Pode dizer-me qual é o vinho português mais afrodisíaco?

Com lotação completamente esgotada, o Vinhos de Portugal no Rio, organizado pelos jornais PÚBLICO e O GLOBO, que termina domingo, atraiu o público que já conhece os vinhos portugueses e o que quer conhecer. Falou-se de castas e regiões, provaram-se vinhos e esclareceram-se muitas dúvidas.

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Cecília Acioli
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Há perguntas de todos os géneros – desde as divertidas como a que dá título a este artigo, feita por uma senhora brasileira ao crítico de vinhos Rui Falcão no final de um curso dado por ele, até outras sobre se determinado vinho é feito com a casta Touriga Nacional. O Vinhos de Portugal no Rio, iniciativa dos jornais PÚBLICO, de Portugal, e O Globo, do Brasil, em parceria com a ViniPortugal, que começou sexta-feira e termina domingo, no Rio de Janeiro, está a atrair todo o tipo de público, desde o que já tem um bom conhecimento dos vinhos portugueses até ao simples curioso que quer aprender mais.

E está a atrair em grandes números. Desde que as portas do Palácio São Clemente, residência do cônsul de Portugal, em Botafogo, abriram ao público, às 15h da tarde de sexta-feira (depois de um período de manhã reservado a profissionais) nunca mais deixou de haver fila. Algumas pessoas diziam mesmo ter vindo de fora do Rio propositadamente e por isso esperaram, em alguns casos, mais de uma hora para poderem entrar (o limite de lotação no interior não permitia que uns entrassem enquanto os outros não saíssem). A tal ponto que a organização teve que emitir um aviso para que no resto do fim-de-semana as pessoas soubessem que teriam um tempo de espera calculado em duas horas.

No interior do palácio, na tenda do mercado, 62 produtores portugueses abriam as suas garrafas e tentavam dar resposta a todas as perguntas que surgiam, enquanto a Deli Delícia, uma nova deli do Rio e um dos patrocinadores do evento, vendia vinho, azeite, queijos e enchidos portugueses, e ainda pastéis de nata que desapareciam a grande velocidade.

O objectivo do PÚBLICO e de O GLOBO era precisamente criar um evento destinado ao público consumidor, e com uma dimensão didáctica, apostando para isso também nas provas comentadas e nos cursos dados pelos críticos de ambos os jornais, e alguns convidados especiais como o Master of Wine brasileiro Dirceu Vianna Junior, e o advogado brasileiro e grande apaixonado por Vinho do Porto Guilherme Rodrigues.

Por isso, muito se falou de regiões, de castas e da enorme diversidade de Portugal a esse nível. Uma das sessões que mais depressa esgotou foi a dos Grandes Tintos de Portugal, com o crítico do PÚBLICO Pedro Garcias a começar por explicar que “não há nenhum país do mundo com tanta densidade de castas” por hectare, para depois sublinhar que “uma das marcas distintivas do vinho português é o lote”, dado que “se juntarmos mais uvas diferentes temos vinhos com maior complexidade”.

O público ouviu atentamente, pedindo para repetir os nomes das castas, dos produtores, dos vinhos que estavam em prova, e entusiasmando-se com dicas sobre qual o melhor sítio para comer leitão da Bairrada. Muitos dos presentes já tinham visitado Portugal. Era o caso de Cleverson e Clécia, um casal que esteve recentemente no Norte o país. “Adoro Vinho do Porto”, diz Clécia, entusiasmada, enquanto Clerverson recorda o “grande carinho” com que foram recebidos em Portugal, e afirma que o conhecimento dos vinhos portugueses no Brasil é cada vez maior devido a um trabalho de divulgação que “tem sido muito bem feito” nos últimos anos.

“Os brasileiros, principalmente aqui no Rio, que é uma cidade mais portuguesa - São Paulo é mais italiana - sempre beberam muito o vinho português”, explica ao PÚBLICO Luiz Horta, crítico de O GLOBO, que fez, juntamente com a crítica gastronómica do mesmo jornal, Luciana Fróes, uma prova de harmonização de vinho com doces portugueses e chocolates. “Depois, há uns 20 anos, o Chile entrou pesadamente, e a marca Chile afirmou-se”.

Portugal tem muito a seu favor, acredita Luiz Horta. “As regiões são incríveis, o Dão, a Bairrada, o Douro, o Alentejo, mas é mais importante vender a marca Vinho de Portugal para que as pessoas voltem a beber vinho português, e aí depois começar a falar das regiões”. Não acha que o preço seja um grande problema. “Tem muito vinho que entra com um preço competitivo, tem mesmo Portos e Madeiras que estão a um preço muito barato. Mas no vinho fortificado houve um recuo. Antigamente não se terminava uma refeição sem um Porto, era chique, não se vivia sem Vinho do Porto, mas este foi perdendo mercado.”

