Política Agrícola Comum: a difícil hora da decisão

Não se pode por aceitar que se arraste para depois de 25 de Maio o que pode e deve ser antes decidido e explicado aos agricultores, aos consumidores e aos contribuintes.

No final do ano passado, após quase três anos de debates e de intensas negociações no Parlamento Europeu (PE), e entre este e a Comissão e o Conselho, foi estabelecido o acordo que contem as regras de aplicação e o envelope financeiro, global e por Estado-membro, da Politica Agrícola Comum (PAC), para o período 2014/20, que representa para Portugal cerca de 8 mil milhões de euros.

Foi a primeira vez que o PE teve poder de decisão real nesta matéria, por força do Tratado de Lisboa. Pela primeira vez também, a PAC vai conceder aos Estados-membros uma margem de manobra que nunca antes fora atribuída, para lhes permitir responder às suas especificidades próprias. E compreende-se que assim seja. Jamais a PAC se tinha aplicado a 28 Estados-membros, num território com uma vastidão que vai do Árctico ao Mediterrâneo e do Atlântico ao Mar Negro, muito longe da relativa homogeneidade agro-climática dos tempos da sua fundação, quando a então CEE era composta apenas por seis países.

Quer isto dizer que, até Agosto de 2014, impreterivelmente, e nalguns casos antes, os governos nacionais vão ter de tomar decisões muito difíceis, com consequências políticas e eleitorais evidentes. Dou alguns exemplos. Os Estados-membros poderão decidir atribuir um pagamento suplementar aos primeiros hectares das explorações, devendo para isso reduzir os pagamentos das maiores a favor das mais pequenas, provocando assim um claro efeito redistributivo. A França e a Alemanha já anunciaram que utilizarão este instrumento, sendo que, no caso desta ultima, o montante suplementar será de 50€ por hectare, nos primeiros 30. A Polónia, por outro lado, anunciou que utilizará a margem de gestão financeira disponível do seu envelope nacional para elevar o montante da ajuda média por hectare dos seus agricultores, dos actuais 215€ para os 250€, isto é, para um valor muito próximo da média europeia. Actualmente, a ajuda média em Portugal é de 187€ por hectare.

De acordo com a nova PAC, os Estados-membros deverão obrigatoriamente reduzir as ajudas aos agricultores que recebem mais do que 150000€ por ano, para redistribuir pelos demais, mas podem decidir qual a percentagem de redução a aplicar, entre 5% e 100%. No caso português, recebem mais de cento e cinquenta mil euros por ano apenas cerca de 300 agricultores ou sociedades agrícolas, isto é, 0,16% do universo de 187 000 beneficiários. Contudo, recebem cerca de 10% dos apoios totais.

Os diferentes governos poderão também decidir se optam por um regime específico para os "Pequenos Agricultores". Se o governo assim decidir, significará a melhoria automática da situação dos agricultores que recebem menos de 500€/ ano, uma vez que a nova PAC estabeleceu este como o valor mínimo a receber por um agricultor que opte por este regime. Em Portugal seriam automaticamente beneficiados cerca de 80000 agricultores, ou seja, quase metade do universo total dos agricultores que beneficiam de apoios comunitários.

Estes são apenas alguns exemplos do vasto leque de escolhas que a nova PAC oferece agora aos Estados-membros da UE. Podem acrescentar-se ainda a definição do número de hectares passíveis de majoração, em 25%, para os jovens agricultores, e a opção pela "regionalização" dos pagamentos, de modo a evitar, ou não, a drenagem dos apoios financeiros dos agricultores de umas regiões para outras. Outras opções são o ritmo da "convergência", quer dizer, a maior ou menor velocidade com que, até 2020, se aumentarão os apoios aos agricultores que recebem abaixo da média nacional, por contrapartida da redução dos que recebem acima dessa média. Ou, ainda, a definição dos sectores que vão permanecer com apoios directamente ligados às quantidades produzidas, que é um instrumento importante para evitar o abandono ou a redução da competitividade de algumas actividades em certas regiões. Para Portugal, o leite, os ovinos e os bovinos de carne são os exemplos mais eloquentes. A decisão que o governo terá de tomar será sobre que sectores abranger, já que o montante disponível para este efeito, em princípio cerca de 13% do envelope nacional, é manifestamente escasso para responder a todas as reivindicações.

Até ao momento não se conhecem decisões sobre estas e outras matérias, nem se prevê quando sejam tomadas. Foram apenas, discretamente, anunciadas algumas "orientações" gerais sobre um número restrito de questões, levantando algumas delas a suspeição de que não há intenção de utilizar os mecanismos que a PAC agora disponibiliza para introduzir mais justiça e equidade entre os agricultores e as regiões.

Ora, quando se trata da configuração do conjunto de regras, de prioridades e de repartição de meios financeiros que consubstanciam todo o apoio de que o complexo agro-florestal português irá beneficiar até 2020, abrangendo três legislaturas, o mínimo que se pode exigir de um governo supostamente amigo da "lavoura", para além de ponderação e diálogo com os parceiros e partidos de oposição, é celeridade e transparência.

Não se pode por isso aceitar que, só porque as decisões são difíceis, se arraste para depois de 25 de Maio o que pode e deve ser antes decidido e explicado aos agricultores, aos consumidores e aos contribuintes.

Deputado Europeu e Relator do Parlamento Europeu para a Reforma da PAC

Sugerir correcção
Comentar