Polvo do Algarve prepara “passaporte” para entrar, vivo, no Japão

Armadores e pescadores estão entusiasmados com a possibilidade de exportar polvo, sem borrifar tinta, para Tóquio. Desta forma, a espécie – tal como já sucede com o atum – pode ser considerada uma iguaria.

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Um quilo de polvo rende, em lota, nesta altura, cinco euros Filipe Farinha
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Cabe à Universidade do Algarve estudar as condições necessárias para que o polvo chegue vivo ao seu destino final Filipe Farinha
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Os restaurantes de sushi poderão, no próximo ano, ter o polvo que sairá directamente do mar do Algarve para o prato dos consumidores, em Tóquio. Por enquanto, ainda é um projecto mas os pescadores acham que a ideia, lançada pelo Governo, tem “tentáculos” para andar.

 À Universidade do Algarve foi encomendado o estudo destinado a criar as condições necessárias para que o animal chegue vivo ao destino, sem borrar o cliente com a tinta. No sector da pesca artesanal, esta é uma espécie de significado histórico em Portugal, mas é, também, aquela de maior valor económico para a sustentabilidade das comunidades piscatórias da região algarvia. O volume de negócios, em lota, no ano passado, aproximou-se dos 12 milhões de euros – fatia que representa cerca de 40% da produção nacional. O mercado espanhol foi aquele que mais fez puxar o preço para cima.

“Trouxeram sacos de plástico?” A pergunta do pescador de Quarteira, a sorrir, antes da partida para uma noite no mar, é feita em jeito de apresentação de cartão-de-visita: “O mar está cachão”, avisa. Dentro de dez minutos o “24 horas” solta amarras, e ei-los que partem para mais uma jornada. Ao leme, José Agostinho, comanda as operações, deixando atrás de si a marina de Vilamoura repleta de iates, ancorados no lazer das animadas noites de Verão. Três pescadores, navegando num pequeno barco de nove metros de comprimento, balouçam ao ritmo de uma ondulação que desafia a perícia do timoneiro. Na manhã seguinte, os donos melhores restaurantes procuram o produto da pesca, saído directamente do mar. A clientela exige qualidade, o preço não se discute – paga o cartão de crédito.

Ao fim de meia hora de navegação, após saída do porto de Quarteira, começa a haver sinais de que o polvo está por perto. No fundo do mar, imagina-se uma estranha dança do molusco em redor das presas (crustáceos). O isco ainda não foi lançado à água. “Só este cheiro dá para almarear [enjoar]”, observa Emanuel Dias, pescador açoriano que trocou a pesca do atum, nas ilhas, pela do polvo na costa algarvia. Um quilo de polvo rende, em lota, nesta altura, cinco euros, – nada que se compara aos 50 euros/quilo, o valor que chega a atingir o  atum que “voa” de Faro para Tóquio, no mesmo dia em que é capturado. Há cerca de duas dezenas de anos surgiu, com sucesso, um projecto luso-nipónico de aquacultura destinado a produzir atum para a exportação.

O secretário de Estado do Mar, Manuel Pinto de Abreu, recentemente, quando esteve na Festa da Ria Formosa, em Faro, lançou o repto aos armadores e pescadores: “Os japoneses estão interessados em comprar polvo vivo, são capazes de responder ao desafio?”. O presidente da Armalgarve, José Agostinho, não esperou pela demora. “Vamos a isso”, disse. Esta semana, o investigador da Universidade do Algarve (Ualg), António Sykes, visitou as instalações da Docapesca, em Quarteira, para estudar a forma de garantir que o animal chega vivo e em boas condições ao destino.

Da análise feita no local, concluiu: o objectivo pode ser alcançado, com investimento. “Desde que se crie um bom sistema de refrigeração”, adiantou. A localização da lota, encaixada entre as praias de Quarteira e Vilamoura, disse, “oferece uma ligação directa ao mar, o que é excelente para colocar o animal, sem stress, a viajar – só precisamos de fazer baixar a temperatura para ele adormecer, e não borrifar tinta”. O cientista, investigador do Centro de Ciências do Mar da Ualg, é o mesmo que está a coordenar o estudo para a produção de chocos em cativeiro.

