Portugal precisa de um programa cautelar

Ao fim de dois anos e meio de pessimismo militante da opinião publicada, os indicadores económicos estão a traduzir uma economia em crescimento e a provar o erro dos que anunciavam, ainda há seis meses, uma “espiral recessiva”.

Não é difícil prever que, se a tendência manifestada pelos indicadores se mantiver, apareça daqui a uns meses quem sustente estarmos no início de uma “espiral de crescimento”, em que o acréscimo de receitas de impostos trazido pelo crescimento da economia torna menos necessária a adoção de medidas de austeridade. O cancelamento dessas medidas libertaria a economia para um maior crescimento que, por sua vez, implicaria acréscimo de receitas, iniciando-se um “círculo virtuoso”. O facto de o primeiro-ministro ter negado recentemente estarmos perto de presenciar um “milagre económico” mostra bem que a previsão, a pecar, será por defeito.

Ambas as teses, da “espiral recessiva” e da “espiral de crescimento”, têm, curiosamente, as mesmas consequências argumentativas: a do abrandamento das adoção das medidas de austeridade. No primeiro caso, porque estariam a provocar o agravamento da recessão e seriam contraproducentes, impedindo a redução do défice em percentagem do produto. No segundo caso dir-se-á que já não são necessárias: o próprio crescimento da economia reduzirá o défice orçamental em percentagem do produto.

Ambas as teses são perigosas, porque nos levam a reincidir no erro que levou a três resgates externos em 40 anos de democracia: a indisciplina financeira. Assim, quer em 1978, quer em 1983, quer em 2011, indisciplina orçamental e desequilíbrio nas contas externas contribuíram para forçar o Estado português a estender a mão ao exterior. Ora, como diz o velho brocardo latino, "errar é humano, mas perseverar diabólico".

O diabo está no sistema de incentivos que condiciona a atuação da classe política portuguesa, em particular dos governantes, e que se mostrou inapto, nos 40 anos de democracia, a impor um mínimo de disciplina orçamental. Esse sistema é constituído por instituições, por regras jurídicas e morais e por inclinações socialmente partilhadas. Instituições como o Tribunal de Contas não têm os poderes necessários, o povo português tem manifestado democraticamente uma preferência pelo laxismo orçamental, as regras vigentes não constrangem suficientemente a atuação do Governo e da Assembleia da República. Mesmo o Pacto de Estabilidade e Crescimento europeu falhou no intento de disciplinar as finanças dos Estados, sendo a Grécia e Portugal os seus mais eloquentes falhanços.

A única razão pela qual temos adotado, nos últimos anos, medidas de disciplina orçamental é a pressão externa e a correlativa ameaça do corte do financiamento.

Enquanto o Estado português não adotar as medidas constitucionais e legislativas necessárias para reformar este quadro de incentivos (e cremos que a alteração introduzida na Lei de Enquadramento Orçamental não é suficiente), seria mais prudente não tentar uma saída do programa de ajustamento “à irlandesa”. Por um lado, porque essa saída é mais cara (há quem diga mil milhões de euros mais cara). Por outro lado, porque deixamos de estar sujeitos à mesma pressão externa. Um programa cautelar adequadamente negociado, que garantisse o financiamento do Estado a taxas de juro moderadas e a continuação da disciplina orçamental poderia dar-nos, tanto quanto é possível no contexto atual, o “melhor de dois mundos”.

Director da Escola de Direito da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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