Portugal comprou o seu próprio seguro para a “saída limpa”

A gestão de dívida das Finanças apostou, no meio de uma conjuntura muito favorável nos mercados, na acumulação de excedentes de tesouraria.

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Quando se discutia em Portugal, nos últimos meses do programa da troika, se Portugal deveria avançar para um programa cautelar ou arriscar uma “saída limpa”, nem os mais optimistas acreditavam que, um ano mais tarde, as taxas de juro da dívida portuguesa estariam a níveis negativos e que o Tesouro conseguiria obter empréstimos a dez anos pagando apenas juros próximos de 2%.

A evolução das condições do mercado da dívida pública foi, sem qualquer dúvida, aquilo que correu melhor em Portugal nos 12 meses que se seguiram à saída troika. O Tesouro tem conseguido, sem qualquer problema e a um custo historicamente baixo – as taxas de juro da dívida a dez anos passaram de 3,7% em Maio de 2014 para 2,3% agora –, ir buscar aos mercados todo o dinheiro de que precisa para financiar o seu défice, amortizar a dívida que atinge a sua maturidade e ainda pagar com antecedência alguns empréstimos que pagam juros mais altos.

Há três grandes motivos para esta melhoria tão acentuada das condições de mercado. Por um lado, Portugal e os outros países da periferia da zona euro, com excepção da Grécia, conseguiram convencer totalmente os mercados de que não existe um risco razoável de virem a sair do euro.

Por outro lado, o Banco Central Europeu tem adoptado políticas que estão a fazer as taxas de juro de toda a zona euro caírem para mínimos históricos. O efeito BCE tornou-se particularmente forte quando se tornou óbvio que acabaria por, mais tarde ou mais cedo, começar a comprar dívida pública dos países do euro nos mercados, algo que tem um efeito directo de descida das taxas de juro.

Depois, no meio deste cenário positivo, Portugal adoptou uma política de gestão da dívida e dos excedentes de tesouraria muito prudente, com o objectivo principal de tranquilizar os mercados em relação à capacidade do país para enfrentar qualquer ressurgimento da crise.

Tudo começou quando se decidiu não adoptar um programa cautelar. Como medida de segurança alternativa, o Tesouro acumulou excedentes que lhe permitiriam, caso fosse necessário, dispensar a realização de emissões de dívida durante um período longo de tempo. Desde aí, tal como afirmou a ministra das Finanças, “os cofres têm estado cheios”. De acordo com os dados do Banco de Portugal, a diferença entre a dívida pública bruta e a dívida pública líquida (que não inclui os depósitos da Administração Pública) ascendia em Fevereiro a 26.600 milhões de euros.

 Este valor serve como uma espécie de seguro para os investidores e, por isso, contribui para a descida das taxas de juro.

Este seguro, no entanto, tem custos. Para ter os “cofres cheios”, Portugal tem forçosamente de pedir mais dinheiro aos mercados do que aquele que seria necessário, pagando os respectivos juros. E não tem sequer hipóteses de pôr esse excedente de tesouraria a render, já que, para este tipo de depósitos, as taxas de juro são nulas ou mesmo negativas.

É por isso que, nos meses mais recentes, as Finanças estão a apostar numa inversão progressiva da estratégia de acumulação de excedentes, dando prioridade a uma extensão dos prazos médios de pagamento da dívida portuguesa. Uma das formas de reduzir o volume dos depósitos acumulados pelo Estado é a amortização antecipada de empréstimos, especialmente os do FMI que pagam juros mais elevados do que aqueles que Portugal consegue obter neste momento nos mercados. Já foram amortizados 6600 milhões de euros da dívida do FMI e está já a ser planeada a amortização antecipada da restante dívida ao FMI. De igual modo, têm sido feitas também trocas de obrigações do tesouro que atingem a maturidade nos próximos anos, por outras que vencem apenas dentro de dez anos.

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