Portugueses compram cada vez menos marcas da distribuição

Promoções em produtos com marca de fabricante baixam preços e levam consumidores a comprar menos marcas alternativas.

Foto
Consumo está a sustentar o ritmo de crescimento Daniel Rocha

São mais baratas e oferecem produtos equivalentes mas em tempos de travão no consumo não estão a conseguir ganhar quota de mercado. As marcas da distribuição (que começaram por ser de chamadas de marca branca, ou seja, sem qualquer logótipo) estão a perder quota de mercado desde 2012, e nos primeiros seis meses de 2014 recuaram dois pontos percentuais em comparação com o mesmo período de 2013. De acordo com o Barómetro da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), no carrinho de compra dos portugueses, 36,2% dos produtos ostentam a marca do híper ou supermercado, mas há um ano o peso era de 38,2%.

Ao mesmo tempo, as marcas de fabricante, ou seja, detidas pelas empresas de grande consumo (como a Nestlé, Unilever ou a Procter and Gamble) conseguiram crescer. Os dados da Nielsen, citados pela APED, mostram que a quota cresceu de 61,8% no primeiro semestre do ano passado, para 63,8% no mesmo período deste ano, ou seja, dois pontos percentuais. Este é um cenário bem diferente do que se verificava em 2012. Até esse ano, as marcas da distribuição estavam a ganhar terreno, conquistando sucessivamente quota de mercado. O Barómetro da APED dava conta de um peso de 37,3%%, que desceu para 35,7% em 2013.

Afinal, o que mudou? Distribuição e indústria têm explicações diferentes.

Para conseguirem conter o recuo nos gastos, provocado pela crise económica e financeira, os maiores fabricantes viram-se obrigados a reforçar as promoções oferecendo, por exemplo, dois produtos pelo preço de um, ou apostando em campanhas que apelavam ao consumo “das marcas de sempre”. Os preços aproximaram-se e, na hora de comprar, os portugueses optaram pelos produtos mais reconhecidos, tendo em conta a reduzida diferença de valores. Pedro Pimentel, director-geral da Centromarca, diz que “quando a indústria é confrontada com quedas muito substanciais de vendas é a própria estrutura empresarial que fica em causa”. “Isso faz com que, enquanto é possível, as empresas façam um esforço para se tornarem mais apetecíveis para o consumidor”, sublinha.

Por outro lado, as cadeias de distribuição também preferem apostar em descontos nas marcas dos fornecedores, já que “os encargos com as promoções recaem nos fabricantes e não nos próprios”. Pedro Pimentel diz ainda que Portugal teve, nesta matéria, uma tendência diferente dos países europeus. “Neste período, as marcas da distribuição explodiram, ao contrário do que aconteceu por cá”, afirma.

Mas para a grande distribuição, a descida das marcas próprias “não tem exclusivamente a ver com a dinâmica promocional”. Ana Isabel Trigo de Morais, directora-geral da APED, lembra que a evolução deste tipo de produtos tem sido “significativa”. “Começaram por ser marcas brancas, depois usaram a insígnia do retalhista, em seguida criaram-se marcas de raiz e, agora, já são vendidas fora das lojas desses operadores”, ilustra.

Sublinhando que um terço do mercado de bens de grande consumo pertence aos produtos da grande distribuição, Ana Isabel Morais diz que este “é um mercado dinâmico e concorrencial, que funciona construindo a melhor proposta de valor para o consumidor”. “É aqui que se faz a disputa entre estas categorias de produtos”, afirma, acrescentando que a variação de quotas é sinal de um “normal funcionamento do mercado”. “As marcas da distribuição ganharam a confiança dos consumidores, a que se juntou um período de queda de poder de compra. Como a procura é sobretudo orientada pelo preço, neste momento, o que vimos foi uma resposta concorrencial de produtos das mesmas categorias que aconteceu não apenas no preço, mas também no reposicionamento”, explica.

Esta alteração de tendência teve impactos nos principais operadores. No caso da Sonae MC (que agrupa o retalho alimentar do grupo Sonae, dono do Continente e do PÚBLICO), as marcas próprias valiam 31% nas vendas no primeiro semestre, a mesma percentagem verificada há um ano, na mesma altura. Já o grupo Jerónimo Martins, dono do Pingo Doce, admite no seu relatório e contas de 2013 que “as marcas de indústria foram o principal motor de crescimento de vendas do Pingo Doce, fortemente influenciadas pela actividade promocional da companhia”. Como consequência, as vendas de marca própria reduziram o seu peso nas vendas em 3,8 pontos percentuais.

Certo é que, o cenário actual é bem diferente dos tempos pré-crise. A relação entre as marcas foi até apelidada como “o combate da década” pela agência de publicidade BBZ que, numa análise feita em 2010, concluiu que a opção entre marcas da distribuição e dos fornecedores da indústria não era apenas uma questão financeira: os carrinhos de compra enchem-se sempre de produtos das duas.

Comércio tradicional perde clientes
Há um ano o comércio tradicional e independente conseguiu aumentar a sua presença no mercado, mas os dados do Barómetro da APED para o primeiro semestre de 2014 mostram que, afinal, a tendência não se manteve. A quota destas lojas desceu de 15,4% para 14,2%.

Num mercado de grande concorrência, dominado por gigantes como o Continente (grupo Sonae), Pingo Doce, Jumbo (Auchan) ou Lidl, as pequenas mercearias de bairro tinham conseguido aumentar quota nos primeiros seis meses de 2013. O peso destes supermercados, por vezes geridos em franchising, chegou a ser de 17% em 2011 mas tem vindo a descer trimestre após trimestre. Depois da subida registada o ano passado, voltaram a diminuir a sua presença no mercado.

Em termos globais, entre Janeiro e Junho deste ano, o sector da grande distribuição (inclui lojas alimentares e não alimentares) registou uma ligeira subida nas vendas, de 0,4%, para um total de 8475 milhões de euros. “Os resultados são positivos. Conseguimos registar um aumento do consumo em Portugal, que incide mais nas categorias do sector não alimentar, o mais fustigado pela crise e que viu desaparecer fatias muito significativas do seu mercado”, comenta Ana Isabel Trigo de Morais, directora-geral da APED. Por seu lado, o retalho alimentar “conseguiu segurar melhor as perdas”.

Depois de anos a registar redução de vendas, as lojas não alimentares (incluem produtos de electrónica, informática ou telecomunicações) estão a registar pequenos aumentos de facturação que, no semestre em análise, superaram os das lojas alimentares (+,05% para 3644 milhões de euros).

Sugerir correcção
Comentar