Que política para os sectores económicos?

Estado deve desenvolver uma acção empenhada na detecção e divulgação de mercados potencialmente interessantes e de vantagens comparativas dos recursos portugueses em relação a previsíveis concorrentes.

Foto
As irregularidades detectadas na concessão das ajudas agrícolas não são um exclusivo de Portugal Paulo Pimenta

A promoção do desenvolvimento de empresas na área dos bens e serviços transaccionáveis levanta as questões da identificação de sectores concretos onde focalizar a acção e, complementarmente, da desejabilidade do Governo adoptar uma atitude voluntarista na definição de sectores estratégicos (opção com largo apoio em Portugal e, de resto, assumida nalguns países com sucesso assinalável, como foi o caso da Coreia do Sul).

A experiência em Portugal não é promissora. As campanhas do trigo e o grande projecto petroquímico do antigo regime – ambos de iniciativa pública e desenvolvidos num contexto em que o Estado detinha meios de coacção assinaláveis – saldaram-se por enormes fiascos e, no segundo caso, pelo desperdício de meios financeiros escassos. No pós-25 de Abril, para além de se assumirem e prolongarem muitos projectos privados que vinham de trás, não se encontram exemplos significativos de iniciativas públicas a originarem sucessos relevantes na produção de bens e serviços.

Casos de grande importância, como seja o da indústria automóvel, resultaram antes do acarinhamento pelos poderes públicos de projectos de iniciativa privada, dominantemente externa, a que os Governos deram o necessário suporte, através de incentivos de vária ordem. E, na verdade, não se descortinam competências especiais no aparelho do Estado para identificar onde fomentar, com prioridade, o investimento. Por outro lado, um esforço desta natureza, para dar resultados, requer uma vontade prolongada e uma identidade de pontos de vista que dificilmente se coadunam com a alternância governativa característica dos regimes democráticos.

Assim, em última análise, a iniciativa da proposição tem de competir aos empresários, a quem cabe evidenciar a viabilidade de cada projecto e solicitar as condições de contexto necessárias para a possibilitar. Além disso, a decisão sobre a atribuição de incentivos ou outras vantagens propiciadoras do sucesso de cada projecto não se deve fundamentar no sector em que ele se enquadra mas sim na natureza dos bens e serviços a produzir – se transaccionáveis ou não – na qualidade das previsões do mercado potencial, no efeito sobre o desenvolvimento de outras empresas, o emprego e o valor acrescentado gerado.

Isto não quer dizer que o Estado não deva desenvolver uma acção empenhada na detecção e divulgação de mercados potencialmente interessantes e de vantagens comparativas dos recursos portugueses em relação a previsíveis concorrentes. É também muito útil a identificação de possíveis investidores e a discussão com eles, em grupos de trabalho operacionais, da efectiva qualidade das oportunidades. E ainda proporcionar algumas condições para que essas vantagens venham a ser aproveitadas quando, e só quando, se perfilar iniciativa privada nisso interessada. Claro que, na sua falta, admitir-se-ia a promoção de empresariado público – mas a verdade é que também não são promissores os resultados dos exemplos em que isso aconteceu no passado. Valerá mais determinar as razões que tolhem a iniciativa privada e tentar removê-las, especialmente no domínio do financiamento, sem quebra de responsabilidade para o investidor.

Abordemos então alguns sectores em que na presente realidade faz sentido o Estado agir como indutor de iniciativas de desenvolvimento empresarial, por estarem, aparentemente, reunidas condições de sucesso e de interesse nacional.

O exemplo da agricultura
No que respeita à agricultura e, em particular, a associada à indústria agro-alimentar – com potencialidades de benéficas interacções recíprocas – apesar de em geral dispormos de solos e clima pouco propícios, existem exemplos que levam a admitir um potencial de oportunidades de lançamento de projectos competitivos que permanecem desaproveitadas. Depois de muitos anos de inacção, o sucesso conhecido, em áreas como a produção de vinhos de qualidade, a plantação extensiva e mecanizada de oliveira e a produção de frutos secos, pelo que sugere de oportunidades desaproveitadas, evidencia uma enorme falta de empresários com informação e formação suficientes nos domínios do reconhecimento das aptidões agrícolas, das técnicas de produção, dos processos de comercialização, do controlo de gestão e do aproveitamento dos programas de apoio existentes há já muitos anos.

