidente do ISEG, reafirma essa qualidade de Zeinal Bava. No entanto, a referência que agora faz às competências negociais do ex-CEO da Oi dizem respeito ao facto “de ter conquistado um lugar na PT com compromissos perante o Grupo Espírito Santo, que levaram a este desfecho”. Há quatro anos, para outro perfil de Bava elaborado pelo PÚBLICO, João Duque destacava a capacidade do gestor de, “em poucos dias, ter conseguido valorizar a participação da PT na Vivo em mais 1,4 mil milhões de euros, criando uma oportunidade de ouro para os accionistas".

Para João Duque, “as condições de saída da Vivo, passo que era inevitável", continuam a pesar favoravelmente no currículo de Bava, mas o que seguiu não. “De um cenário em que a PT vai comprar a Oi passa-se para outro em que a PT vai ser descartada” e, nesta nova realidade, o gestor português “perdeu em toda a linha”, avalia.

E perante as hipóteses de Zeinal ter ensaiado um fuga para a frente, em face do gigantesco endividamente da Oi, ou de se estar a preparar para outros voos, num momento de forte consolidação no sector das telecomunicações, João Duque admite que “tudo é possível”, mas, neste caso, vê algumas dificuldades futuras no percurso do gestor que está a pouco mais de um mês de completar 49 anos. “Isto não é como os nos clubes de futebol”, diz, acrescentando que para os accionistas, que não os maioritários, fica a dúvida “se este gestor é confiável”.

Zeinal Abedin Mohamed Bava nasceu em 18 de Novembro de 1965, em Maputo, Moçambique, e teve uma ascensão meteórica na PT. E nesse percurso fez coisas consideradas visionárias.

Curiosamente ou não, há quatro anos, no tal primeiro perfil de Bava, o PÚBLICO não conseguiu pessoas que assumissem as críticas que agora se apontam ao gestor. A Sonae (derrotada na secretaria, com a abstenção do Estado na assembleia geral de accionistas decisiva para a avanço da OPA e o aceno de dividendos milionários por parte da administração) remeteu-se ao silêncio, posição em que se mantém, já que não aceitou o repto para comentar os últimos desenvolvimentos.

Esta quarta-feira, sintomaticamente, a fonte contactada pelo PÚBLICO que fez os maiores elogios à gestão recente de Bava exigiu não ser identificada. Depois da OPA, que obrigou à venda do negócio da TV cabo, Zeinal lançou o Meo, inicialmente numa plataforma desadequada, a rede de cobre, mas que rapidamente passou para a fibra óptica.

“A PT foi, senão a primeira, uma das primeiras a avançar com esta tecnologia a nível mundial”, disse ao PÚBLICO um quadro de um banco português, destacando a importância que o negócio Meo assume hoje.

Zeinal Bava chega a CEO da PT em 2008, tornando-se no presidente executivo mais jovem dos operadores históricos europeus. Antes da subida a CEO, tinha sido CFO (responsável financeiro) da PT. A carreira na empresa começara em 1999, quando entra para o grupo PT. Veio a convite de Murteira Nabo para a PT, numa fase de privatização da empresa que precisava de gente nova e conhecedora dos mercados.

"Nesta matéria ele era, de facto, muito bom", recordou ao PÚBLICO, há quatro anos, o antigo presidente da Portugal Telecom. Murteira Nabo ressalvou ainda "a bagagem muito diversificada" e "o perfil muito completo" do jovem gestor. O PÚBLICO tentou sem sucesso, nesta quarta-feira, voltar a ouvir Murteira Nabo sobre os desenvolvimentos na PT, onde ele próprio teve uma papel importante, designadamente ao nível da  internacionalização. Mas as declarações mais recentes de Murteira Nabo dizem muito sobre a gestão recente da empresa: “No meu tempo a PT nunca fez empréstimos ao BES nem a ninguém. A PT não é um banco."

