Portugal precisa de um novo relatório Porter que aponte os caminhos da reindustrialização

A palavra entrou na agenda mediática, em jeito de sound bite, e será provavelmente das mais escritas de 2013 - Portugal tem de ser reindustrializado. Mas o que é isso, como se faz, quanto custa, em quanto tempo, por quem, como?

Comecemos pelo início: não se pode voltar a fazer o que nunca se fez - só pode ser reindustrializado um país que já foi industrializado, que teve numa certa altura a sua riqueza assente na transformação e que por alguma razão passou a depender do sector dos serviços.

Pois nunca foi o caso de Portugal, que passou ao lado da Revolução Industrial (trocando têxteis ingleses por vinho do Porto), estagnou durante 48 anos num regime fechado, situação que terminou numa onda de nacionalizações da pouca indústria que existia que quase a destruiu.

É correcto constatar que o discurso do voltar a produzir e a transformar faz todo o sentido, mas não da forma arcaica e incipiente como o fizemos no passado. É justo reconhecer que as últimas décadas se traduziram num aumento assinalável da produtividade, pois com muito menos gente produzimos e transformamos hoje muito mais do que no passado.

Tome-se como base o ano 1980, onde um trabalhador no sector primário gerava 1054 euros, enquanto outro no sector secundário produzia 1447 euros. Trinta anos volvidos, em 2010, cada trabalhador produzia 7676 euros no sector primário e 25.776 euros no sector secundário (valores-base 2006, INE e Pordata). Juntando sector primário com secundário, menos 24% das pessoas conseguiam em 2010 produzir e transformar dez vezes mais do que em 1980, o que significou uma melhoria de produtividade sem paralelo na nossa história recente.

O problema é que o consumo ainda aumentou mais, tivemos de nos endividar para suportar as nossas necessidades acrescidas, pondo-nos na situação de insustentabilidade actual, razão pela qual tanto se fala hoje na necessidade de produzirmos mais, pois se produzirmos mais a actividade económica adicional vai gerar mais receitas para o Estado e os cortes que se avizinham poderão assim ser atenuados.

E onde vai concretamente a reindustrialização do país atenuar o plano inclinado em que nos pusemos, que produção acrescida pode atenuar o problema de insustentabilidade existente? Pois uma forma de pegar no tema seria identificar onde melhorámos tanto, tentando perceber porquê.

Em 1994, com muita polémica, o Governo de então (eng. Mira Amaral) encomendou ao professor Michael E. Porter, da Harvard Business School, um relatório sobre o que fazer à Economia portuguesa, com vista a melhorá-la em termos de dimensão e eficiência. À data, entre outras sugestões de racionalização, foram identificados sete clusters onde apostar: vinho, turismo, sector automóvel, calçado, têxteis, madeira e cortiça. Apostar num sector significava fazer escolhas, direccionar investimentos, e foi o que de alguma forma foi feito.

Hoje, qualquer um dos sectores referidos gera riqueza e garante emprego, produz e importa matéria-prima que depois transforma para poder exportar produtos de excelência, acrescentando valor que fica em Portugal, é sustentável e inova, concorrendo com os melhores dos melhores, está muito melhor do que estava há 20 anos, justificando em pleno a atenção que lhe foi dada. Ou seja, valeu a pena investirmos num estudo para nos concentrarmos onde efectivamente podemos ser bons.

Hoje parece fácil, mas a importância do Relatório Porter para Portugal foi muito grande, pois de alguma forma veio obrigar-nos a perceber que não podíamos ser campeões em tudo, não éramos uma potência que se podia concentrar em todas as actividades, tendo de fazer escolhas, algumas vezes desinvestindo mesmo em áreas antes consideradas estratégicas para investir nas já referidas.

Ora não seria esta uma boa altura para lançar idêntico debate, com ou sem o professor Porter, mas envolvendo toda a sociedade civil? É que, entretanto, o mundo mudou, nós também mudámos, o nosso contexto específico é diferente do de 1994, há novas escolhas a fazer, novas necessidades globais que despontaram, para as quais temos de ter uma resposta nacional pronta e decidida.

Muito do nosso futuro colectivo nos próximos 20-30 anos decide-se agora. O Estado, não sendo actor, tem a obrigação agora de assumir o seu papel-charneira, criando as condições básicas para que as empresas prosperem (justiça célere, desburocratização, fiscalidade competitiva, etc.), mas também orientando os agentes económicos na direcção do interesse geral do país. Foi o que foi feito, com maior ou menor sucesso, mas sempre com inequívoco sucesso, há 20 anos. Não seria agora a altura de repetir a receita?

Eng. agrónomo e gestor de empresas
 

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