Portugal atrasado na corrida pela quarta revolução industrial

O INESC TEC dedicou-se a discutir o futuro da indústria e chamou ao Porto especialistas para avaliar o estado da arte. Conclusão: o país tem ciência e quadros do primeiro mundo. Não tem é organização

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Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia, reconhece o diagnóstico. E diz que o Governo tem em mãos uma terapia para ultrapassar o atraso do país. ruf rui farinha/nfactos

Ângelo Ramalho, o líder da Efacec, faz o balanço da indústria portuguesa nos últimos dois séculos e sentencia: “Perdemos a revolução industrial do vapor; chegámos tarde às revoluções da electricidade e da automação; e agora estamos muito atrasados na revolução digital”. A quarta revolução industrial está em marcha e o país tem à sua disposição recursos para ir a jogo – o alemão Gunter Horcher, director de Investigação Estratégica do instituto Fraunhofer, afirma que Portugal “tem uma base boa”, que dispõe de “boa investigação e bons quadros”. Mas, mesmo assim, num fórum sobre a indústria do futuro organizado esta semana pelo INESC TEC, no Porto, o balanço que sobrou está longe de ser entusiasmante. Porquê? Gunter Horcher dá a resposta: “Portugal não usa o seu potencial de forma suficiente. Falta coordenação e organização”.

Depois da crise de 2007/2008, as economias avançadas voltaram a olhar para a indústria. Não a do passado, mas a do futuro. A indústria digital ou 4.0. Os americanos lançaram uma rede nacional para a inovação na produção na qual vão investir mil milhões de dólares; os chineses querem liderar a tecnologia mundial e vão aplicar nessa ambição 1.2 biliões de euros; a União Europeia respondeu com programas de nove mil milhões de euros. No espaço de uma década, a sedução da indústria mudou. “Há dez anos os políticos não queriam ser vistos em ambientes industriais. A indústria era coisa do passado. Mas agora todos os políticos querem ir ao MTC (Manufacturing Technology Center)”, diz Harald Egner, um dos directores da instituição.

Portugal parte para o desafio numa posição difícil. Um estudo da consultora Roland Berger divide a indústria europeia em quatro grupos de países (os tradicionalistas, os hesitantes, os do pelotão da frente e os que mostram potencial para vencer) e Portugal fica no grupo dos hesitantes, ao lado da Espanha ou da Bulgária. O peso da indústria da economia (15% do PIB) está na média europeia, mas fica longe do poder da Alemanha (25% do PIB) e ainda mais longe da China (35% do PIB). O desafio agora não é produzir volumes. É adoptar conceitos como o desenvolvimento de produtos, a internet das coisas, a customização, os sistemas ciber-físicos ou as linhas de produção flexíveis.

Para os superar, Portugal tem duas vantagens: um sistema científico e tecnológico e quadros de classe mundial. Há dúvidas e cepticismo – “Estamos atrasados e não estamos preparados”, diz Luís Esteves, da Amorim e Irmãos -, mas nem tudo está perdido. “O nosso atraso pode ser superado”, nota António Conde, gestor da Bosh Termotecnologia. “Mas, olhando para os outros, o que vejo é que estamos desorganizados. Todos estamos a fazer qualquer coisa, mas de forma desgarrada”, nota o gestor. Fortunato Frederico, da Kyaia (empresa de ponta do sector do calçado) diz o mesmo de forma mais simples: “Vamos todos em peregrinação, cada um vai pelo seu caminho mas o caminho não acaba em Fátima para todos. Não temos um objectivo comum”, diz o gestor.

Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia, reconhece o diagnóstico. E diz que o Governo tem em mãos uma terapia. A indústria vai ter em breve o seu próprio programa de coordenação – o Indústria 4.0, que será apresentado em Dezembro. “Somos um dos oito países europeus que vai ter uma estratégia para a digitalização na indústria”, diz o ministro. O anterior Governo tinha também uma estratégia para a reindustrialização, apresentada em 2013. Mas o plano do actual Governo, garante Caldeira Cabral, “é mais abrangente”. Considera, por exemplo, a aceleração da relação entre start-up e empresas tradicionais.  

Ainda assim, Portugal anda devagar. Nas empresas ou no todo nacional, o que falta é, principalmente, um desígnio. Falta organização – “uma área onde ainda temos ainda muito para fazer”, como reconhece José Carlos Caldeira, conhecedor profundo da indústria nacional e actual presidente da Agência Nacional de Inovação.

Daniel Bessa: o tempo é de especialização

Daniel Bessa é conhecido por ter “opiniões refrescantes” – a definição é de José Manuel Mendonça, presidente do INESC TEC. E no fórum do instituto sobre as fábricas do futuro o economista não deslustrou a designação. Começou por dizer que a indústria de hoje é “engenharia e conhecimento”. Salientou que o tempo em que as empresas exploravam cadeias de valor completas acabou e que o tempo é de “especialização”. Mas, apesar dos desafios e riscos, Daniel Bessa olha à sua volta e vê oportunidades. “Esta semana estive no fórum têxtil e na plateia toda aquela malta podiam ser meus filhos. Isso é fundamental. Os velhos nas empresas vão para o Conselho Fiscal”, notou. Para ele, o conhecimento existente é promissor. Mas não chega. “Para fazer a Farfetch, José Neves não precisava de sair de Braga. Tinha tecnologia ou gente para fazer fotografias. Mas para ter comunicação, marketing e comercial e financiamento teve de ir a Londres”, onde angariou mil milhões, nota o economista. Moral da história: Portugal tem de se especializar, de procurar nichos, de fazer o que pode fazer. E desistir do resto. Por exemplo do capital de risco, onde o país não tem escala. “Não se vai ao Vaticano fazer um parto”.

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