Quem ganhou e quem perdeu com a troika e com o governo de Passos Coelho?

Uma análise à forma como a despesa evoluiu entre ministérios.

Foto
Oposição tem criticado o tempo que Maria Luís Albuquerque demorou até tomar o assunto em mãos enric vives-rubio

Como é possível governar as Finanças assim? Estamos a cerca de dois meses e meio da apresentação do Orçamento de Estado (OE) na Assembleia da República. A despesa com pessoal é das mais importantes componentes da despesa pública e os organismos acabam de receber um anexo à circular (Série A 1376) com uma tabela que têm de preencher com estimativas para as remunerações ilíquidas com pessoal em três cenários: de acordo com o praticado em 2010, em 2013 e em Maio de 2014. Mais tarde, quando sair o novo acórdão do Tribunal Constitucional sobre os cortes salariais, e em função do que nele constar, será a vez de a DGO tentar juntar as peças do puzzle. Não auguro nada de bom para o próximo OE.

Neste artigo, vamos centrar-nos no subsector Estado, que integra os serviços integrados dos ministérios e que sendo apenas um dos três subsectores que integram o OE (a par dos Fundos e Serviços Autónomos (FSA) e da Segurança Social), representa cerca de dois terços da despesa e explica a quase totalidade do défice público.

Existe um conjunto de confusões, mitos e falácias em torno do Estado que importa desfazer e para isso é conveniente conhecer alguns números. Olhar para o passado recente (2010-2013) ajuda a esclarecer o impacto da crise, da troika e das opções políticas do governo de Passos Coelho. A primeira grande confusão, deliberada ou inocente, é entre despesa do Estado e despesa no Estado.

A tabela anexa esclarece a estrutura da despesa do Estado, que era de cerca de 50 mil milhões de euros em 2010, mas em que a despesa no Estado (soma de pessoal, outras despesas correntes e despesas de capital líquidas de transferências) corresponde apenas a 31% deste valor. O remanescente são juros e transferências directas para a sociedade (empresas e famílias) e para dentro das administrações públicas (administração regional e local, FSA e segurança social), uma parcela significativa das quais vai também parar às famílias através das prestações sociais pagas pela segurança social ou de serviços de saúde e educação prestados às famílias.

Aspectos relevantes a assinalar. Primeiro, o aumento brutal dos juros da dívida pública de 2010 a 2013. Esse aumento quase iguala os cortes na massa salarial do subsector Estado (doravante ministérios). Segundo, a descida a pique do investimento público que ficou reduzido a quase um quarto. Terceiro, o ligeiro aumento das transferências dos ministérios para os outros subsectores das administrações públicas, dado que estas dependem de várias leis (Lei de Bases da Segurança Social, Lei das Finanças Locais, Finanças regionais, etc.). Quarto, a redução da despesa primária do Estado (isto é, sem juros) que se deve basicamente a duas componentes, a redução da despesa com pessoal e das despesas de capital. Finalmente, o aumento muito significativo da receita efectiva, em particular da receita fiscal. Apesar dos “cortes”, sobretudo no pessoal, e da receita maior, o subsector Estado continua a apresentar um défice considerável. O PAEF acabou e a troika saiu formalmente do país, mas o ajustamento orçamental está longe do fim.

Os dados da execução orçamental permitem analisar a evolução da despesa efetiva primária consolidada por ministérios, ou áreas de ação governativa. Retiramos as transferências para outros subsectores, pois queremos saber como variou neste período, que coincide grosso modo com o governo de Passos Coelho e a estadia da troika.

Mais concretamente interessa olhar também para uma parcela importante da despesa que é a das despesas com pessoal e a forma como os diferentes ministérios foram afectados diferenciadamente pelos cortes. Trata-se de um exercício difícil por várias razões. Mudou a orgânica do governo Sócrates II para o governo de Passos Coelho (II), em 2013 já com novos ministérios (o que obriga a uma imperfeita tabela de correspondência), e houve que estimar as despesas de pessoal em saúde dos hospitais EPE em 2010. Na análise da figura, ao contrário da tabela, considerámos também estas despesas.

Apesar do carácter preliminar e provisório dos cálculos e de a análise estar limitada aos serviços integrados do Estado, podem tirar-se conclusões interessantes, se tomarmos como referência que a despesa primária (consolidada) do Estado reduziu cerca de 20% e a despesa em pessoal pouco menos. As funções de soberania surgem no topo das prioridades deste Governo: a justiça teve um grande aumento, a administração interna um menor e a defesa sofreu “cortes” mas abaixo da média no Estado. Já a segurança social teve o maior acréscimo de despesa (recorde-se que o regime não contributivo da segurança social é financiado com transferências do Estado).

Quais os sectores em que houve, proporcionalmente, maiores cortes? O ambiente, ordenamento do território e energia que, como sabemos, teve o ministério extinto (Passos I) e reactivado (Passos II), mesmo assim levou cortes substanciais. Seguem-se os serviços integrados do Ministério da Saúde, mas aqui convém recordar que a maioria das instituições da saúde (ARS, ACSS, Hospitais SPA e Hospitais EPE) ou são FSA ou estavam fora do perímetro orçamental. Os serviços centrais do Ministério da Economia e a Presidência do Conselho de Ministros (PCM) tiveram também cortes substanciais. Na PCM, que agora inclui a Cultura, a descida deve-se sobretudo aos cortes nesta área, pouco prioritária para este Governo.

Isto são os dados. Sobre as falácias e mitos da reforma do Estado preparo um extenso artigo (com Luis T. Morais) que será apresentado na conferência Gulbenkian de 6 de Outubro. Disso falaremos depois.

*Professor do ISEG/ULisboa e Presidente do Instituto de Politicas Públicas Thomas Jefferson- Correia da Serra.  
 

   

Sugerir correcção
Comentar