Parlamento chumba avaliação prévia dos contratos de energia por Bruxelas

A Comissão Europeia vai poder decidir sobre os contratos de gás e petróleo dos Estados-membros, mas o Parlamento português deixou expresso o seu desacordo com a medida.

Foto
Bruxelas quer ter uma palavra a dizer sobre os contratos de petróleo e gás VINCENT KESSLER/REUTERS

A Assembleia da República (AR) chumbou a proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho para que a Comissão Europeia possa avaliar antecipadamente os contratos e acordos intergovernamentais entre os Estados membros e países terceiros relativos aos fornecimentos de gás, petróleo e electricidade.

Ao lado de Portugal nesta oposição à proposta europeia estiveram apenas os parlamentos de Malta e Áustria, o que não afecta em nada a entrada em vigor das novas normas que dão poder a Bruxelas para se pronunciar sobre os acordos intergovernamentais. Ainda assim, os deputados portugueses deixaram expresso o seu desacordo num parecer fundamentado que foi aprovado em Abril e publicado esta terça-feira em Diário da República.

“A iniciativa em causa é susceptível de violar o princípio da subsidiariedade, na medida em que propõe uma transferência de funções de Estados membros para a Comissão sem que tal transferência corresponda a um aumento de eficácia” na concretização dos objectivos do Tratado da União Europeia no domínio energético, refere o parecer, dirigido aos presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho Europeu e da Comissão Europeia.

A legislação em vigor na Europa desde 2012 previa que Bruxelas pudesse avaliar estes contratos e acordos depois de terem sido estabelecidos pelos Estados membros, procurando verificar a sua conformidade com as normas comunitárias.

Contudo, a Comissão diz ter adquirido “uma experiência significativa” desde então (com a instabilidade nas relações com a Rússia e os cortes nos abastecimentos de gás) e, embora considere que este sistema é “útil para receber informações sobre acordos intergovernamentais em vigor” e para identificar problemas de compatibilidade com o direito da UE, não é suficiente “para resolver essas incompatibilidades” e gera “insegurança jurídica”.

Em particular porque se constata que “é muito difícil renegociar esses acordos” e há “pressões políticas” para que isso não aconteça, refere a proposta do Parlamento Europeu apresentada em Fevereiro.

Por isso, o executivo comunitário entende que “a intervenção da Comissão antes de um Estado-membro e de um país terceiro celebrarem tais acordos proporcionaria um valor acrescentado essencial no sentido da  resolução de potenciais conflitos entre as obrigações” dos países comunitários.

Opinião diferente tem, contudo, o Parlamento português. Segundo o parecer da comissão parlamentar de assuntos europeus, aprovado por unanimidade, a avaliação de impacto que foi apresentada pela Comissão Europeia “não demonstra aprofundadamente os impactos negativos concretos” nem para o funcionamento do mercado interno, nem para a segurança do abastecimento energético europeu.

O documento refere que dos 124 acordos intergovernamentais considerados, apenas 17 incorreram em não conformidades com a legislação comunitária (e destes seis são relativos a um projecto já descontinuado). Por outro lado, embora seja possível reconhecer falhas na avaliação pelos Estados-membros em matérias de conformidade com o direito europeu, os deputados portugueses frisam que os países têm, em caso de dúvidas, liberdade para, “numa base voluntária”, pedir uma avaliação prévia à Comissão.

Além disso, se a criação de uma verdadeira união energética se “alicerça também na solidariedade entre os Estados membros e destes com a Comissão”, são os países que “estão ainda em melhor posição para assegurar” estes objectivos “no que respeita à conclusão de acordos intergovernamentais em conformidade com o direito da União”, lê-se no parecer, que destaca a necessidade de quebrar a dependência da Rússia e “reduzir o isolamento energético da Península Ibérica”.

O reforço da conformidade com o direito comunitário no que toca aos contratos de fornecimento de energia poderia antes conseguir-se com a definição de cláusulas-modelo a incluir nos acordos intergovernamentais que não violem o direito/orientações da UE, defendem os deputados portugueses. “Isto garantiria também a proporcionalidade do instrumento face aos objectivos pretendidos e atento o respeito pelo princípio da subsidiariedade”, afirmam os parlamentares.

Sugerir correcção
Comentar