Quase um terço das empresas em recuperação acabam na insolvência

Dos 1874 negócios em dificuldades que aderiram ao PER, um mecanismo criado pelo Governo em 2012 para aumentar os casos de viabilização financeira, 568 também têm uma falência judicial a correr nos tribunais.

Foto
Muitos PER não têm sucesso porque não passam no crivo dos credores Nuno Alexandre Mendes

Chegou a ser uma das maiores empresas do concelho de Sintra, com mais de 100 trabalhadores. Mas, no final do ano passado, a Pirbetão viu-se obrigada a recorrer ao Processo Especial de Revitalização (PER), acumulando dívidas aos mais variados credores – fornecedores, banca, administração fiscal. A vontade de se reerguer foi, porém, travada pelos tribunal, que em Janeiro recusou a aprovação do plano de recuperação da construtora. A recusa não lhe deu alternativa que não entrar em insolvência.

O PER, um mecanismo alternativo à insolvência que pressupõe negociação com credores nos tribunais, tem sido procurado por muitas empresas em dificuldades financeiras desde que foi criado, em Maio de 2012. No entanto, nem sempre o desfecho é o esperado. De acordo com dados cedidos ao PÚBLICO pelo Instituto Informador Comercial (IIC), uma consultora de gestão de crédito, 30% dos PER requeridos acabaram por resultar em insolvência.

Segundo as estatísticas desenvolvidas pelo IIC, com base nos PER entrados na Justiça desde que o mecanismo foi criado e até 21 de Julho deste ano, 568 empresas que recorreram à viabilização judicial têm também um processo de insolvência associado. Tendo em conta que houve 1874 adesões ao PER desde Maio de 2012, a taxa de insucesso é de 30,3%.

No caso dos particulares, que acumulam 1223 pedidos de revitalização através dos tribunais (ou seja, 39% do total), a taxa é inferior – 20,2%. Isto porque, do total de adesões, apenas 245 resultaram em falências judiciais. Juntando famílias e empresas, a fasquia global é de 26,3%, já que se registou 3097 PER, em que 815 estão associados a insolvências.

É de salientar que poderá haver situações em que a insolvência vem primeiro, seguindo-se um PER. Mas, como explica o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ), esses casos são a excepção. “Efectivamente assistimos a muitos casos em que, por variados motivos, as empresas se vêem obrigadas a recorrer à insolvência por fracasso do PER. O contrário acontece, mas é muito raro”, afirmou Inácio Peres. 

Os motivos prendem-se, desde logo, com o facto de muitos negócios recorrerem à viabilização quando, de facto, deveriam seguir logo para a falência judicial porque já há incumprimentos e as probabilidades de recuperação são reduzidas. O presidente da APAJ diz que a esses casos se somam muitas situações em que os planos de recuperação ao abrigo do PER “não são aprovados, não são homologados pelo tribunal ou, simplesmente, não são cumpridos”, restando-lhes, por isso, a insolvência. Nesta última situação, de incapacidade de cumprir o plano acordado com os credores, está, por exemplo, a Moviflor.

De facto, dados cedidos recentemente ao PÚBLICO pelo Ministério da Justiça mostram que, dos 2256 PER entrados em 2012 e 2013, 535 não foram bem-sucedidos devido a falta de acordo com os credores (284), recusa na homologação por parte do juiz (131) indeferimento liminar (103) e declaração de incompetência (17). Uma vez na insolvência, as empresas também podem ambicionar a recuperação, mas estima-se que isso só aconteça em 1% dos casos.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Economia sobre se a revisão do PER, um pedido feito pela troika que será incluído num plano que o Governo está a desenvolver para aumentar a recuperação de empresas, trará mudanças que reduzam os casos em se segue para a insolvência, mas não obteve resposta.

O executivo tem em marcha um conjunto de medidas para lidar com o sobreendividamento das empresas nacionais, estando por exemplo em cima da mesa a criação de sistemas de alerta, desenvolvidos pelo Banco de Portugal, para que as dificuldades financeiras sejam detectadas (e resolvidas) a tempo. 

Salários recusados
Estes dados vêm dar força aos receios dos trabalhadores de empresas em PER ou em insolvência com planos de recuperação, que têm visto a Segurança Social recusar-lhes o acesso ao Fundo de Garantia Salarial (FGS) – criado para pagar uma parte dos salários e outros créditos devidos aos funcionários quando há falência judicial ou uma situação económica difícil. O entendimento dos serviços tem sido mais restritivo e alguns casos chegaram aos tribunais.

A recusa dos requerimentos tem por base vários argumentos usados pelos serviços e pelo próprio Ministério do Emprego e da Segurança Social. No caso da Novopca, declarada insolvente em Maio de 2011 e que posteriormente foi alvo de um plano de recuperação homologado em Janeiro de 2012, o pedido dos trabalhadores para accionar ao FGS foi indeferido porque “os créditos requeridos serão extintos por força da homologação do plano de recuperação da empresa”. 

Estas justificações foram arrasadas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que já deu razão a um trabalhador e obrigou o FGS a pagar. Na sentença, o tribunal alerta que se o entendimento do gestor do fundo, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, fosse adoptado,“os trabalhadores poderiam ficar irremediavelmente penalizados e desprotegidos”, pois se o fundo “se afastasse perante a mera promessa de pagamento, consubstanciado num qualquer plano de insolvência, tal tornaria inútil o regime instituído”.

Sugerir correcção
Comentar