A experiência adquirida pela Tunipex, na criação dos atuns em aquacultura, em Olhão, é o ponto de referência para o trabalho que a Armalgarve pretende desenvolver com o polvo. “Desde que as entidades oficiais cumpram com a parte que lhes cabe, do nosso lado temos todo o interesse neste projecto pioneiro – vamos remar todos para o mesmo lado”, promete o dirigente associativo, sublinhando a importância da ligação da pesca ao sector do turismo. “Quem come um pargo como este [mostra], acabado de pescar, nunca mais se vai esquecer do sítio onde esteve a passar férias”, enfatiza.  

Quando Manuel Pinto de Abreu foi ao Japão, recordou José Agostinho, foi-lhe servido um prato de polvo do Algarve, acompanhado de elogios à qualidade do pescado. O que não lhe contaram, disse, foi que esse animal “foi comprado na lota de Quarteira, por um comerciante espanhol, que me pediu [à Armalgarve] que passasse um certificado com a origem da captura – os espanhóis sabem o que vale dinheiro”, comentou. Por outro lado, lembra o armador Jorge Correia, “chega ao Japão polvo congelado proveniente de toda a parte do mundo, desde a Mauritânia até Angola”. O desafio que agora foi colocado, destaca, é conseguir que o animal “entre vivo no mercado, porque assim tem mais valor comercial para o sushi”.

Polvo “engorda” com a água
A freguesia de Santa Luzia, em Tavira, reivindica para si o título de “capital do polvo”, embora não detenha a exclusividade. De Caminha a Vila Real de Stº António não faltam comunidades que se dediquem à pesca do molusco. Porém, nesta localidade, com 1500 habitantes, colada à ria Formosa, quase todas as famílias têm ligações à pesca. A relação com mar e a ria processa-se de forma natural, e o polvo é a espécie que cruza a tradição local com as novas tendências da cozinha de autor. Não por acaso, o livro “Portugal, o melhor peixe do mundo”, de Fátima Moura, inclui um prato de polvo assado com batata-doce de Aljezur, criado pelo Chef Bertílio Gomes.

No Algarve, revela a Docapesca, a lota de Santa Lúzia foi a que registou, em 2013, o maior volume de negócio da venda do polvo – 2,7 milhões de euros. Por outro lado, Quarteira distinguiu-se por ser aquela onde a espécie obteve, em média, o melhor preço – 3,29 euros/quilo, seguida da de Santa Luzia, com 3,26 euros. “A procura dos espanhóis é que faz subir o preço”, diz o presidente da Associação dos Pescadores de Tavira (Aptva), Leonardo Diogo, comentando: “mais polvo houvesse, mais os espanhóis comprariam”. E, para espanto de muitos pescadores, revela, “conseguem vender às grandes superfícies mais barato do que compram na lota”, e ainda ganhar dinheiro.

A habilidade, confidencia, consiste em colocar o animal em água, antes de ser congelado. Com a absorção do liquido, “um polvo de um quilo fica com quilo e meio”. A verdade, porém, é que o truque deixou de ser exclusivo dos vizinhos do lado: “Há, também, quem por cá tenha copiado o estratagema”, denuncia.

 José Agostinho, em Quarteira, defende, tal como o colega de Tavira, a valorização do pescado pela qualidade. “A marca polvo do Algarve tem de ser rentabilizada, não podemos deixar as mais-valias nas mãos de revendedores estrangeiros”, enfatiza, para logo a seguir retomar o projecto de exportação para o Japão. “Pode vir a mudar muita coisa”, prevê. No entanto, reconhece, “ainda há muito por fazer” no que diz respeito à segurança alimentar. “O consumidor tem o direito de saber tudo o que se passa - deste a captura até o polvo chegar ao prato”.

Neste domínio, o presidente da Docapesca, José Apolinário, adiantou que estão a ser testados no Algarve uns novos contentores, a transportar nos barcos, para garantir que a qualidade do pescado se mantem até à lota. E o que fazer para garantir a sustentabilidade da espécie? ”Por mais de uma vez propusemos ao Governo que houvesse um período de defeso” diz Leonardo Diogo, em representação da comunidade piscatória de Tavira. Há cerca de uma dezena de anos, justifica, “por nossa iniciativa, paramos durante um mês. A recompensa chegou no ano seguinte – polvo a montes”. José Agostinho, em Quarteira, subscreve a mesma tese.

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