E será confuso para os consumidores falar em tantas castas diferentes? “Penso que um pouco, mas menos do que a Borgonha. Além disso, Portugal entra com uma vantagem: as pessoas conseguem ler os rótulos, e identificam Douro, Dão, Alentejo. A Touriga Nacional já é reconhecida, o Alvarinho também. O resto vem com o tempo.”

Um problema que ainda subsiste é o da relação dos brasileiros com o vinho branco. “O público mais comum ainda acha que vinho branco não é vinho. E quando se fala ‘você está em Manaus, está um calor enorme’, eles dizem ‘mas ponho o meu ar condicionado fortíssimo, e abro o meu Pêra Manca’. É uma coisa cultural.”

Pedro Carvalho confronta-se directamente com esse problema. É produtor, e há dois anos mudou-se para o Brasil para, com uma sócia brasileira, abrir uma empresa importadora, a Terra a Terra. “Sempre acreditei no mercado brasileiro, mas não estava satisfeito com as quantidades que se vendiam, e achei que se podia fazer um melhor trabalho. Por isso vim”, conta. As coisas estão a correr bem, diz, mas lamenta que haja “muita burocracia” e que “as taxas aumentem o preço de compra em 160%”.

Depois de responder a um brasileiro interessado, que quis saber se podia comprar o vinho pela Internet, e qual era o preço, e ainda se tinha Touriga Nacional, Pedro Carvalho conclui para dizer que está optimista. “Os brasileiros consomem anualmente 2,4 litros de vinho per capita, e prevê-se que em 2018 consumam 9.” O vinho branco, reconhece, continua a ser o mais difícil. “Há 20 anos o que se vendia cá eram maus vinhos verdes, e só hoje começamos a recuperar dessa má imagem, mas mesmo assim estamos a aumentar a nossa quota de vinho branco”.

Do outro lado da tenda do mercado está Julia Kemper, produtora do Dão. “From Dão to the World” é o seu mote, e conta que, apesar de só se ter começado a dedicar à venda de vinho em 2008, já está em cinco continentes. “A quinta pertence à minha família há 400 anos, mas o vinho era apenas para consumo, nunca viveram dele, apesar de terem muito orgulho, tanto que um antepassado meu, em 1903, foi a Berlim apresentar o nosso vinho numa feira internacional”. Trabalhando apenas com uvas de castas autóctones, da Touriga Nacional ao Encruzado, Julia Kemper aposta claramente a sua comunicação na imagem do Dão e na história de família por detrás dos seus vinhos.

Cada um dos 62 produtores presentes tem, claro, uma estratégia de comunicação própria, neste caso ajudada pelo “copo inteligente”, uma criação da empresa Adegga que, através da inclusão de um chip no copo, permite que o consumidor receba por um email a informação sobre cada produtor que visitou. Mas um dos indiscutíveis sucessos do mercado foi o produtor Luís Pato, que não teve mãos a medir com tantos visitantes e tantas perguntas – entre as quais as do jornalista e escritor brasileiro Zuenir Ventura, outra das estrelas, parado a cada minuto por pessoas que o queriam cumprimentar.

Quem também passou pelo mercado do Vinhos de Portugal no Rio foi o chef português Vítor Sobral, que já tem dois restaurantes da sua Tasca da Esquina no Brasil, e que se mostrou impressionado: “Fui alertado para o que se estava a passar aqui por um amigo carioca que me disse que era um evento com um impacto muito grande para dar a conhecer o vinho português ao público em geral. Geralmente estes eventos ficam-se pelo público especializado, e neste a mensagem chega a muito mais gente, o que, apesar da confusão que se cria, é óptimo.”

As provas comentadas dos críticos são também uma grande ajuda para apresentar melhor as características de alguns destes vinhos. No sábado, o crítico do PÚBLICO Manuel Carvalho falou dos vinhos do Porto, numa prova que começou com uma apresentação do Vale do Douro, e a história de como os durienses aprenderam a arrancar literalmente o vinho de entre as pedras, moldando a paisagem, construindo os socalcos e fazendo crescer uma planta, a videira, que também gosta de condições duras. Sem compreender esta paisagem não se pode compreender o Vinho do Porto, defendeu, dando depois a provar vários vinhos, de um Ruby a um Vintage, para explicar as diferenças e a evolução.

O dia terminou com uma prova do Master of Wine Dirceu Vianna Junior, que falou das uvas de Portugal que o apaixonam, dando uma aula sobre seis castas - Alvarinho, Arinto, Encruzado, Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz – e defendendo também que o vinho branco “tem que ser levado com mais respeito” pelos consumidores brasileiros.

Quanto à pergunta que a senhora brasileira fez ao crítico do PÚBLICO Rui Falcão sobre qual é, afinal, o vinho português mais afrodisíaco, tudo o que podemos dizer é que houve uma resposta. Mas não a vamos revelar.

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