Só isso explicará, por exemplo, a enorme lentidão com que se estão a aproveitar as possibilidades presentes em grande parte do interland da Costa Vicentina para a produção de produtos frescos ao longo de todo o ano, mesmo sem utilização de estufas, de que os consumidores de países do centro e norte da Europa são apetentes e que atingem cotações elevadas até ao fim da Primavera. Uma análise das importações de produtos agrícolas por parte da Alemanha mostra a quota insignificante que Portugal detém e o seu grande potencial de crescimento.

Contudo, produzir e vender para o exterior em quantidades significativas, exige um forte empurrão por parte do poder político, particularmente do Ministério da Agricultura.

Primeiro, na divulgação das oportunidades (esta e outras, claro está) e dos procedimentos que poderão ajudar ao seu aproveitamento. Essa divulgação terá de ser a dois níveis: nos meios de comunicação social, particularmente na televisão, e em pontos de frequência natural pelos potenciais interessados, como escolas de pendor técnico, balcões bancários e centros de emprego, para suscitar apetência e dar a conhecer as entidades que poderão dar apoios; depois, utilizando a rede de balcões de atendimento publico personalizado, que se preconiza noutro artigo desta série, para ajudar candidatos apetentes ao aproveitamento das ajudas disponíveis, bem como portais informáticos com uma estrutura de informação de fácil leitura e orientada à acção.

Em segundo lugar, no apoio à implantação de sistemas concretos de produção, comercialização e gestão empresarial. Sem negar a existência de competências no país, a verdade é que essas competências são insuficientes ou inadequadas para produzir com eficiência resultados a curto prazo. O Governo deve investir na contratação, em países onde existe know-how de grande qualidade, de pessoas com experiência e resultados nas áreas a promover e onde haja interesse manifesto e credível para investir, mesmo com a previsível oposição de interesses ligados às universidades, aos organismos públicos que se ocupam da agricultura e de algum associativismo agrícola.

Em terceiro lugar, através dos habituais processos de facilitação do financiamento (garantias, benefícios fiscais, apoio técnico, etc.) de modo a não afastar à partida pessoas com iniciativa e orientadas para a inovação mas sem capacidade para o obter. Havendo, para cada projecto ou grupo de projectos, alguém com capacidade para fazer uma avaliação regular do seu andamento, o risco que se corre é perfeitamente controlável.

Finalmente, pelo menos durante um período necessário à entrada em regime de cruzeiro, não parece demasiado oneroso financiar parcialmente o recurso a entidades prestadoras de serviços não suportáveis por empresas de pequena dimensão ou comparticipar no risco de experimentação.

Como é óbvio, um tipo de política desta natureza aplica-se a muitos outros sectores onde a experiência seja insuficiente mas as condições de base existam. As verbas disponíveis no acordo de Parceria com a União Europeia podem perfeitamente ser utilizadas neste âmbito.

O exemplo do Turismo
Outra área dos bens e serviços transaccionáveis para que existem excelentes condições naturais é o turismo, sector que tem conhecido notável crescimento, sendo já o primeiro exportador com mais de 14% do total. O quociente “receita total / quartos disponíveis” é, contudo, muito baixo, revelando a necessidade de, por um lado, promover uma muito maior taxa média de ocupação de um parque hoteleiro que cresceu desmesuradamente nos últimos anos e, por outro, acelerar a procura em mercados externos “ricos”.

