"Programa cautelar ajudaria Portugal a manter um custo de financiamento baixo"

Michele Napolitano, responsável na agência Fitch Ratings pela análise de Portugal, diz que é difícil que uma saída da classificação “lixo” para o rating antes do final do programa da troika.

Foto
Michele Napolitano, analista da Fitch Enriq Vives-Rubio

O analista da Fitch Ratings para Portugal diz que a opção por um programa cautelar, em vez de uma saída do programa igual à Irlanda, seria mais positiva para o rating português. Não só os custos de financiamento seriam mais baixos, como seria bom para o país ter condições para cumprir, defende.

O rating da Fitch para portugal continua a nível de “lixo”, mas a taxa de juro da dívida a 10 anos já está em 5%. Quem é que está errado, são vocês ou os mercados?
O facto de os investidores terem uma opinião própria, que algumas vezes difere da das agências de rating, é até bastante saudável. Lidamos com os investidores todos os dias, eles compram os nossos produtos, discutimos com eles a nossa visão sobre os países. Eu penso que eles lêem as nossas opiniões e levam-nas em conta, mas às vezes têm ideias diferentes sobre os assuntos. É normal e é saudável para funcionamento dos mercados como um todo.

Mas a que se deve uma diferença tão grande de análise?
Especificamente para Portugal, se se olhar para os mercados, aquilo que tem acontecido nos últimos anos tem sido uma autêntica montanha russa. No início de 2012 tivemos as taxas de juro acima de 15%, o que significa que os mercados na prática consideravam que o Portugal estava a entrar em default. E nós não mudámos o nosso rating nessa altura, continuámos com um BB+. Depois, em 2013, os mercados estavam muito positivos em relação a Portugal, nós não mexemos no rating porque nos apercebemos que havia riscos de ordem política. Estes riscos acabaram por se materializar em Julho e os mercados entraram em pânico e as taxas voltaram a subir. Nós, mais uma vez, mantivemos o nosso rating em BB+. Por isso, não é que os investidores não ouçam aquilo que as agências de rating estão a dizer. Simplesmente os dois fazem coisas diferentes. Nós tentamos dar aos investidores informação sobre a capacidade do Estado para cumprir as suas obrigações durante um período que pode ir até aos 25 ou 30 anos, enquanto os investidores estão à procura de lucros principalmente no curto prazo. Acho que não estamos atrasados em relação a eles. Temos é sido muito consistentes nas nossas análises.

Mas quando a crise começou foram muito bruscos a descer taxas logo que os mercados começaram a pressionar o país, agora não fazem o mesmo para subir. Em algum momento estavam errados…
Acho que é justo que se diga que no passado, antes da crise, e não apenas para Portugal, nós calculámos mal os riscos nos países da zona euro. Claramente subestimámos questões como a  dívida externa de alguns países e quando a crise começou fomos apanhados atrás da curva. E foi por isso que baixámos em vários níveis o rating de alguns países, incluindo Portugal. Mas agora estamos noutro mundo. Percebemos melhor os riscos em torno da dívida soberana. E é verdade, os nossos ratings agora são mais difíceis de se mexerem. Não apenas para Portugal, mas para qualquer país. Com a crise, passámos a ter que pensar com muito mais cuidado antes de subirmos um rating porque queremos que o rating fique lá, que não volte a descer. É isso que queremos que aconteça com Portugal. As pessoas tendem a olhar apenas para as nossas acções, se baixamos ou subimos os ratings, mas seria importante olhar para aquilo que dizemos. O facto de não subir logo, não quer dizer que não sejam dadas indicações sobre a tendência.

Portugal está agora a tentar um regresso completo aos mercados, pensar que teremos uma subida de rating brevemente, que ajude nesse processo, é esperar demais?
Para ser franco, Portugal neste momento tem um rating BB+ com uma tendência “negativa”. Por isso, o próximo passo potencial positivo será uma passagem da tendência para “estável”. Não creio que tenhamos já uma alteração do rating. Nós agora temos de rever os ratings a cada seis meses e pode ser que, se os factores positivos que identificámos como podendo fazer subir os ratings se materializarem, tenhamos subidas do rating mais cedo do que a maior parte das pessoas pensa.

Mas a tempo de ajudar no final do programa, em Junho?
Penso que os factores positivos se podem materializar no espaço de dois anos. Será muito difícil colocar outra vez Portugal em nível de investimento [saída da classificação “lixo”] antes de Junho. E há várias razões para isso. A primeira é que a dívida pública é agora extremamente alta, até ficou pior nos últimos anos. Queremos assistir a uma estabilização nesse indicador, pelo menos ter a certeza que a dívida já atingiu o seu máximo e agora vai começar a descer. Além disso, achamos que um programa cautelar ajudaria.

Seria bom para o rating?
Sim, um programa cautelar seria positivo para o rating. Portugal vai ter necessidades de financiamento muito elevadas durante os próximos anos e, por isso, ter custos de financiamento mais baixos constituiria uma grande ajuda para controlar a dinâmica da dívida publica e para o crescimento económico. Ter um programa cautelar ajudaria o Estado português a manter um custo de financiamento baixo. Uma segunda razão é que, com o cautelar, haveria condicionalidade, talvez uma condicionalidade leve. Tendo em conta o nível elevado de dívida pública, será preciso manter saldos primários consideravelmente elevados, será essencial manter a disciplina orçamental durante vários anos. O programa cautelar faria aumentar a confiança de que quem quer que seja que esteja no poder terá de manter a disciplina orçamental.

Quando olha para a sustentabilidade da dívida pública, qual é o factor a que dá mais importância: o crescimento económico ou a disciplina orçamental?
A minha resposta pode parecer simplista, mas na verdade são os dois factores. É preciso crescimento para aumentar o denominador. Mas também é precisa a disciplina orçamental. Se se consegue crescimento, mas não se assegura a disciplina orçamental, não se resolve o problema da dívida.

Os últimos anos mostraram que as duas coisas, crescimento e austeridade, podem ser difíceis de conciliar.
Não concordo. Portugal está a crescer agora. É claro que quando se está no buraco, as pessoas dizem que isso acontece por causa do excesso de austeridade. O crescimento está a recuperar, o desemprego está a cair e, por isso, os resultados orçamentais estão a melhorar. E houve uma transferência de recursos na economia do sector público para o sector privado. E isto é positivo para o crescimento.

Onde vê essa transferência?
O Governo ao baixar a despesa agressivamente ficou com espaço para baixar agora os impostos sobre as empresas, o que vai ser importante para o crescimento no futuro. Portanto, não concordo que a austeridade necessariamente acaba por matar o crescimento. É penoso durante algum tempo, mas os resultados aparecem. É o caso da Irlanda e de Portugal e até da Grécia, que também começa a ver o PIB a crescer.

A níveis muito mais baixos do que no passado…
Mas os níveis do passado não eram sustentáveis, tinha de haver um ajustamento, o que é penoso.

Em Itália há um processo contra a Standard & Poor’s e em Portugal, o Estado não renovou o contrato com a mesma agência. Sente que há problemas de cooperação entre os Governos da periferia e as agências de rating?
Eu sou apenas um analista. Tento analisar os dados da melhor forma possível para dar uma informação útil para os investidores. E não sinto qualquer problema com os Governos. Sempre pude ser muito franco com as autoridades portuguesas, sempre os achei muito cooperantes. Às vezes quando discutimos os assuntos, temos visões diferentes, mas nunca senti qualquer pressão. 

Sugerir correcção
Comentar