Produtores receiam perder margem negocial com entrada da JM no sector do leite

Dona do Pingo Doce vai comprar, por trespasse, a fábrica da Serraleite, em Portalegre, antes de avançar para a construção de uma unidade de raiz. Negócio aguarda luz verde da concorrência.

Foto
Serraleite recolhe anualmente 20 milhões de litros na região do Alentejo Helena Colaço Salazar

A Jerónimo Martins vai comprar a fábrica de transformação de leite e de produção de derivados da Serraleite, em Portalegre, num negócio que passa, para já, pelo trespasse destes activos. Mas para a Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite (Fenalac) a entrada do grupo, dono do Pingo Doce, no sector vai aumentar o seu poder negocial na fileira, já que, além da prateleira, passa também a controlar a produção.

Fernando Cardoso, secretário-geral da Fenalac, acredita que um dos riscos do negócio (a aguardar luz verde da Autoridade da Concorrência) é o aumento da concentração no mercado, já de si disputado por escassas empresas. “É de todos conhecida a posição que a distribuição tem entre todos os fornecedores. É um poder demasiado e não é benéfico para as relações económicas”, disse ao PÚBLICO.

Fernando Cardoso acrescenta que com a compra dos activos da Serraleite – com quem o Pingo Doce tem há muito uma relação comercial – “fecha-se o ciclo e entra-se numa área que, até agora, era da produção”. “Neste caso concreto, qual será o desfecho no dia em que a Jerónimo Martins já não quiser este negócio? Qual será o destino dos produtores? Para a empresa o impacto será diminuto, para os produtores uma catástrofe”, analisa.

Os principais operadores da grande distribuição têm investido cada vez mais na área da produção, seja através de clubes, organizando fornecedores que têm de cumprir regras específicas, seja em plataformas de transformação (de carne ou peixe), por exemplo.

A Jerónimo Martins há muito que tem planos para investir directamente na agricultura e, em 2009, fez um acordo com a Serraleite para reforçar a produção. Na altura, Pedro Soares do Santos, presidente executivo, admitiu que a sua visão para o projecto conjunto era criar uma “Lactogal II”, que detém a marca Mimosa e domina o mercado do leite. Mais tarde, em 2012, o grupo justificou a entrada neste sector “com a necessidade de proteger as fontes de abastecimento”.

O argumento não convence a Fenalac, que tem entre os seus associados a própria Serraleite. “É um operador como qualquer outro, tem legitimidade para se envolver nos negócios, mas, ao contrário do que diz, há garantia de abastecimento. Estamos a falar de um produto no qual não somos deficitários”, diz Fernando Cardoso.

Fonte da Jerónimo Martins recorda que a compra por trespasse da fábrica da Serraleite inclui os seus trabalhadores e não é uma novidade. “Destina-se apenas a gerir a continuidade da operação no período de transição, até a nova fábrica estar pronta para operar”, disse, referindo-se ao investimento de 40 milhões de euros que será inaugurado no primeiro trimestre de 2017.

“Considerando o aumento da capacidade produtiva, o escoamento da produção leiteira dos actuais associados da cooperativa estará assegurado e haverá, certamente, espaço para outros produtores se associarem à Cooperativa. Para além disto, a Serraleite terá uma participação no capital da Jerónimo Martins Lacticínios”, a empresa através da qual foi feita a aquisição por trespasse.

A nova fábrica vai transformar o leite dos associados da cooperativa de Portalegre, que mantém na sua posse a marca Serraleite e é responsável pela sua comercialização. Além de leite UHT, será produzida manteiga e natas.

A Serraleite recolhe anualmente 20 milhões de litros na região do Alentejo, o que equivale a 1% do total da recolha nacional.

Sugerir correcção
Comentar