A ação concertada entre o “Turismo de Portugal I.P.”, a agência pública de coordenação da promoção turística, as direcções regionais de turismo e as empresas do sector tem tido muito bons resultados. Sendo a sazonalidade fortíssima, com taxas de ocupação muito reduzidas nas épocas baixas, essa acção tem de ser focalizada na criação de procura nesses períodos. Para além da insistência nos mercados de origem clássicos (França, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Holanda) e do seu alargamento prioritário ao Brasil, Angola e Estados Unidos, há ainda que intensificar permanências de pequena duração, seja pela promoção da realização de eventos (conferências, feiras, realizações gastronómicas, reuniões de colaboradores e de clientes de empresas, acontecimentos desportivos) seja pela implantação de estruturas de lançamento de “city breaks” por todo o país, isto é, de estadas curtas com aproveitamento à vista de boas condições meteorológicas, exigindo coordenação muito eficaz entre operadores turísticos e transportadoras aéreas.

O turismo de terceira idade, especialmente o dirigido a pessoas com rendimentos acima da média, oriundas de regiões com invernos rigorosos (países nórdicos, ilhas britânicas, etc.) tem enormes potencialidades, com a vantagem de representar estadas relativamente longas em períodos de ocupação baixa, utilizando quer infra-estruturas hoteleiras quer fogos arrendados ou adquiridos. O Governo tem aqui acção indispensável, em cooperação com os municípios, tanto para proporcionar serviços e contextos de qualidade como para patrocinar acções de promoção que não estão ao alcance de uma oferta relativamente atomizada. A disponibilização de serviços de saúde de qualidade em valências como a fisioterapia, a ortopedia e a cardiologia, a promoção da oferta de serviços domésticos certificados, o acesso a actividades de lazer de interior e de ar livre, a existência de condições de circulação pedonal e de interfaces com o transporte automóvel nas áreas comerciais e de interesse turístico, são alguns exemplos.

Importante é também a construção de portais informáticos integrados que possam ser utilizados para aceder à oferta de transportes, alojamentos e serviços complementares, sendo mesmo de considerar a possibilidade de proporcionar serviços de acolhimento personalizado, como acontece em países que são nossos concorrentes (Espanha, Turquia e Tunísia, entre outros).

O exemplo do Mar
Dando relevo ao facto de que cada área particular exige uma aproximação diferenciada, são também um bom exemplo os projectos ligados ao mar, onde se incluem, entre outros, os relativos às pescas, à marinha mercante, à aquacultura, à geração de energia, à reparação e construção naval, aos portos e a uma multiplicidade de ideias sobre a exploração da plataforma continental.

Por razões emotivas perfeitamente compreensíveis, o mar constitui uma atracção para os portugueses e uma permanente fonte de esperança; são inúmeros os textos, conferências, encontros e workshops que exaltam as potencialidades do chamado “cluster do mar”.

Contudo, têm sido raros os projectos concretos para que, mesmo após uma fase inicial alavancada com dinheiro dos contribuintes, se antevejam retornos suficientes para atrair empresários, isto é, que possam caminhar pelo seu próprio pé, sem que venham a constituir uma fonte de rendas ilegítimas para os detentores do capital e um ónus permanente para os cidadãos e para outras empresas, através de impostos ou suportando sobrecustos que lhes reduzem a competitividade.

O Governo deve estar atento a todas as oportunidades e promover mesmo a sua detecção; mas o apoio ao investimento, contratualizando incentivos que reduzam custos de contexto e mitiguem o risco envolvido, deve estar condicionado à existência de empresas privadas interessadas e a análises suportadas por hipóteses realistas.

Os três exemplos apresentados mostram bem da desejabilidade de se utilizarem aproximações diferenciadas que decorrem das características de cada sector. Têm de comum a ênfase em promover valor acrescentado na área dos bens e serviços transaccionáveis, a primazia das escolhas dos empresários sobre as áreas concretas onde investir, o cuidado em não transferir para os contribuintes os encargos com investimentos com retorno insuficiente.

 

-- Com o presente texto se conclui esta série de artigos e muitas áreas ficaram por abordar. Uma delas, particularmente relevante, é a das consequências das enormes desigualdades que existem em Portugal (económicas, culturais, etc.) sobre o crescimento e de possíveis acções para as reduzir, sem comprometer esse crescimento. Tarefa que os autores não enjeitam, mas que exige mais tempo.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários