Queda na bolsa corrói valor das acções dos CEO

O presidente executivo do BPI, Fernando Ulrich, mantém a liderança entre os CEO com mais dinheiro em acções, mas o valor caiu 30%. Francisco Lacerda é a excepção.

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Fernando Ulrich viu o valor das acções encolher 30% Daniel Rocha
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Francisco Lacerda quebrou a tendência e viu o valor dos títulos subir face à análise anterior Miguel Manso

O presidente executivo do BPI, Fernando Ulrich, manteve intocada no último ano a sua carteira de acções do banco e continua a encabeçar o ranking dos presidentes executivos do PSI20 com o maior investimento nas empresas que lideram (1,92 milhões de euros). Mas se não houve qualquer alteração no número de títulos que detém, 2.092.180, viu-os diminuir em valor.

Há um ano, quando o PÚBLICO fez uma análise idêntica, com base nos relatórios e contas das empresas, cada acção valia 1,33 euros e, na passada sexta-feira, fecharam nos 0,92 euros. Assim, o valor dos títulos que estão nas mãos de Fernando Ulrich está agora nos 1,92 milhões de euros, quando na análise de há um ano o montante era de 2,78 milhões de euros. Ou seja, o valor caiu 30%, pressionado pela queda dos títulos da instituição que lidera no PSI 20.

O caso de Fernando Ulrich destaca-se dos restantes líderes do PSI 20, já que está nas actuais funções desde 2004 (tendo entrado para o banco em 1983) e a instituição financeira tem uma política de remuneração variável de acções, o que facilita a aquisição de títulos do banco.

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Também o presidente do maior banco privado português, Nuno Amado, e que ocupa o terceiro lugar no ranking elaborado pelo PÚBLICO, viu este seu património encolher em valor, apesar de ter aumento a quantidade de acções. O líder do BCP fez um reforço do seu portefólio em Julho do ano passado, quando subscreveu 1.821.353 títulos (a 0,065 euros por acção), subindo a sua posição final para as actuais 3.824.650 acções.

No entanto, e por via da queda das acções, que fecharam nos 0,047 euros, o valor global, de 182 mil euros, fica abaixo do dos 254 mil euros correspondentes à última análise feita pelo PÚBLICO.

Ainda na banca, o CEO do Banif, Jorge Tomé, também reforçou a sua carteira de acções (está na quinta posição), após comprar, em Outubro do ano passado, mais 12.100.000 títulos, em duas operações feitas no dia 17 desse mês. O investimento foi de 76 mil euros. Nesse mesmo dia, o gestor, que tomou posse em Março de 2012, vindo da CGD, vendeu 75.000 obrigações do Banif, arrecadando 77,5 mil euros.

Assim, Jorge Tomé (que ainda detém 100.000 obrigações do banco), reinvestiu o valor que tinha em obrigações em títulos da instituição financeira que lidera. Neste momento, e após os títulos do Banif terem fechado nos 0,0040 euros, as acções detidas por Jorge Tomé estão avaliadas em 112,4 mil euros. Há um ano, o valor que tinha em acções era de 160 mil euros. 

Na energia, António Mexia (quarta posição) mantém o mesmo portefólio que tinha desde o final de 2012: 41 mil títulos da EDP, mas que valem menos 15 mil euros, descendo para cerca de 130 mil euros (o gestor tem também 4200 títulos da EDP Renováveis).

Quem também manteve a mesma quantidade de acções foi Gonçalo Moura Martins (12.435 títulos), da Mota Engil, cuja cotação desceu de 4,32 euros para 1,99 euros, pelo que o investimento do CEO encolheu de 54.000 para cerca de 24.800 euros (oitavo lugar).

Mudança de cadeiras
Num ano em que quatro empresas do índice de referência português mudaram de liderança, o presidente da Pharol, antiga PT SGPS, destaca-se por ter constituído uma posição accionista na empresa no espaço de um mês. Segundo o relatório e contas semestral da holding, Luís Palha da Silva foi nomeado a 29 de Maio de 2015 e “passou a ser titular de 100 mil acções da Pharol a 1 de Julho”.

Atendendo à cotação da passada sexta-feira (0,27 euros), estes títulos valem aproximadamente 27 mil euros, pelo que o investimento de Palha da Silva é o sétimo, numa lista onde constam nove gestores e onde algumas empresas e CEO não foram incluídos, tal como no ano passado, por estarem ligados por laços familiares directos ao principal accionista (como Pedro Soares dos Santos na Jerónimo Martins, Paulo Azevedo na Sonae e Pedro Teixeira Duarte na construtora com o mesmo nome), ou serem sócio fundadores (como o caso de João Borges Oliveira na Altri). A análise foca-se assim nos CEO contratados para gerir as empresas, sem ligações aos grupos para além do cargo.

De fora acabou por ficar também João Castello Branco, ex- Mckinsey, que apenas este Verão substituiu Pedro Queiroz Pereira na Semapa e não ainda consta do relatório e contas semestral da empresa.

