Por uma saída suja

A única coisa que até agora mostrámos aos mercados foi um certo empenho, algum suor e nada mais.

Há quem peça ao Governo uma saída limpa no final do programa de austeridade, porque nós não somos menos do que os irlandeses. Infelizmente, em termos económicos, nós somos muito menos do que os irlandeses – eles têm um PIB semelhante ao nosso com menos de metade da população.

Lamento, mas eu prefiro uma saída bem suja, com toda a fuligem e todo o tisne próprios de um país que tem visto a sua dívida pública aumentar de ano para ano e não conseguiu um único saldo primário positivo desde a entrada no euro (é uma das promessas para 2014). Não, nós não somos a Irlanda, e por isso precisamos de um programa cautelar que nos obrigue a enfiar o nariz no motor do Estado e a travar a fundo as tentações eleitoralistas que se avizinham.

A saída limpa seria apenas uma forma de branquear a situação de um país que está muito longe de ter músculo para se aguentar sozinho nos mercados, a não ser com uma dose cavalar de sorte e os dedos cruzados para que não venha por aí mais um abalo económico que nos leve de volta ao tapete. A saída limpa, ao contrário daquilo que o PS exige e o PSD deseja, não é realmente limpa – ela seria apenas um tira-nódoas de restaurante, uma artimanha para esconder o pingo de gordura que está a estragar o aspecto da camisa. Só que as nódoas estão mesmo lá. Os problemas estruturais da economia portuguesa não foram corrigidos. A única coisa que até agora mostrámos aos mercados foi um certo empenho, algum suor e nada mais.

Paulo Trigo Pereira, nas excelentes análises económicas que tem publicado neste jornal, já explicou o que está em causa, apresentando as contas de quanto nos custaria uma saída à irlandesa se os juros de mercado rondassem em Maio os 5% e a taxa de um programa cautelar a dois anos e meio ficasse pelos 3%: “Uma estimativa para esta soma nos próximos 30 meses é de 1023 milhões de euros. Este seria o preço adicional a pagar pelo eleitoralismo demagógico da saída à irlandesa.”

Generosamente, Paulo Trigo Pereira apenas fez as contas àquilo que teríamos de pagar a mais de juros. Mas receio bem que o grande problema não esteja sequer no que teríamos de pagar a mais – o grande problema está naquilo que iríamos fazer a menos. É triste, mas é verdade: a nossa classe política não sabe gerir o país sem baias, não sabe impor políticas de austeridade sem um garrote exterior, não sabe cortar nas despesas do Estado sem Angela Merkel a espreitar por cima do ombro de Pedro Passos Coelho. Eu até gostava de acreditar que os nossos governantes aprenderam a lição, que daqui para a frente nada vai ser como antes, que a pomba da prudência e da responsabilidade desceu sobre São Bento. Mas, se não se importam, preferia começar a acreditar nisso depois das eleições. Pode ser?

Como se não bastasse a natureza dos políticos portugueses e das bocas que eles têm de alimentar quando estão no poder, o calendário eleitoral 2014-2015 exige todas as cautelas e caldos de galinha que tivermos à disposição. Com a saída da troika a 17 de Maio e as europeias a 25, meros oito dias depois, deixar o Governo à solta nos mercados é assim como abrir à raposa a porta do galinheiro. As europeias são decisivas: qualquer coisa que não seja uma derrota significativa da coligação pode provocar a queda de Seguro e conduzir à ressurreição do PSD. E, se isso acontecer, nada vai travar o eleitoralismo mais infrene do povo laranja. Nada, a não ser um programa cautelar. A bem da pátria, sujem-me essa saída, se faz favor.
 
 

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