Presidente da Standard & Poor's defende agência contra acusação de fraude

Doug Peterson falou pela primeira vez sobre o processo de fraude civil entreposto pelo Governo norte-americano à Standard & Poor's e que pode levar a maior agência de rating à falência.

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Caso seja considerada culpada, a maior agência de rating terá provavelmente que fechar portas Brendan McDermid/Reuters

O presidente da Standard & Poor's veio a público pela primeira vez comentar a acusação de fraude civil do Governo norte-americano contra a agência de rating. Nesta sexta-feira, a agência enviou um vídeo aos seus clientes com declarações de Doug Peterson, em que o presidente da agência reconhece que as “opiniões” acabaram “por ser insuficientes para antecipar a velocidade, a profundidade e a duração da crise do imobiliário”, mas negou que esta incapacidade tenha surgido por “qualquer falha de conduta na S&P”.

Em defesa da Standard & Poor’s, Doug Peterson afirma que “podem ter havido opiniões divergentes dentro da S&P”, reconhecendo novamente que algumas dessas posições podem ter sido “defendidas assertivamente”. Mas o presidente da agência de rating insiste: “Isto não é prova de fraude”.

Em Fevereiro, o Governo norte-americano acusou a Standard & Poor’s de fraude civil, argumentando que a agência manipulou deliberadamente os ratings de produtos financeiros com vista a aumentar os seus lucros. Os EUA podem pedir até 5000 milhões de dólares (cerca de 3800 milhões de euros) de indemnização à S&P e à McGraw-Hill, empresa-mãe da agência de rating, também visada na acusação governamental.

A S&P rejeitou prontamente as acusações do Departamento de Justiça norte-americano, afirmando que estas “não eram merecedoras de crédito”.

A defesa da primeira emenda

Nas declarações divulgadas nesta sexta-feira, Doug Peterson refere-se aos ratings da Standard & Poor’s como “opiniões”. O argumento de que as avaliações das agências de notação financeira não são mais do que opiniões e que, por isso mesmo, estão protegidas pelo direito à liberdade de expressão, sempre serviu como uma barreira intransponível nos tribunais.

Como explicaram três especialistas na área dos mercados de rating ao PÚBLICO, numa reportagem publicada em Fevereiro, o Departamento de Justiça norte-americano terá de contornar a argumentação da liberdade de discurso e da defesa da primeira emenda da constituição dos EUA se quer vencer o processo de fraude civil contra a Standard & Poor’s.

O Governo norte-americano pode estar bem encaminhado para evitar esse argumento. Isto porque a acusação do Executivo baseia-se no prejuízo de 5000 milhões de dólares que as avaliações erradas da agência terão causado a instituições financeiras governamentais.

Assim, provando-se que esta manipulou deliberadamente os ratings, um processo sob as regras do apelidado Martin Act, poderia obrigar o Governo a provar apenas que os ratings da S&P levaram directamente a estas perdas e assim ganhar o caso.

S&P contesta provas

O Governo teve acesso a emails e mensagens trocadas entre responsáveis da agência no processo de avaliação aos compostos hipotecários, que apresentou como sendo provas de que a agência manipulou deliberadamente os ratings.

De acordo com esses documentos, vários responsáveis teriam conhecimento de que a maior parte das garantias de dívida incluídas no composto financeiro conhecido como Octonion I tinham uma classificação abaixo de Bbb+; a terceira pior marca da agência.

No entanto, a agência ignorou estes alertas internos, que apontavam igualmente para o risco de falência de um outro cabaz de dívida hipotecária, conhecidos como os subprime.

Se, por um lado, o Governo diz que estas são provas gritantes da responsabilidade da S&P na queda dos mercados financeiros, o presidente da S&P afirmou nesta sexta-feira que não considera que o Executivo tenha um caso forte.

Referindo-se novamente aos ratings errados emitidos pela agência, Doug Peterson declarou aos clientes da Standard & Poor’s que a agência se “arrepende profundamente” de o ter feito. Em todo caso, diz o presidente daS&P, a empresa “não acredita que o Governo consiga provar que isto foi o produto de uma falha de conduta intencional de quem quer que seja dentro da S&P”.

Primeiro Governo a enfrentar a indústria de ratings

A responsabilidade das agências de rating na explosão da crise económica de 2008 foi discutida várias vezes. Tantas vezes foi feita essa correspondência que vários processos em tribunal levaram as agências a responder pelos seus ratings, mas sem sucesso. Este processo de fraude civil trata-se, porém, da primeira acção legal de um Governo contra uma agência de rating.

No período que antecedeu ao colapso do sistema financeiro norte-americano, em 2008, as três principais agências de rating - S&P, Moody’s e Fitch – avaliaram com notas máximas a qualidade de produtos financeiros de dívida hipotecária colateral (“Collateral Debt Obligations”, em inglês).

Com a falência destes produtos, que agregavam pacotes de dívidas hipotecárias com notações muito abaixo do triplo-A com que eram avaliados, o sistema financeiro norte-americano entrou numa erupção que desencadearia a queda do grande banco de investimentos Lehman Brothers e que facilitaria a propagação da crise financeira por todo o mundo.

De acordo com o que foi avançado em Fevereiro pela imprensa norte-americana, o Executivo de Barack Obama já se encontrava em negociações com a Standard & Poor’s há cerca de três anos. Este processo terá falhado em Fevereiro. A agência de rating terá recusado admitir que manipulara o mercado da notação financeiro e não aceitava pagar uma multa superior a 100 milhões de euros; muito inferior aos 5000 milhões de dólares que o Governo diz que foi o prejuízo das instituições financeiras pela crise.

O montante que pode ser exigido à Standard & Poor's corresponde a mais de cinco anos de lucros da empresa-mãe, a McGraw Hill. Ao PÚBLICO, os investigadores e especialistas defendem que, a confirmar-se este montante, a maior agência de notação financeira do mundo iria provavelmente à falência.

Os especialistas avançam ainda que o processo contra a Standard & Poor's poderá ser um balão de teste antes de o Governo avançar para um processo legal contra a Moody's e até a Fitch.

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