Zeinal Bava, o homem cuja energia inesgotável era sublinhada em 2010 por José Tribolet, catedrático do Instituto Superior Técnico, tem revelado um capacidade de trabalho que não era indiferente aos colaboradores mais directos. Quando a sua rotina passava pela PT, chegava à empresa às 8h, onde permanecia a trabalhar durante 14 horas. O envio de SMS, de madrugada, aos colaboradores mais próximos, era frequente.

"É bem sucedido quem erra menos", defendia, com frequência, o gestor com fama de frugal e informal (os almoços de trabalho na PT eram à base de sushi e sumos).

A ambição é uma característica que muitos colaboradores próximos lhe atribuem, mas que o Bava preferia transportar para a empresa . "Não pedimos desculpas por ter ambição, pedimos desculpas quando falhamos”, dizia, com frequência, em várias reuniões.

O carácter frenético de Bava começou  a evidenciar-se na  infância. Oriundo de uma família de origem muçulmana sunita, que deixara a Índia rumo a Moçambique em 1890, Zeinal chegou a Lisboa em 1975, juntamente com os pais e uma irmã. Quando  confrontado, no Liceu Camões, com a possibilidade de ficar um nível abaixo da escolaridade cumprida em Moçambique, não se conforma e pede aos pais, que entretanto criaram uma pequena fábrica de mobiliário, para estudar na St. Julian's, em Carcavelos, uma das escolas mais prestigiadas e caras da região de Lisboa. Por não querer ficar atrás na língua inglesa, recorre a uma explicadora particular, antes de entrar na escola. Aos 14 anos, já estava a estudar na Inglaterra. Quem o incentivou? Ele próprio, garante a mãe, Banu Bava. 

Dois tios a viver no Reino Unido também ajudaram a dar um pouco de segurança ao adolescente Zeinal. Em Inglaterra, vai para um colégio interno, o Concord College. Queria ser médico, mas acaba por tirar a licenciatura de Engenharia Electrónica e Electrotécnica, na University College London. Quem o conhece diz que, mais uma vez, foi uma decisão pragmática do jovem Bava. Consultou um dos professores que lhe disse que os computadores seriam o futuro e lhe garantiriam rápido acesso ao mercado de trabalho.

O seu  primeiro emprego foi na consultora Arthur Andersen, na programação de sistemas, área de que não gostou, o que terá apressado a sua entrada na banca de investimento, através do Efisa, fundada pelo banqueiro Abdul Vakil, na altura ainda agência de investimento. Segue para o Warburg Dillon Read, que era accionista da Efisa, por um período de seis meses, que acaba por prolongar, não regressando a Lisboa tão cedo. Passa pelo Deutsche Morgan Grenfell e pela Merril Lynch nos fins da década de 1990, numa altura em que estas instituições prestam apoio às privatizações que estão a acontecer em Portugal, como as da Brisa e da PT, a que o gestor português fica associado.

O gestor que a 8 de Março de 2010 (Dia Da Mulher) foi visto a distribuir flores às funcionárias, na entrada do edifício-sede da empresa, e que criou, em 2005/2006, um programa de bolsas de estudo para trabalhadores já teve outros momentos difíceis na sua carreira. Um deles foi a tentativa de compra de cerca de 30% do canal televisivo TVI, numa altura em que era evidente e assumido o desagrado do primeiro-ministro de então, José Sócrates, face aos telejornais dessa estação, em especial o de sexta-feira.

Sendo o Estado accionista da PT, a operação, que foi justificada por Zeinal Bava pelo acesso aos conteúdos, não convenceu muita gente. Apesar da descontracção que revelou perante os deputados, com um discurso que frequentemente recorria ao inglês, Zeinal Bava reconheceu que ter saído "vacinado".

Casado com Fátima Bava - portuguesa e católica - Zeinal tem três filhos e frequenta a mesquita de Lisboa.

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