Perder de vista o futuro?

Precisamos de uma economia verdadeiramente progressista que priorize, simultaneamente, os valores da liberdade e da igualdade.

De acordo com os dados divulgados pelo INE relativos ao 1.º trimestre de 2014, a população ativa diminuiu 1,3% em relação ao trimestre homólogo de 2013 (menos 66,4 mil pessoas) e 1,2% em relação ao trimestre anterior (menos 61,8 mil pessoas). A taxa de atividade da população em idade ativa (15 e mais anos) situou-se em 58,7%, tendo diminuído 0,5 p.p. em relação ao trimestre homólogo e 0,6 p.p. em relação ao trimestre anterior.

Nos últimos anos Portugal vem perdendo população ativa, tendo o número de inativos no mercado de trabalho aumentado. Por exemplo, segundo dados do INE, no 1.º trimestre deste ano só na faixa etária dos 45 aos 64 anos estavam inativas 840,5 mil pessoas, face a 833 mil pessoas no trimestre anterior. Ora, esta situação inquieta tanto mais quanto aumenta o número de inativos involuntários junto das pessoas de meia-idade, grupo etário que, além do mais, é também atingido pelo problema do desemprego, em especial do desemprego de longa duração.

No nosso país, como se sabe, a maior repercussão desta crise financeira internacional – que se iniciou em 2008 – foi um avolumar dos problemas do mercado de trabalho, com a intensidade da destruição de emprego (em especial emprego permanente), ou a reconfiguração dos vínculos contratuais de trabalho, agora tendencialmente mais precários (aumento da proporção de contratos de trabalho a termo e temporários), estimando-se ainda o ampliar da economia informal e do trabalho clandestino. O problema que a globalização dos mercados financeiros coloca é o da liberdade quase total que confere aos mercados, que se encontram sem uma verdadeira regulamentação, inexistindo autoridades supranacionais capazes de os regular e neles intervir. Pressionado, entre outros, pelo aumento do desemprego (e consequente aumento da despesa pública) e para evitar o crescimento do défice público, nos países mais afetados por esta crise, o Estado foi levado a reduzir o investimento público.

Mas em economia, dada a complexidade das situações, quando se pretende alcançar um objetivo – por exemplo, a redução da despesa pública – buscá-lo, exclusivamente, pode suscitar a degradação de outros objetivos muito mais relevantes.

Desde logo, porque quando, em resultado de severas políticas de austeridade, se atingem elevados níveis de inatividade involuntária e desemprego (em particular de desemprego de longa duração) uma sociedade perde de vista o seu futuro. A exclusão e o desemprego ameaçam a coesão social, um dos mais preciosos investimentos a longo prazo de um qualquer país. E não teremos o dever de nos interpelar sobre as intenções de uma política de depreciação do futuro, que favorece o individualismo (em detrimento do esforço coletivo) e acentua desigualdades?

A verdade é que se constata uma tendência para um aumento significativo, desde o início desta crise, de problemas laborais sobretudo junto da população com 45 ou mais anos. Esta situação deve-se, pelo menos em parte, à destruição de emprego permanente e ao incremento dos despedimentos, em particular dos despedimentos coletivos e os despedimentos por extinção de posto de trabalho. Muitas destas pessoas de meia-idade, e muito distantes da idade mínima de reforma por velhice, se outrora estavam confiantes num regresso ao trabalho agora, com o prolongar das situações de permanência na inatividade e no desemprego, acabam por perceber que estão “inativas à força”.

E, para lá da perda deste relevante capital humano para o desenvolvimento do país, esta é uma enorme injustiça humana e social.

Se uma sociedade perde de vista o propósito do pleno emprego e da igualdade de oportunidades, não dando a uma parte significativa da sua população a esperança de poder vir a ter um emprego que precisa para garantir uma existência condigna, se a nossa economia providencia tão poucas oportunidades de emprego, então não estamos a pugnar pelos valores fundamentais da justiça social e da dignidade humana. Precisamos de uma economia mais justa, que priorize o interesse geral e que garanta a todos o direito a ter um emprego decente e uma remuneração decente. Trata-se de um problema de equidade e, hoje, não nos podemos resignar a um sentido de equidade reduzido. Necessitamos de uma economia inclusiva que permita que os benefícios de um crescimento económico sejam partilhados por todos, tanto mais que o aumento do desemprego, da precariedade do trabalho, assim como da pobreza, são a grande causa das desigualdades sociais.

Em suma, e acautelando a coesão social, precisamos de uma economia verdadeiramente progressista que priorize, simultaneamente, os valores da liberdade e da igualdade e que se associe à ideia de solidariedade entre as diversas gerações de trabalhadores, desde os jovens às pessoas de meia-idade, menos individualista e mais solidária do que a atual.

Professora universitária e investigadora

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