Presidente da Refer não terá lugar na administração após fusão com a Estradas de Portugal

Quadros da ferrovia temem que o processo leve à perda de competências e de conhecimento relacionado com os caminhos-de-ferro.

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Ministro da Economia tinha garantido que a fusão avançaria em Abril Rui Gaudêncio

A comissão que vai proceder à fusão da Refer com as Estradas de Portugal – e que na prática será o seu primeiro conselho de administração – não deverá contar com o actual presidente da gestora da rede ferroviária nacional, Rui Loureiro, e deverá ser liderada por António Ramalho, que é hoje o responsável máximo da segunda empresa. O grupo, que aguarda nomeação por despacho do Governo, contará também com Ribeiro dos Santos e Alberto Diogo, ambos administradores da Refer.

Rui Loureiro, ex-quadro da Sorefame e da Bombardier, foi uma nomeação directa do primeiro-ministro, pelo que não deverá regressar à situação de reformado, estando prevista a sua colocação no IMT ou na Metro de Lisboa/Carris, cuja fusão operacional aconteceu em 2012 mas que continuam juridicamente separadas. Deverá ser o actual presidente da Estradas de Portugal e antigo presidente da CP (entre 2004 e 2006), António Ramalho, a tomar as rédeas desta comissão, que se encarregará de preparar a fusão e que assumirá a administração da nova empresa, a Infra-estruturas de Portugal.

Desta comissão fará também parte Ribeiro dos Santos, vice-presidente da Refer e que tem a seu favor ter pertencido à Rave (Rede de Alta Velocidade, que pertencia à primeira empresa) e à Junta Autónoma das Estradas (JAE). Além disso, tem experiência na gestão de infra-estruturas rodoviárias, já que foi assessor do conselho de administração da Estradas de Portugal entre 2006 e 2007.

O mesmo deverá acontecer com Alberto Diogo, que tem o pelouro financeiro da Refer e que foi nomeado pela actual ministra das Finanças. Maria Luís Albuquerque trabalhou, aliás, directamente com Alberto Diogo, já que este foi seu superior hierárquico quando a ministra trabalhava na direcção financeira da gestora ferroviária.

O elenco da futura administração da mega empresa de capitais públicos não é ainda conhecido e, provavelmente, não está ainda completamente fechado. É que este deverá contemplar pelo menos um elemento ligado ao CDS/PP, tendo em conta a coligação governamental e o facto do ministro da tutela, Pires de Lima, ser daquele partido. Por outro lado, é ainda necessário atender à igualdade do género – não é entendido como adequado um conselho de administração de uma empresa tão estratégica composto apenas por homens.

O despacho de nomeação da comissão já é esperado há algum tempo, até porque o ministro da Economia chegou a afirmar que a fusão avançaria em Abril. No início deste mês, Pires de Lima rectificou as declarações, referindo que espera que a nova administração (ou seja, a comissão) seja nomeada ainda em Julho.

Há dúvidas sobre se esta nomeação não deveria passar pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, que dá pareceres prévios, embora não vinculativos, sobre os gestores públicos escolhidos pelo Governo. Se os nomes forem indicados ao abrigo do Estatuto do Gestor Público, a avaliação torna-se obrigatória, mas não é certo que tal aconteça, embora se trate de um grupo que muito provavelmente constituirá a administração da nova empresa.  

Fusão gera receios na ferrovia
O surpreendente anúncio da fusão da Refer com a Estradas de Portugal não correspondeu a nenhuma vontade dos dois sectores – ferroviário e rodoviário – nem a nenhuma imposição da troika. Não estava contemplado no programa do Governo e também não há nenhuma recomendação da União Europeia nesse sentido. Na Refer, a notícia foi recebida com estupefacção e incredulidade. Com excepção de alguns países nórdicos, não é normal que as gestoras públicas da ferrovia e da rodovia sejam uma só entidade.

Num contexto em que as medidas governamentais têm os cortes como prioridade, os funcionários da Refer temem pelo seu futuro, sobretudo os que não estão directamente ligados à actividade operacional e que poderão ver os seus departamentos unirem-se aos da outra empresa com a consequente eliminação de "gorduras".

Mas há outros receios – estes também partilhados pelos ferroviários da CP – que têm a ver com a diluição de competências e de conhecimento ligado ao sector no âmbito de uma casa maior como será a Infra-estruturas de Portugal. O caso do IMT é paradigmático: desde que, em 2007, o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário foi absorvido pelo então IMTT, praticamente desapareceu o regulador ferroviário que tinha sido criado em 1998. Com essa integração, perdeu-se a dinâmica que existira na regulação do sector dos caminhos-de-ferro, apesar de, formalmente, se terem continuado a transpor directivas comunitárias e de o quadro normativo estar em conformidade. O problema é que este não funciona de forma cabal.

Um exemplo dessa regulação ausente foi a necessidade que a CP teve de, há duas semanas, tornar público um comunicado no qual avisa que não deixará de pedir responsabilidades e indemnizações devidas pelos três descarrilamentos que, no espaço de mês e meio, ocorreram na linha da Beira Alta, envolvendo comboios de mercadorias (dois da Takargo e um da CP Carga). Na Refer, o comunicado foi visto como inoportuno e desprovido de sentido institucional, até porque nenhum dos inquéritos aos três descarrilamentos está ainda concluído. Mas a verdade é que, em condições normais, com um regulador eficaz, este tipo de incidentes que envolvam o gestor da infra-estrutura (Refer) e operadores ferroviários (CP e Takargo) seriam resolvidos serenamente. Mas com um regulador ferroviário perdido numa entidade burocrática e gigantesca como é o IMT, as relações entre as empresas não estão totalmente clarificadas.

Com a Refer, por sua vez, diluída numa nova entidade, aumenta para os quadros ferroviários o receio de uma maior inoperacionalidade associada a uma maior perda de respeitabilidade do sector. O desalento sentido dentro da Refer levou mesmo o seu presidente a reunir há duas semanas os quadros de primeira linha da empresa, para os incentivar a trabalhar com o mesmo entusiasmo, fazendo-lhes recordar que a actividade da empresa já era, até 1998, desenvolvida no âmbito da CP e que continuará a sê-lo no âmbito da futura Infra-estruturas de Portugal.

Com esta nova empresa, o Governo estima que irá alcançar poupanças de 50 milhões de euros, já a partir do primeiro ano, que crescerão até aos 115 milhões no quinto ano após a fusão. A Infra-estruturas de Portugal terá a cargo mais de quatro mil trabalhadores e, de acordo com cálculos feitos pelo jornal i, ficará com 60% dos projectos previstos no Plano Estratégico de Transportes e Infra-estruturas, num total de 3500 milhões de euros.

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