Outro dos nomes novos na lista dos presidentes executivos (ou chief executive officer, CEO, na sigla em inglês) do PSI 20 é Carlos Gomes da Silva, que desde Abril lidera a Galp. O novo presidente da petrolífera detinha em Junho 2.410 títulos da Galp (a mesma quantidade que em 2014, quando era administrador executivo), avaliados hoje em 21 mil euros (nono lugar).

Já Rodrigo Costa, que é CEO da REN desde Fevereiro (e já tinha sido CEO da ZON antes da fusão desta empresa com a Optimus, dando origem à NOS), não tem acções da empresa. O mesmo acontece com João Manso Neto (EDP Renováveis), Diogo da Silveira (Portucel) e Miguel Almeida (NOS). Pedro Norton de Matos, administrador delegado da Impresa, também não tem quaisquer títulos da dona da SIC.

A excepção dos CTT
Se quando um presidente executivo compra acções da empresa está a sinalizar “confiança e aposta no futuro da empresa”, pode fazer-se a leitura inversa quando esse investimento não acontece? O vice-presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), António Gomes Mota, entende que não. “Há gestores que por uma questão de princípio, para evitar qualquer sinalização errada que possa ser transmita ao mercado, preferem não deter acções”, disse ao PÚBLICO.

E dá um exemplo: “Imagine-se o caso de um gestor que, por uma qualquer necessidade financeira da sua vida pessoal, decide vender acções que detém da própria empresa”. Corre o risco de essa venda “ser interpretada de modo diverso pelo mercado”, afirma o também vice-presidente e administrador não executivo dos CTT.

Se há casos em que é o próprio gestor que compra directamente os títulos da empresa como demonstração de compromisso (porque em última análise será o desempenho desta que ditará o valor da sua carteira de acções), outros há em que as acções fazem parte da componente variável do salário.

Tal como no BPI, é esse o caso de Ângelo Paupério que assumiu a liderança executiva da Sonae este ano, ao lado de Paulo Azevedo. O gestor tem um total de 1.521.855 títulos, dos quais 751.429 foram comprados através do programa de remuneração variável. No total, à cotação actual (1,08 euros) esta posição vale 1.643.603 euros, o que lhe atribui o segundo lugar no ranking.

O gestor tem outro ponto em comum com Fernando Ulrich: a longevidade na empresa que lidera. Ângelo Paupério entrou no Grupo Sonae em 1989, vindo dos CTT.

Também na NOS, a parceria para as telecomunicações entre a Sonae e a empresária angolana Isabel dos Santos, existe política de remuneração em acções. O presidente, Miguel Almeida, que tinha no final do primeiro semestre do ano passado 64.859 títulos da empresa (avaliados então em 281 mil euros) terminou 2014 sem acções. A 31 de Março deste ano subscreveu mais de 27 mil títulos referentes a remuneração variável de curto e médio prazo que vendeu no mesmo dia, com um encaixe em torno de 180 mil euros.

Em Portugal a remuneração através de planos de acções não é uma prática muito utilizada. Mas os CTT adoptaram recentemente um novo modelo de remunerações que prevê que a remuneração variável de longo prazo dos administradores executivos será paga no final do mandato 2014-2016 em acções da empresa.

Actualmente, o CEO dos Correios, Francisco Lacerda, tem 3110 acções que valem 31.659 euros, acima dos 24.226 euros que valiam há um ano, e colocam o investimento do gestor em sexto lugar. O presidente dos CTT destaca-se assim como um caso de excepção já que, face aos dados recolhidos há um ano, viu o seu património mobiliário subir.

Apesar desse facto, a lista do CEO analisados vale agora, no global, quatro milhões e 98 mil euros, menos 15% do que há um ano.

António Gomes Mota lembra que, “ainda que indirectamente”, o desempenho em bolsa dos títulos da empresa influencia “de modo significativo” a remuneração variável da generalidade dos gestores executivos”.

Isto porque, “na grande maioria dos casos das empresas do PSI 20”, critérios como o total shareholder return, ou seja, o valor que se gera para o accionista através da evolução do preço da acção e dos dividendos distribuídos, “está presente e geralmente com um peso importante na grelha de critérios conducente à determinação da remuneração variável dos gestores”.

O especialista em corporate governance, que também lidera a comissão de auditoria dos CTT, recorda que o objectivo principal na atribuição de acções no salário é o de “promover um maior alinhamento de interesses entre accionistas e gestores” pois quando as acções sobem todos ganham e quando as acções descem perdem todos.

Salienta, porém, que “restringir-se a performance de uma equipa de gestão à evolução da cotação bolsista suscita um amplo debate”. Gomes Mota recorda que a evolução da cotação depende de “um amplo leque de variáveis que os gestores não controlam e que consequentemente dificilmente podem antecipar”.

E exemplifica com a revisão em baixa do rating de um país, que tem consequências directas na generalidade das empresas, ou com a tentativa falhada de venda do Novo Banco, que teve efeito nas cotações do sector bancário. Recorda ainda que a performance relativa é, nestes casos, “menorizada”.

Se um sector atravessa um período de dificuldades e uma equipa de gestão consegue um resultado que, ainda que seja fraco em termos absolutos, é melhor do que o dos seus concorrentes, esse facto não é valorizado na remuneração, explica. Com Ana Rute Silva e Rosa Soares

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