PSD contra excepção da ministra das Finanças nos salários dos reguladores

Estatutos dos supervisores da bolsa e dos seguros, tutelados por Maria Luís Albuquerque, contrariam lei-quadro e parecem abrir a porta a uma equiparação aos vencimentos do Banco de Portugal.

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Alteração aprovada por Maria Luís Albuquerque está a ser criticada pelos deputados do PSD Daniel Rocha

O PSD está contra a excepção salarial dada pela ministra das Finanças à administração dos reguladores da bolsa e dos seguros. Paulo Baptista Santos, deputado social-democrata que esteve envolvido no desenho final da lei-quadro dos supervisores, admite levar o assunto ao Parlamento. Ao contrário do que prevê a legislação, os estatutos destas duas entidades dão margem para uma equiparação aos vencimentos do Banco de Portugal, tal como sempre foi a sua pretensão.

Os diplomas, publicados em Diário da República na semana passada, acrescentam um critério aos que a lei-quadro estabelece para a definição dos salários do conselho de administração – uma tarefa que cabe às comissões de vencimentos que passam a existir junto de cada supervisor. Tanto nos estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) como do Instituto de Seguros de Portugal (agora designado por Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, a ASF), é adicionado um critério que permite a harmonização salarial ao banco central, que foi excepcionado da lei-quadro.

Os requisitos de base estavam repartidos por cinco alíneas: a dimensão, complexidade, exigência e responsabilidade do cargo; o impacto das taxas ou contribuições que a entidade estabelece ou aufere; as práticas habituais no sector de actividade em que opera; a conjuntura económica e, como referência, o vencimento mensal do primeiro-ministro; e, por fim, outros critérios que se adeqúem à especificidade do sector.

No caso da CMVM, é acrescentado que a comissão de vencimentos deve ter em conta “as práticas habituais de mercado no sector financeiro, nomeadamente para os titulares das restantes autoridades de supervisão financeira”. Nos estatutos da ASF, vai-se ainda mais longe. “Para além dos critérios de fixação das remunerações” previstos na lei-quadro, “a comissão de vencimentos tem em consideração as práticas habituais de mercado no sector financeiro, nomeadamente para os titulares das restantes autoridades de supervisão financeira e a participação no Conselho Nacional de Supervisores Financeiros”, lê-se no documento. Deste órgão fazem parte, precisamente, a CMVM, a ASF e o Banco de Portugal.

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre a validade e o objectivo destas alterações aos pressupostos da lei-quadro, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.

 PSD quer intervenção da AR
Já o PSD tem uma opinião clara sobre esta matéria. O deputado social-democrata Paulo Batista Santos, que esteve envolvido no desenho final da lei-quadro e subscreveu uma proposta a par de outros deputados do PSD e do CDS para que fosse tido como referência nos salários dos reguladores o do primeiro-ministro, entende que estas alterações “não respeitam o espírito do legislador”, acusando que se trata de “uma forma enviesada de usar os pontos que ficaram estabelecidos na lei”.

Batista Santos explicou que, quando a lei-quadro foi debatida no Parlamento, “foi feita uma comparação salarial entre a CMVM, a ASF e as suas congéneres em Espanha”, tendo-se concluído que “não havia grandes diferenças em relação ao salário do primeiro-ministro” nos reguladores da bolsa e dos seguros do país vizinho. E, por isso, não vê “nenhuma boa razão para que [a CMVM e a ASF] não cumpram as normas”. O social-democrata diz mesmo que, a manter-se esta excepção nos estatutos dos dois reguladores, “o Parlamento deverá voltar a revisitar essa norma [da definição dos vencimentos] para a clarificar”.

Outro dos deputados que subscreveu a proposta de alteração à lei-quadro, Hélder Amaral (do CDS), não se mostrou tão crítico em relação à CMVM, considerando que a excepção “não choca” porque é preciso “analisar caso a caso”. Mas acrescentou que “não se pode colocar a ASF ao mesmo nível”.

Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, o facto de a CMVM e a ASF terem sido bem-sucedidos nesta sua pretensão também foi visto com “alguma estranheza” por outros reguladores, tendo em conta que uma das metas da lei-quadro era proceder a uma harmonização entre estas entidades. “O objectivo inicial era esse, mas ficou pelo caminho pelo menos no que toca às remunerações” disse ao PÚBLICO fonte de um dos supervisores que não quis ser identificada.

 Pretensões satisfeitas
Os salários dos reguladores foram sempre um dos temas mais polémicos da lei-quadro que o Governo aprovou em Agosto de 2013, na sequência de uma imposição da troika, que exigia um reforço dos poderes e da autonomia destas entidades. No decurso da consulta pública, a CMVM e a ASF não esconderam a pretensão de ficarem alinhados com o banco central. Aliás, pediram mesmo para beneficiar da mesma excepção a todas as regras da lei-quadro.

No parecer do regulador da bolsa, pedia-se “a exclusão dos supervisores financeiros do âmbito subjectivo da aplicação da lei”. Mas, se tal não acontecesse, e para evitar “um regime remuneratório conducente à redução da independência e à degradação da qualidade da regulação”, exigia-se que fosse criada uma única comissão de vencimentos para os três reguladores financeiros no sentido de “tendencial paridade estatutária”.

Já a ASF, que também queria uma isenção da lei-quadro, afirmava que “o adequado funcionamento do sistema de supervisão do sector financeiro supõe o mesmo modelo de independência das três autoridades”. E, no que toca aos salários, considerava que as regras previstas configuravam “um retrocesso ao regime de equivalência em matéria remuneratória entre as autoridades de supervisão financeira”.

No Banco de Portugal, não há qualquer limite ou critério para a definição dos vencimentos dos administradores, ao contrário do que acontece na lei-quadro de que a entidade foi isentada. A lei orgânica do banco central, liderado por Carlos Costa, refere apenas que os membros do conselho de administração “têm direito à retribuição que for estabelecida anualmente por uma comissão de vencimentos composta pelo ministro das Finanças ou um seu representante (...), não podendo a retribuição integrar qualquer componente variável”.

De acordo com o site do Banco de Portugal, o governador auferiu 15.234, 14 euros por mês em 2014. O salário mensal do primeiro-ministro, que é tido como referência na lei-quadro dos reguladores, é de 6850,24 euros.

A versão inicial da lei-quadro era muito mais restritiva, limitando mesmo os salários ao do primeiro-ministro. Mas o Governo acabou por recuar, aceitando apenas que esse valor servisse de indicação, como previa a proposta de alteração do PSD e do CDS. 

 Com mais de um ano de atraso, ainda faltam dois estatutos
O Governo deveria ter finalizado a adaptação dos estatutos dos reguladores à lei-quadro de 2013, mas ainda há dois diplomas por publicar em Diário da República, apesar de as alterações já terem sido aprovadas em Conselho de Ministros: o da Autoridade Nacional de Comunicações e da Autoridade Nacional da Aviação Civil. Neste último caso, o executivo já assumiu que também haverá lugar a excepção, visto que, ao contrário do que prevê a lei, os administradores poderão ser reconduzidos no cargo.

A lei-quadro estabelece mandatos de seis anos, não renováveis. Um dos próximos a ter de sair é precisamente o líder da CMVM, Carlos Tavares, que foi reconduzido em 2010 e cessará funções em Outubro deste ano. Já o presidente da ASF, José Figueiredo Almaça, foi nomeado já pelo actual Governo, a 1 de Setembro de 2012 e por cinco anos.

A lei-quadro foi elaborada pelo ex-secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, hoje administrador do Banco de Portugal. A sua saída do Governo, no final de 2013, abriu a porta a que fossem criadas algumas excepções. Além do banco central, também ficou isenta a Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

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