Procura e juros de leilão de dívida reforçam argumentos para "saída limpa"

Operação mostrou que há uma base de investidores, essencial para avançar para futuros leilões com algum conforto.

Foto
Portugueses beneficiam com a queda das Euribor Pedro Cunha

O simbolismo do leilão de quarta-feira, através do qual o Estado colocou 750 milhões de euros de dívida pública no mercado, foi bastante maior do que a dimensão da operação. Era a primeira vez que o IGCP, a agência que gere a dívida pública, tomava contacto com os investidores sem o suporte de um sindicato bancário desde que houve a intervenção da troika de credores.

O ambiente das taxas de juro era propício e o montante era pouco elevado (entre 500 e 750 milhões de euros), mas os sinais recebidos seriam importantes para perceber até que ponto Portugal tem condições para voltar a financiar-se em pleno junto dos mercados. Ou seja, qual o ambiente se o Governo optar por uma “saída limpa”, como sucedeu com a Irlanda, que acabou por não enveredar por um programa cautelar. Nesse sentido, e tendo colocado o máximo de dívida que estava indicado, 750 milhões de euros, os defensores de uma saída sem uma linha de crédito preventiva (e o apoio explícito do BCE) ganharam novos argumentos.

A procura excedeu quase em 3,5 vezes o máximo da oferta, chegando aos 2603 milhões de euros. Quanto aos juros, ficaram-se pelos 3,575%, um valor historicamente baixo e menor do que o preço praticado no mercado secundário (onde os investidores negociam os títulos entre si). “Pelo menos desde 2006 que não encontramos nenhum leilão com uma taxa tão baixa, o que não deixa de ser surpreendente. Em 2006, emitíamos dívida a 10 anos a pagar 3,94%", assinalou Filipe Silva, director de gestão de activos do banco Carregosa.

Em Fevereiro deste ano, numa operação sindicada (através da qual os bancos sondam primeiro o interesse dos investidores, facilitando o sucesso da operação) que colocou três mil milhões de euros de dívida, a taxa tinha sido de 4,65%. Para Filipe Silva, "o mais surpreendente" é que a taxa do leilão "conseguiu ser ainda mais baixa do que a emissão que está no mercado secundário”, cujos juros estavam quarta-feira nos 3,65%, tendo chegado aos 3,62% após a operação, atingindo o valor mais baixo em oito anos, segundo a Reuters. Este analista realçou, no entanto, que o montante colocado foi "muito pequeno” e que "basta o interesse de um ou dois grandes investidores para absorver esta oferta”.

Um outro analista, Tiago da Costa Cardoso, da XTB Portugal, afirmou que "embora ainda não exista, para já, uma estratégia definida em relação à saída do programa de ajuda, com este resultado poderemos estar cada vez mais perto de uma saída limpa, semelhante à da Irlanda". Este país, que não avançou para os mercados sem o apoio de um sindicato bancário enquanto esteve sob intervenção da troika, realizou há um mês um leilão de dívida a dez anos, a um juro de 2,967%.

Sobre a operação de quarta-feira, Lefteris Farmakis, analista do Nomura, destacou, citado pela Reuters, que “quanto mais dinheiro for levantado no mercado, com baixas taxas de juro, mais incentivos há para [o país] apostar numa saída limpa”. "Um financiamento a 3,5%, a dez anos, significa que é mais improvável” Portugal recorrer a um programa cautelar, defendeu Farmakis, para quem a separação entre uma “saída limpa” e um programa cautelar poderá, afinal, “não ser assim tão grande como se pensava”.  

Um desafio, no entanto, é a manutenção deste nível de taxas de juro. Os países da periferia da Europa, como Portugal, têm beneficiado fortemente de um ambiente propício de baixa de taxas de juro, devido, em grande parte, ao BCE. Conforme já noticiou o PÚBLICO, os investidores estão mais confiantes em arriscar neste tipo de títulos desde a garantia de Mario Draghi de que o BCE faria tudo para salvar o euro e, mais recentemente, com o aparecimento de indicadores económicos menos negativos nos países e a perspectiva de compra de activos por parte do banco central.

Neste contexto, os investidores têm optado por assumir o risco de voltar a aumentar a sua exposição aos países periféricos, com taxas de juro mais atractivas do que outros países do euro. Nada garante, no entanto, que as taxas se mantenham a estes níveis. Qualquer movimento, interno ou externo, pode acentuar a volatilidade dos mercados e fazer subir os juros cobrados pelos investidores.

Para já, enquanto a questão do preço de financiamento não se coloca, o IGCP mostrou que há uma base de investidores, essencial para avançar para futuros leilões com algum conforto. Neste caso, ao contrário das emissões sindicadas, não é possível saber quais os tipos de investidores (se são mais de curto ou longo prazo) e suas geografias. Por colocar estão ainda cerca de 4,9 mil milhões de euros em Obrigações do Tesouro, devendo o IGCP avançar para novas operações de leilão. Este montante, tal como o arrecadado com a operação de quarta-feira, servirá para amortizar dívida que irá vencer em 2015.

Logo após terem sido conhecidos os resultados da operação de quarta-feira, começaram a surgir as reacções oficiais. O porta-voz de Olli Rehn, o vice-presidente da Comissão Europeia, destacou que o leilão “é mais um sinal positivo do regresso de Portugal aos mercados”, e o Governo aproveitou para sublinhar que o Estado tem condições para pagar a sua dívida. “Numa altura em que estamos a regressar aos mercados, a conseguir taxas de juro tão boas, vamos colocar a hipótese de não querer pagar financiamento, de não querer pagar a dívida? Isso é que me parece completamente absurdo. Parece-me que só seria masoquista [para o país] ”, afirmou o ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, num encontro com jornalistas. Quanto ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, optou por destacar que o leilão veio dar “bastante confiança para o futuro". Com Pedro Crisóstomo

Sugerir correcção
Comentar